Desafetação é insustentável

Documento elaborado pela Universidade Federal de Goiás diz que medida da Prefeitura de Goiânia passa por cima do Plano Diretor e prejudica a sustentabilidade da Capital

O relatório Impactos negativos da desafetação de áreas públicas no município de Goiânia, produzido pela Universidade Federal de Goiás/UFG mostra os impactos negativos que serão causados caso o Projeto de Lei Complementar número 50 seja aprovado. O PL-50 de autoria da Prefeitura de Goiânia pretende vender áreas públicas do município para gerar renda aos cofres públicos, mas coordenado pelo professor Tadeu Arrais, o documento mostrou que Projeto passa por cima do Plano Diretor, para tornar áreas atrativas para venda, e não fez estudos de impacto ocasionados pela medida.

"A venda destes espaços aponta para uma série de bairros sem áreas públicas que precisaremos no futuro para atender demandas de infraestrutura básica como Educação e Saúde", explica Arrais. "O que está em jogo é a venda do patrimônio público e com esta desafetação o prefeito perdeu o afeto pela coisa pública", afirma o professor.

Arrais acredita que apesar das audiências públicas e dos documentos produzidos demonstrando a insustentabilidade do PL o governo pode conseguir sua aprovação. "O município está usando como argumento a necessidade do dinheiro para obras, e precisa de fato, mas esse dinheiro não deve ser obtido através da venda de terrenos", conclui Tadeu.

Em tentativa de contato com a Prefeitura de Goiânia, feita pela equipe de reportagem do Diário da Manhã, a Secretaria de Comunicação informou que "prefeitura não está se posicionando até obter uma posição da Câmara".

Confira a seguir o documento, na íntegra, produzido pelo Instituto de Ciências Sócioambientais /Iesa-UFG:

Universidade Federal de Goiás - UFG

Instituto de Estudos Socioambientais - Iesa

Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia (Doutorado/Mestrado)

Centro Integrado de Gestão e Pesquisa em Ordenamento Territorial 

"O que está em jogo é a venda do patrimônio público e com esta desafetação o prefeito perdeu o afeto pela coisa pública”

Tadeu Arrais,coordenador do relatório elaborado pelo Iesa-UFG

Impactos negativos da desafetação de áreas públicas no município de Goiânia-GO

Introdução

O governo municipal enviou para a Câmara Municipal, para votação, o Projeto de Lei Complementar Número 50 (Goiânia, 2013), que desafeta áreas públicas no município de Goiânia. A análise do projeto esta sob a responsabilidade da Comissão de Habitação e Urbanismo da Câmara Municipal de Goiânia, que realizou Audiência Pública no Instituto de Estudos Socioambientais, na Universidade Federal de Goiás. Esse estudo expõe a preocupação de professores do Iesa, bem como da comunidade acadêmica, em relação aos impactos negativos do PL-50.

Áreas prediais e territoriais

O pano de fundo para discussão do PL-50 passa pelo entendimento das demandas e prioridades de investimento do governo municipal de Goiânia. Esse ponto de partida implica em pensar o planejamento urbano em um horizonte temporal que ultrapasse o período de vigência dos mandatos para o Executivo e para o Legislativo municipal. Um diagnóstico dos ativos municipais, especialmente das áreas públicas edificadas e territoriais, deveria acompanhar o PL-50, de modo a prever os impactos sistêmicos da venda, permuta e/ou doção de Áreas Públicas Municipais (APMs).

Em 2010 existiam em Goiânia, distribuídos nos seus 630 bairros, 238.955 imóveis prediais particulares e 117.057 imóveis territoriais (lotes) particulares.1 A distribuição dos imóveis prediais e territoriais públicos e privados estão descritos na Figura 1, em que se nota que aproximadamente 38% da área é composta por lotes privados. O total de imóveis prediais públicos, em 2010, era de 1.028, enquanto os imóveis territoriais públicos perfaziam um total de 10.360. A distribuição dos lotes públicos no espaço intraurbano impressiona, uma vez que, segundo dados do governo municipal (Goiânia, 2012), não existiam lotes públicos em 189 bairros e em 63 bairros existia apenas um lote público. Já em outros 50 bairros existiam dois lotes públicos em cada bairro e em outros 46 bairros existiam apenas três lotes públicos cada bairro, como descrito na figura 2. Os 117.057 lotes vagos privados somavam uma área de 128.244.823 metros quadrados, a maior parte localizada em regiões com infraestrutura urbana e serviços públicos consolidados e passíveis, a depender da vontade do governo municipal, da aplicação dos instrumentos previstos no Estatuto das Cidades, a exemplo do IPTU progressivo.

