Morte de pássaros está ligada a inseticidas

Aumento do uso de agrotóxicos na Europa é acompanhado da redução da população de aves silvestres, aponta estudo holandês

11 de julho de 2014

O estorninho-comum (Sturnus vulgaris) é uma das aves cuja população diminuiu em áreas com aplicação do pesticida imidacloprida.

Brasília – Pesquisa publicada ontem da revista Nature sugere que pássaros de áreas rurais europeias sofreram enormes declínios populacionais nas últimas três décadas. E por trás do fenômeno parece estar o aumento do uso de pesticidas. O estudo indica que os produtos usados para afugentar pragas das lavouras não prejudicam apenas as abelhas – cujo desaparecimento já havia sido ligado ao uso dos inseticidas – mas também os bichos emplumados. 

“Nossos resultados sobre as quedas nas populações de pássaros sugerem que os neonicotinoides (um tipo muito utilizado de pesticida) representam um risco ainda maior do que imaginávamos. Efeitos catastróficos em cascata devem receber mais atenção dos pesquisadores que se dedicam a investigar os ecossistemas”, diz Caspar Hallmann, principal autor do estudo e pesquisador da Universidade de Radboud, na Holanda.

O cientista verificou dois levantamentos nacionais da Holanda que monitoraram o crescimento e o declínio de espécies de pássaros, além da qualidade da água, entre 2003 e 2009. Com isso, ele conseguiu investigar a extensão média das concentrações de um pesticida da família dos neonicotinoides chamado imidacloprida. Foram selecionadas 15 espécies de pássaros para verificar a relação entre a população dos animais e a quantidade de agrotóxicos no meio ambiente. Nove delas se alimentam exclusivamente de insetos. 

As populações de pássaros em terras agrícolas locais foram negativamente afetadas pela concentração da imidacloprida: 14 das 15 espécies estudadas apresentaram respostas negativas ao uso do pesticida. A equipe percebeu que maiores concentrações da substância na superfície das águas holandesas estão consistentemente associadas com a menor quantidade de pássaros, especialmente entre aqueles que se alimentam apenas de insetos. Nas áreas em que as concentrações são muito altas, a quantidade desses animais chegou a diminuir em até 3,5% ao ano. 

A equipe de Hallmann cogitou que o declínio poderia ser resultado de outras ameaças. “Por isso testamos se os declínios estavam presentes antes da introdução da imidacloprida, em 1994, mas não encontramos essa correlação”, diz o autor. “Concluímos, com isso, que o padrão espacial observado não tem relação com outros fatores. Esse achado sugere que é muito provável que a imidacloprida tenha contribuído para o declínio populacional dos pássaros locais”, completa o holandês.

Mesmo assim, o pesquisador ressalta que não é possível ter certeza absoluta de que o pesticida é o principal culpado, pois se trata de um estudo correlacional, que apenas observa a ocorrência de dois fenômenos paralelamente. Porém, a hipótese de que os produtos químicos dificultam o acesso a alimentos para os pássaros ganha força com os dados. Hallmann acrescenta que outras formas diretas de ação da substância podem influenciar o problema. É possível, por exemplo, que os pássaros estejam desaparecendo por ingerir o produto tóxico diretamente. 

Abelhas e morcegos

Foi no fim do século passado que os neonicotinoides substituíram pesticidas mais antigos como carbamatos, piretroides e organofosforados. O debate sobre os riscos ambientais do uso desse inseticida começou nos anos 1990, quando apicultores franceses atribuíram a redução das colônias de abelhas ao produto. Estudos apontaram, então, os efeitos dos neonicotinoides sobre os insetos, e, após uma revisão das provas, a Comissão Europeia de Segurança Alimentar declarou, em 2013, que as substâncias impõem um “risco inaceitável” para as produtoras de mel. Pouco depois, a União Europeia votou a favor de uma moratória de dois anos para o uso de três produtos da família dos neonicotinoides amplamente utilizados em culturas de flores.

Outras pesquisas sugeriram que os efeitos do pesticida não são restritos às abelhas e se estendem aos pássaros e a alguns mamíferos que se alimentam de insetos e frutas, como os morcegos. “Entretanto, este é o primeiro estudo a fornecer evidências diretas de que o amplo esgotamento das populações de insetos pelos neonicotinoides tem repercussões em vertebrados também”, diz Dave Gulson, pesquisador do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade de Sussex, no Reino Unido. 

Ele lembra que em 1950 e 1960, quando o DDT (diclorodifeniltricloroetano) passou a ser usado em grande escala, também foram registrados problemas relacionados ao equilíbrio do ecossistema. “Por exemplo, percebemos surtos de pestes resistentes aos pesticidas, uma contaminação generalizada do meio ambiente e efeitos de baixa produção e exportação de alimentos, além de um envenenamento crônico das pessoas”, afirma o especialista, que não participou da pesquisa publicada na Nature. 

Brasil Nathália Machado, pesquisadora pós-doutora do Laboratório de Biogeografia da Conservação, ligado à Universidade Federal de Goiás (UFG), diz que os pesticidas também são um problema real no Brasil. “Eles atingem mais diretamente as aves insetívoras, que comem insetos contaminados por produtos como os fitossanitários e respectivos resíduos. Dois exemplos são os curiangos e bacurais. Também são afetados indiretamente pássaros que consomem essas espécies (em geral, aves de rapina)”, aponta a especialista.

Ela diz que, além de esse efeito seguir ao longo de toda a cadeia alimentar, ele é cumulativo. Aves que não se alimentam de insetos ou plantas também sofrem com os efeitos negativos dos agrotóxicos. “Esse impacto dos pesticidas sobre a avifauna já foi detectado, por exemplo, em um estudo feito no Parque Nacional das Emas, em Goiás. A pesquisa foi resultado de uma tese de doutorado defendida em 2007 pelo pesquisador Sady Valdes, que estudou curiangos na região. O cerrado, uma região com grande potencial agrícola e fortemente associado ao agronegócio, sofre com um impacto muito alto sobre a biodiversidade”, alerta.

Abutres envenenados
Pesquisadores dos Museus Nacionais do Quênia, em Nairobi, relataram em 2011 que a população de abutres da Reserva Nacional Masai Mara diminuiu em 50% nos últimos 25 anos. O padrão das mortes sugere que a principal ameaça vem de fazendeiros que utilizam uma estratégia pouco convencional para manter leões e hienas longe de seus rebanhos: bodes envenenados. O consumo da carcaça intoxicada, entretanto, parece ter afetado mais grandes aves do que as espécies de mamíferos. A pesquisa, publicada na revista New Scientist, revelou ainda que apenas 1% do gado envenenado tem potencial de matar uma população inteira dos pássaros.

 

Fonte: Portal Estado de Minas

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