Protestos antirrepublicanos

Wellinton Carlos

18/05/2014

Está aberta a temporada da desordem: protestos individualistas se espalham no país sem lideranças significativas e apartados dos interesses da maioria da população

A recente onda de protestos que tem tomado o Brasil traz à tona duas situações: a intolerância e a falta de hábito em realizar mobilizações realmente democráticas.

Para piorar, nos últimos dias, os protestos têm se misturado com as paralisações profissionais. Ou seja, os ingredientes que estão sendo colocados no caldeirão da opinião pública podem originar no Brasil uma nova forma de manifestação: mais violenta do que nos países da Europa em crise e menos intelectualizada do que as mobilizações organizadas recentemente nos Estados Unidos, como o “Ocupe Nova Iorque”. E o que isso pode resultar? Impossibilidade de diálogo e até mesmo ruptura do sistema democrático.

A prova deste agravamento foi o recente incêndio criminoso de um ônibus, que ocorreu no último dia 28, na Praça da Bíblia, em Goiânia. Ele não resolve nada e até ajuda os empresários, que recebem muitas vezes o dobro por conta do seguro.

A recente manifestação dos motoristas de ônibus [que na quinta-feira, começaram um pacífico protesto na frente do Ministério Público do Trabalho, em Goiânia] indica que existe esta mistura de insatisfação de classe com desejo de protestar da massa.  O problema, todavia, é um só: as manifestações não são coletivas nem representam a maioria da população.

Ontem pela manhã, motoristas realizaram ações que chamam de “conscientização”, tentando impedir que outros profissionais cumprissem um direito tão sagrado quanto a greve, que é trabalhar. “Fui impedido. Posso dizer claramente que estão impedindo nosso trabalho. E o que é mais grave: não temos a quem recorrer”, disse um motorista à reportagem do Diário da Manhã.

Ele pede anonimato com medo de represálias de grevistas e ainda informa que um motorista foi baleado enquanto trabalhava. “Sabemos de outro que apanhou, pois tentou ir trabalhar”, disse. O motorista ligou na manhã de sábado para pontuar o que acha errado no movimento que, em tese, apoia, mas que teme os desdobramentos.

Esta mistura entre diversos movimentos, grevistas, radicais (black blocs) e mobilizações antidemocráticas (fascistas, carecas, etc) têm confundido a maioria da população. O país vive um drama prestes a iniciar o maior encontro internacional de nações, que é a Copa do Mundo. E sem oferecer garantias concretas para os moradores. “O grande dilema tem sido essa confusão, essa pós-modernidade dos protestos. Não dá para interpretarmos com categorias do passado. Cada movimento é único. E isso dificulta as interpretações”, diz o cientista social Luís Gustavo da Silva, da Universidade Federal de Goiá (UFG). 

Luís Gustavo afirma que as motivações dos protestos são originadas de escolhas e equívocos políticos. De fato, ninguém duvida disso. A grande discordância se dá quanto aos atos praticados: a violência é que tem sido uma linguagem e arma perigosa, pois tem gerado mais vítimas do que baixas no lado dos opositores da maioria da população. Que o diga a família do cinegrafista morto no Rio de Janeiro, Santiago Andrade. Morreu da forma mais inocente possível, sendo apenas os olhos da sociedade em meio ao caos de um protesto. Era um trabalhador. Nenhum deputado ou gente do círculo de amizades de Eike Batista, por exemplo, foi ferido até agora: apenas trabalhadores, pobres ou integrantes da classe média.  

Sem tetos

Na quinta-feira ocorreu  um protesto justo, entretanto desrespeitoso com o Estado:  um grupo de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto invadiu o prédio da Terracap, companhia imobiliária do governo do Distrito Federal e proprietária do Estádio Nacional Mané Garrincha. Motivo: estão revoltados com os gastos utilizados com a realização da Copa do Mundo.  E mais: não aceitam que a Terracap venda terrenos públicos que poderiam ser usados para pagar moradias e estão sendo aplicados no pagamento do estádio Mané Garrincha.

Edson Silva, um dos dirigentes do movimento, afirmou que existe forte indignação já que a Terracap investiu R$ 1,2 bilhão com estádio em vez de priorizar as moradias de quem precisa de moradia. “Pelo que você observa, não existe prioridade nenhuma com a gente. Só com o estádio”. 