O número total de bairros do município de Goiânia, em 2010, independente da situação fundiária (legal, ilegal, aprovados, em aprovação, na zona rural - Incra, clandestinos etc.) foi de 739. Esse número, entretanto, deve ser utilizado como uma referência, já que muitos fracionamentos surgiram desde o ano de 2010. Para referência, utilizamos o total de 630 bairros, como descritos no Anuário Estatístico do Município de Goiânia (Goiânia, 2012). É preciso considerar, também, que os bairros não são homogêneos, especialmente em relação ao conjunto das áreas, ao número de domicílios e ao total da população residente. 189 

Em 2010, os bairros selecionados representavam, em 2010, 51% do total de imóveis prediais públicos. É preciso advertir que, nesse total, estão incluídos imóveis localizados em áreas pertencentes ao Município, ao Estado e à União. Os dados comprovam como a centralidade pública foi reforçada ao longo dos tempos, uma vez que o Setor Universitário e o Setor Central são bairros com maior volume de imóveis prediais públicos, com forte perfil administrativo, abrigando edifícios dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Os dados apontam que, no ano de 2010, não havia presença de imóveis públicos prediais em 437 bairros, o que pode indicar que a presença do poder público pode estar relacionada à locação de imóveis, fato que, se confirmado, coaduna com a ideia que, no futuro, a pressão pela instalação de equipamentos públicos municipais, seja na área da saúde, educação ou lazer, será mais onerosa para a administração pública.

Os dados, muito embora referentes ao ano de 2010, nos ajudam a compreender as demandas do município e projetar a necessidade de preservação das áreas públicas. Estimativas do IBGE para 2013 (IBGE, 2014) apontam uma população de 1.393.575 habitantes para o município de Goiânia, com uma densidade de 1.776,74 hab./km². Essa alta densidade, contudo, não é um indicativo de uma cidade compacta, com aproveitamento de infraestrutura urbana e dos serviços públicos. Os lotes vagos estão localizados, especialmente, ao longo dos vetores próprios para densificação, a exemplo das áreas de ligação da GO-070, da GO-060 e da GO-060.2 Além dessas áreas, os lotes vagos concentram-se na porção sudoeste, acompanhando o limite com Aparecida de Goiânia e no nordeste de Goiânia, nas regiões próximas da Ceasa.

Definição de vazios urbanos e lotes vagos consta na Lei Complementar número 181, de 1º de outubro de 2008, publicada em junho de 2010 no Diário Oficial do Município de Goiânia. "Art. 5º - Para efeito desta Lei entende-se por Vazio Urbano os imóveis não parcelados, como glebas, quinhões e áreas, situados na Macrozona Construída, com acesso por via pública consolidada e servido por no mínimo três dos seguintes melhoramentos: a) Transporte Coletivo, num raio de até 500 metros; b) Rede de Energia Elétrica; c) Rede de Água Tratada; d) Escola municipal a uma distância máxima de 3 (três) e) quilômetros do imóvel considerado; f) Rede de Esgoto; g) Via Pavimentada; h) Coleta de Lixo; i) Posto de Saúde num raio de 500 m.; j) Meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; l) Rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar. Art. 6o - Para efeito desta lei entende-se por Lote Vago os imóveis parcelados, como lotes individualizados, grupamento de lotes, quadras inteiras e chácaras, com acesso por via pública consolidada e servida por no mínimo três dos seguintes melhoramentos: a) Transporte Coletivo, num raio de até 500 metros; b) Rede de Energia Elétrica; c) Rede de Água Tratada; d) Escola municipal a uma distância máxima de 3 (três) e) quilômetros do imóvel considerado; f) Rede de Esgoto; g) Via Pavimentada; h) Coleta de Lixo; i) Posto de Saúde num raio de 500 m.; j) Meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; l) Rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar." Além dessas áreas, os lotes vagos estão presentes em dezenas bairros da cidade. No ano de 2010 havia 21 bairros com presença de mais de 1.021 lotes vagos privados que somavam um total de 34.639 lotes vagos. Os três bairros com maior concentração foram o Recanto do Bosque (3.383 lotes), o Goiânia II (2.614 lotes) e o Faiçalville (2.565 lotes). Já os vazios urbanos (glebas extensas), com exceção da região central e da área limite com Aparecida de Goiânia, estão presentes de forma pontual nas demais regiões do município. A maior parte dos lotes privados, assim como parte dos vazios urbanos, localizam-se em regiões dotadas de infraestrutura urbana básica, como asfalto, iluminação pública, galerias de escoamento pluvial, além de outros serviços públicos.

Existe outro dado que afirma a compreensão da existência do monopólio fundiário e imobiliário e que demanda, com urgência, atuação do poder público municipal. Em 2010, como indica a Figura 4, 12,31% dos domicílios do município de Goiânia foram caracterizados como vagos. Considerando a recente expansão dos condomínios verticais, especialmente na região norte, ao longo da Avenida Perimetral, e na região sudoeste, no Bairro Eldorado e no Parque Amazonas, é possível que estes números estejam aquém da realidade, uma vez que se referem ao ano de 2010. Também o Setor Bueno, o Setor Marista e o Jardim Goiás assistem uma nova expansão, com mais de 30 lançamentos de edifícios nos dois últimos anos, com destaca reportagem de O Popular. (O Popular, 20/04/2014). Pesquisa desenvolvida por Furtado, Lima Neto e Krause (2013) constatou um déficit habitacional, em Goiânia, de 57.200 domicílios. Nesse total estão incluídas as habitações precárias, a coabitação, o excedente e o adensamento de aluguel, o que corresponde a 13,47% do total de domicílios da Capital. Além dessa situação domiciliar, o IBGE identificou em Goiânia  sete (7) Aglomerados Subnormais, com população residente de 3.495 pessoas.Três (3) São áreas caracterizadas pela ocupação irregular, algumas em fundos de vale, como no caso da ocupação designada de Emílio Póvoa, em situação de risco constante e que necessita, com urgência, de uma política habitacional que garanta o acesso dos moradores às centralidades urbanas. Há também o Km-08, na Rodovia GO-080, onde vivem migrantes nordestinos, a maior parte advindos do Rio Grande do Norte, aglomerados em um loteamento espontâneo, sem arruamento e nem acesso a água tratada ou coleta de lixo, que se deslocam-se com dificuldades utilizando a linha Nerópolis-Goiânia. Outros casos ilustram as muitas situações domiciliares da população de Goiânia demonstrando ainda a ineficiência de políticas habitacionais que buscavam solução do déficit habitacional enviando a população para periferia, em conjuntos habitacionais distantes do Centro.

O IBGE assim define Aglomerado Subnormal: "É o conjunto constituído por 51 ou mais unidades habitacionais caracterizadas por ausência de título de propriedade e pelo menos uma das características abaixo: - irregularidade das vias de circulação e do tamanho e forma dos lotes e/ou - carência de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede de esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública)." IBGE (2012)

Lei número 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, é conhecida como Estatuto das Cidades.

Lei Complementar Número 171, de 29 de maio de 2007, dispõe sobre o Plano Diretor e o processo de planejamento urbano do Município de Goiânia e dá outras providências.

Enfim, a análise da ocupação urbana indica, por um lado, o monopólio fundiário e imobiliário e, por outro, o déficit habitacional para as camadas mais pobres, que esta a exigir uma política urbana comprometida com a distribuição do ônus da urbanização e com a Justiça social, o que coloca reticências na eficácia do PL-50 para o futuro da cidade.

Matriz da política urbana presente no PL-50

Uma das evoluções do Estatuto das Cidades foi a separação do direito de propriedade do direito de construir.4 Isso significa que o proprietário de um terreno ou uma gleba não pode fazer aquilo que quer em sua área, pois a função social da propriedade, estabelecida no Plano Diretor, deve predominar.5 Esse é um dos problemas centrais do PL-50, uma vez que a venda e/ou permuta das áreas será precedida da mudança das normas que regulam a distribuição das densidades no espaço urbano. Como consta no Artigo 8, do PL-50:

Fica admitida a autorização aprovação de Projetos Diferenciados de Urbanização, na modalidade PDU-I, para as áreas subscritas no artigo 1º, desta Lei Complementar.

O significado do PDU-I no modelo espacial do Plano Diretor é assim descrito na Lei 8.767, de 19 de janeiro de 2009:

Art. 6º Com o fim de compatibilizar a tipologia de ocupação prevista para os Vazios Urbanos e Lotes Vagos ao Modelo Espacial definido no Plano Diretor de Goiânia, Parte II, Título I, das Leis Complementares n.ºs 171/2007 e 181/2008, ficam instituídas as seguintes modalidades de PDU:

PDU I -a) caracterizado por ocupações em alta densidade, a ser implantado exclusivamente nas faixas bilaterais contíguas aos Eixos de Desenvolvimento Preferenciais e Exclusivos, definidos nos incisos I e III, do art. 112, da Lei Complementar nº. 171/2007, Plano Diretor de Goiânia;

Assim, esta claro que não bastará desafetar as áreas urbanas, mas também é imprescindível quebrar as normas que regulam a densidade dessas áreas para torna-las atrativas para o mercado imobiliário. A mudança no adensamento, exigência do mercado imobiliário, tornou o negócio solvável. Esse é o pano de fundo do processo de desafetação que passa pela desconsideração do Plano Diretor, objeto de discussão e intervenção de vários segmentos da sociedade. Esse procedimento é indicativo claro de uma política urbana de ocasião, sem compromisso com o futuro sustentável da cidade.

Caracterização e impactos da desafetação de APMs

O PL-50 prevê a desafetação de áreas nos bairros Portal do Sol (60.632,62 m2); Jardim Goiás (7.599,45 m2); Parque Lozandes (106.441,11 m2); Setor Bueno (4.795,06 m2); Setor Universitário (5.639,25 m2); Jardim Humaitá (10.525 m2); Brisas do Cerrado (16.503,04 m2); Colorado Sul (1.957,19 m2); Moinho dos Ventos (10.392,49 m2). A maior parte das áreas será destinada ao mercado privado, uma pequena fração aos órgãos públicos e/ ou permutas, como descrito na Figura 5.

A Comissão de Habitação e Urbanismo da Câmara Municipal de Goiânia enviou para o governo municipal ofício com o fito de averiguar a destinação primitiva das áreas desafetadas. Infelizmente, o governo municipal não informou a destinação primitiva de todas as áreas. Para fins de sistematização, dividiremos a análise das áreas desafetadas pelo PL-50 em dois grupos.

O primeiro grupo, mais homogêneo, é formado pelas áreas localizadas no Parque Lozandes e no Portal do Sol, correspondendo a 80,01% das áreas desafetadas. Trata-se de um estoque de terras valorizado, uma vez que os equipamentos públicos (Centro de Cultura e Convenções, Paço Municipal, Estádio Serra Dourada etc.) e privados (Shopping Flamboyant, atacadistas e varejistas etc.), dispostos nas proximidades, transformaram a área em uma espécie de enclave, caracterizado pela presença de condomínios horizontais de alta renda.

O elemento marcante nessa região, do ponto de vista da ocupação, é a horizontalidade e, do ponto de vista dos marcos geográficos, é a BR-153, a GO-020 e o Rio Meia Ponte, cujos meandros chegam a 200 metros dos limites do Condomínio Portal do Sol e aproximadamente 800 metros dos limites da gleba desafetada, o que torna essa área um ativo ambiental impar na região. A gleba desafetada dista aproximadamente 420 metros do Córrego Barreiro, que se encontra em processo de assoreamento, agravado pelas obras de duplicação GO-020. A declividade do terreno, especialmente na direção sudeste, indica os possíveis problemas escoamento pluvial, o que exigirá intervenções na vertente do Córrego Barreiro.

A venda e/ou permuta dessas áreas deveria ser precedida por um estudo intraubano com foco nas vantagens e desvantagens de induzir uma centralidade pública naquela região. A destinação primitiva das duas áreas desafetadas no Portal do Sol, que somam 60.632,62 m2, não foi obra do acaso. A ideia era construir, em uma região com fácil acessibilidade, centros de apoio às crianças, aos adolescentes e aos idosos. É sabido que Goiânia não dispõe de centros multidisciplinares que desenvolvam políticas integrais para crianças, adolescentes e idosos. Esse tipo de empreendimento, cuja destinação estava reservada para as APMs do Portal do Sol, demandam extensas áreas que possibilitam a congregação de atividades de lazer, culturais e de formação profissional, motivo pelo qual essa destinação primitiva é primordial para os moradores da região leste e da região sudeste do município de Goiânia. Bairros como Novo Mundo, Parque Atheneu, Aruanã (I, II e III), Jardim Mariliza, Parque das Laranjeiras, entre outros, poderiam ser contemplados com os benefícios públicos da destinação primitiva. Estima-se que a população da região leste, com mais de 130 bairros, seja superior aos 200 mil habitantes.

As demais áreas do primeiro grupo, localizadas no Park Lozandes, somam 90.377,2 m2, sendo que a maior delas, com destinação para venda, com área de 33.584,91 m2. A parte frontal dessa área, como indicado na Figura 6, esta localizada de frente da parte noroeste do Paço Municipal e dista aproximadamente 100 metros da BR-153.6 A venda dessas áreas, praticamente, reduz a possibilidade de pensar uma política de recomposição da flora do Cerrado na porção norte do Parque Lozandes, a principal área de acesso para a região leste de Goiânia. Essa área, aliás, faria parte do Parque Cerrado, conformando uma espécie de anel circundando o Paço Municipal. No anexo 5, do Plano Diretor, Lei de 26 de junho de 2007, essa área consta como Unidade de Conservação. A partir da redução da área, parte significativa do Parque do Cerrado corresponderá a divisa sul do Paço Municipal, fazendo fronteira com a Avenida Alfhaville Flamboyant. Mais de um (1) km linear dessa avenida limita-se com o Parque do Cerrado e o Condomínio Alfhaville. É fácil perceber o quanto essa estratégia vai, por um lado, valorizar a área dos condomínios e, por outro, dificultar o acesso dos habitantes da região leste (especialmente a região do Novo Mundo), uma vez que o Parque do Cerrado ficou limitado à porção próxima do acesso da GO-020.

Duas áreas, denominadas APMs 10 e 11 que somam 14.311,95 m2, destinam-se ao Ministério Público do Estado de Goiás. Dada a natureza das atividades, seria oportuno que essas desafetação fossem objeto de Lei Complementar específicas, uma vez que o propósito do uso é de reconhecida utilidade pública.

No PL-50 também consta uma área de 16.503,04 m2, no Residencial Brisas do Cerrado, destinada ao Projeto Macambira Anicuns. O Brisas do Cerrado está localizado na divisa do Parque Atheneu e, portanto, fora da área de influência direta do projeto Macambira-Anicuns. A ausência de estudo que acompanhe o PL-50 nos impede de compreender o que justificou a inclusão dessa área no PL-50. O estranho é que na planta original do parcelamento existem apenas duas APMs, sendo que a primeira, que corresponde a área que será desafetada, é a maior delas. A outra APM, e 9.208,13 m2, é destinada a instalação de equipamentos de saúde. Observando a dinâmica demográfica e o adensamento da região, é fácil perceber a importância da preservação da APM desafetada que hoje abriga um campo de futebol de várzea, utilizado por crianças e adolescente, fato que denuncia a ausência de equipamentos de lazer na região.

Contudo, o maior impacto, resultante da possibilidade de implantação dos Projetos Diferenciados de Urbanização (PDU-I), será na densificação do solo, o que implicará, certamente, na rápida verticalização da região, com impactos para o trânsito, o meio ambiente e a infraestrutura que exigirão investimento em escoamento pluvial, rede de esgoto e abastecimento de água. A verticalização, quando não planejada, cobra o preço alto da cidade.

O segundo grupo, disperso em várias regiões da cidade, revela a falta de visão das centralidades do espaço intraurbano goianiense por parte do governo municipal. As áreas do Setor Universitário, Jardim Goiás e Setor Bueno estão localizadas em regiões com fácil acesso e infraestrutura consolidada, o que significa que são excelentes locais para instalação de equipamentos administrativas e/ou serviços públicos municipais. Ao abrir mão da policentralidade administrativa e induzir a centralidade para a região leste, o primeiro impacto, previsível, será na mobilidade. As áreas públicas municipais localizadas no Jardim Goiás e no Setor Universitário são fundamentais para disposição de serviços públicos.

Haveria melhor lugar, do ponto de vista da acessibilidade e infraestrutura urbana, para abrigar a sede da Guarda Municipal que o Setor Bueno? Haveria melhor lugar, do ponto de vista da acessibilidade de professores e da comunidade escolar que a área localizada nas imediações da Avenida Anhanguera, na altura da Rua 226?

Causa espanto a permuta de uma área de 5.639,25 m2, local de funcionamento da sede da Secretaria Municipal de Educação com a PUC-Goiás. Trata-se da área localizada na Rua 226, próxima da Avenida Anhanguera. Essa região, em função da centralidade promovida pela instalação de equipamentos de ensino superior, é bastante valorizada imobiliariamente, não por acaso assistiu um novo impulso de condomínios verticais com plantas de apartamentos reduzidas, para atender a demanda de locação. A expansão da PUC-Goiás, com a construção de estacionamentos e outras edificações, dá o tom dos problemas de trânsito e dos limites de expansão. A área, que poderia ser verticalizada para atender os propósitos de uma nova sede da Secretaria Municipal de Educação, com equipamentos para uso da comunidade escolar (biblioteca central, salas para reuniões, auditórios, centros de formação etc.) será entregue, a título de permuta, para a PUC-Goiás. Historicamente, em função da facilidade de acesso, essa localização foi fundamental para a reunião de professores em momentos difíceis na luta pela qualidade na educação. A intenção de enviar a sede para a região do Parque Lozandes, além de desperdiçar recursos, vai colaborar com a desmobilização dos professores.

Mais lucrativo, ainda, será a troca de uma Praça Pública na Avenida Fued José Sebba, que, por azar do destino, faz limite com o Campus da PUC-GO, no Jardim Goiás. A universidade deveria mirar seus esforços para verticalizar o estacionamento, com pisos diferenciados, e não assediar o poder público para permutar áreas. São duas as opções para o que hoje é uma praça pública. A primeira é construir um estacionamento, assim as áreas verdes serão impermeabilizadas. A segunda é ampliar a área edificada, o que demandará mais investimentos em mobilidade na região. O mais estranho, contudo, é que o PL-50 nem sequer toca nos termos da permuta. O ônus da urbanização, provocada pelos empreendimentos de grande envergadura, ficou para o governo municipal e para aqueles que transitam naquela região, cujo perfil geográfico do sistema viário canaliza as demandas para o sudeste e parte do leste da Capital, tornando os engarrafamentos constantes.

Outro exemplo pontual que se enquadra no segundo grupo é a área de 4.795,06 m2 localizada entre as ruas T-21 com a T-1, no Setor Bueno. Trata-se de uma área da antiga Escola Leão Di Ramos Caiado e que hoje abriga a Secretaria Municipal de Defesa Social. Poucas áreas, em Goiânia, seriam mais oportunas para edificação de uma moderna instalação da Guarda Civil Metropolitana de Goiânia. Basta observar a espacialização dos bens e instalações públicas no município de Goiania, para constatar que esta área tem como principal vantagem a facilidade de deslocamento, diferente da região do Paço Municipal. Basta citar uma das competências da Guarda Municipal para compreender de que se trata:

IV - monitorar e fazer rondas ostensivas, especialmente nas imediações dos próprios públicos municipais, cemitérios, praças, parques, bosques e jardins, de forma preventiva e comunitária.

Por que imaginar, independente dos motivos, que não é preciso escolas em lugares dotados de infraestrutura e centralidade? Ao que tudo indica a iniciativa privada pensa o contrário, já que as escolas privadas disputam cada m2 daquela região.

Figura 9 - A área situada no Jardim Goiás, objeto de desafetação. