Luciano Leão: Precisamos criar na sociedade uma cultura de doação de órgãos

Data: 03 de outubro de 2014

Fonte/Veículo: Goiás Agora

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Atualmente, mais de 1,2 mil pessoas estão à espera de um transplante de órgãos e tecidos no Estado de Goiás. De acordo com o gerente da Central de Transplantes, Luciano Leão, foram realizadas 648 cirurgias de transplantes entre janeiro e setembro de 2014, sendo 574 transplantes de córneas, 41 de rins, 30 de medula óssea e três de pâncreas. O aumento do número de doações esbarra, sobretudo, na falta de sensibilização e preconceito das famílias de pacientes diagnosticados com morte encefálica. Setenta por cento delas não autorizam o procedimento.

Outra dificuldade é o despreparo dos médicos que trabalham nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e não notificam os casos à Central por falta de conhecimento no assunto. Desta forma, transplantes que poderiam beneficiar várias pessoas deixam de ser feitos. “Infelizmente temos muita demanda, mas a resposta da sociedade ainda é fraca e isso nos deixa preocupados. Precisamos reverter essa situação”, defende. Para incentivar a doação de órgãos, a Secretaria da Saúde desenvolveu no mês passado, quando foi comemorado o Dia Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos (27/09) a campanha Setembro Verde, com a finalidade de promover a conscientização da sociedade sobre a importância desse ato de solidariedade que salva vidas.

Há mais de mil pessoas na fila de espera por um transplante em Goiás. Quais são os desafios da Central de Transplantes para reduzir este número?
Luciano Leão – Setenta por cento das famílias de pacientes que tiveram morte encefálica não autorizam doações, a maioria por desconhecer a vontade do ente querido que está morto. As pessoas não entendem o que é morte encefálica, porque os órgãos continuam funcionando e as pessoas duvidam também da seriedade do procedimento, da transparência e lisura neste caso. Existem muitas negativas por causa disso e as pessoas falam abertamente que não acreditam que os órgãos serão doados conforme esperam. Crenças religiosas interferem também. Famílias se negam a doar por causa da questão religiosa. A doação deve ser espontânea. Nós não forçamos ninguém. Por isso nós falamos que se você quer ser um doador, que converse com seus familiares para que respeitem a sua vontade. Hoje estamos vivos, amanhã não. Isso pode acontecer com qualquer um de nós. Um acidente grave, um Acidente Vascular Cerebral (AVC)  – que é o caso mais comum de morte encefálica -  é nesse momento que os familiares são abordados. Mas se não souberem a vontade de seus entes queridos, raramente irão se sensibilizar. Em caso de morte encefálica, de oito a dez pessoas podem ser beneficiadas com uma doação de órgãos (rins, pulmões, pâncreas, coração, córneas etc). A todo momento há pessoas acidentadas, entrando nesta situação.

A Secretaria da Saúde realizou a campanha Setembro Verde para ampliar a discussão sobre o tema e aumentar o número de doações. Quais os efeitos de ações como essa?
Luciano Leão – Precisamos trabalhar em campanhas cada vez mais frequentes em locais de grande concentração popular. Ao longo do mês de setembro, considerado internacionalmente dedicado às doações de órgãos e tecidos, incrementamos o número de ações da Central justamente para que pudéssemos levar até as pessoas em geral as devidas informações e orientações em relação aos transplantes. Mais do que nunca, nós precisamos  criar uma cultura de transplantes em nosso Estado para aumentarmos o número de doações. Porque a lei brasileira, diferentemente de outros países,  é bem mais rigorosa e exige que para se fazer a retirada de órgãos e tecidos para transplante de um paciente com morte encefálica, há necessidade de autorização familiar. Temos também muita dificuldade hoje com os profissionais de saúde, principalmente médicos e enfermeiros, por não conhecerem a importância dos transplantes e não terem tido formação sobre o assunto durante a faculdade. Pouquíssimas faculdades no Brasil têm disciplina sobre transplantes e, então, como vamos querer que um médico formado participe como parceiro dessa causa, se ele não recebeu nenhuma orientação neste sentido? Estamos tentando junto à Faculdade de Medicina da UFG que seja inserida no currículo hoje alguma disciplina com noções básicas sobre os transplantes, porque aí teremos uma resposta mais positiva por parte dos profissionais.

Já existe previsão de quando será realizado em Goiás o transplante de coração?
Luciano Leão - Vamos voltar a transplantar coração e vamos iniciar o transplante de fígado no Hospital das Clínicas na Universidade Federal de Goiás (UFG). Para a realização das cirurgias de transplante é preciso tanto que a equipe de médicos e enfermeiros quanto o hospital sejam credenciados pelo Ministério da Saúde (MS). No caso do HC, falta a vistoria do hospital, que é feita pelo Ministério da Saúde, para credenciar a unidade. Na Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, ocorre a mesma situação. O Hospital Lúcio Rebelo já encaminhou a documentação ao MS para iniciar o transplante cardíaco. Temos mais de 15 instituições no Estado que realizam transplantes de córneas, seis de rins e uma de pâncreas e rins. É claro que temos que aumentar esse número de hospitais e equipes porque temos mais de mil pessoas aguardando por um transplante. No Brasil, são 40 mil. Então, quanto mais doações, mais poderemos contribuir para diminuir essa fila, que é muito grande.

O que muda a partir do momento em que os transplantes de fígado e coração passarem a ser realizados aqui?
Luciano Leão – Hoje quando precisamos de um transplante deste, temos que encaminhar os pacientes para outro Estado, geralmente para São Paulo ou Brasília. Não terão que se deslocar até outro centro. Quanto mais opções, melhor para os pacientes. Temos que investir muito na melhoria dos nossos programas de transplantes, trabalhar com muita vontade para que esses transplantes passem a ocorrer aqui. O direito à saúde é inquestionável e é garantido pela Constituição Federal de 1988. É preciso aumentar o número de doações para que tenhamos oportunidade de oferecer mais momentos para que os pacientes se beneficiem. Nenhuma outra atividade na saúde pública exige tanto da população como os transplantes. A doação tem que surgir da própria comunidade. Infelizmente temos muita demanda, mas a resposta da sociedade ainda é fraca e isso nos deixa preocupados. Precisamos reverter essa situação.

 

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