O confronto de quinta-feira despertou a ação da Polícia Militar, que chegou a usar cassetetes e spray de pimenta no ato de conter os manifestantes. Os sem-teto estão certos em exigir, mas quando colocam a truculência nas ruas, em vez da persuasão por meio do diálogo, devem saber que o Estado vai usar a mesma arma.   

Esta revolta com a Copa é instrumental, como se percebe. É um grupo que tem uma preocupação específica: moradias para quem participa do movimento. A mesma regra vale para o protesto dos motoristas de Goiânia: estão mobilizados tendo em vista os interesses da classe e não a qualidade do transporte coletivo. 

O mesmo ocorreu com o Ministério Público, quando se lançou contra  PEC 37 e lutava por manter suas prerrogativas. Não existe protesto para o bem da república ou de todos. Não se levanta uma bandeira favorável à reforma política, por exemplo.

Ao contrário: os grupos individualistas se proliferam. O movimento grevista que fechou o Terminal Bandeiras Padre Pelágio e exigiu uma assembleia com o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários no Estado de Goiás (Sindittransportes) quer um  aumento maior do que os 7%  concedidos. Não deseja interferir na vida dos que não nasceram nem no futuro da Capital.  “As causas são específicas e localizadas no tempo. Como ocorre com outros movimentos. A diferença é que os movimentos estão mais violentos”, diz Luís Gustavo da Silva. 

Greves oportunistas durante ano eleitoral

Levantamento da Força Sindical computou que nos últimos 12 meses ocorreram no Brasil mais de 3 mil movimentos grevistas e paralisações de profissionais. O número é muito se comparado a outros anos – na faixa de 900.

Com a chegada das eleições, existe uma politização do serviço público – o que sempre prejudica a população. Goiânia, por exemplo, sofreu toda sorte de paralisações nos últimos meses: de professores municipais, da Polícia Civil, da Polícia Federal, da Guarda Municipal, dos agentes da Secretaria Municipal de Trânsito a empresários que fornecem caminhões para coleta de lixo.

Nesta semana, por exemplo, um grupo de mestrandos e doutorandos vai se reunir para saber que medida tomar: se pedem prorrogação para defenderem suas teses ou se realizam um requerimento formal ao reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG). É que há dois meses as bibliotecas não funcionam em Goiás. “Entendemos a greve, mas achamos que estamos sendo usados. Precisamos nos formar. E sem a pesquisa não tem jeito”, diz o mestrando Maurício Tavares.

Os movimentos grevistas podem e devem ser realizados. É um direito constitucional. E muitas paralisações são claramente pontuais, principalmente das classes que nunca fizeram nenhuma greve. “O que não dá para entender é a classe que sempre faz protestos pontualmente e de forma sazonal. Isso deve ser mais bem estudado no âmbito do Direito Administrativo. Em outros países, ocorreria exoneração e demissão em massa. E se abre novas vagas. No Brasil jamais ocorreu algo neste sentido”, diz Maurício, pesquisador da área de direito.

Por ironia, as manifestações só causam impacto, de fato, em profissões essenciais e que despertam o interesse imediato da população - caso dos motoristas de ônibus ou médicos, por exemplo. Outras, como os agentes de trânsito, ao contrário, não fazem falta para a população, mas para a administração pública, já que a principal ação deles é a multa.

Neste caso, a população faz questão de não apoiar e as paralisações dificilmente conquistam a simpatia popular.  A diferença, entretanto, é que a greve dos profissionais que fiscalizam o trânsito pode ser justa e segue correta, sem violência. Ou seja, diz respeito a uma negociação interna com a Prefeitura. O mesmo vale para a paralisação da Guarda Municipal.

O que não dá para entender é greve da Polícia Militar, como ocorreu recentemente na Bahia e Pernambuco. É contra a lei qualquer paralisação. E mesmo assim os insurgentes continuam fomentando os conflitos.

Luís Gustavo da Silva, da Universidade Federal de Goiá (UFG), tem a preocupação que criminosos e radicais empobreçam os protestos. “As greves são legítimas. O mesmo deve ser dito para os protestos. Senão termos um protesto uniforme e republicano, paciência. O Brasil ainda não chegou a este nível de maturidade. O que não pode ocorrer é surgir um movimento criminoso, de bandidos, e se infiltrar nas mobilizações. Em alguns lugares isso tem ocorrido. E os servidores públicos, por exemplo, precisam denunciar com urgência”. 

Fonte: Diário da Manhã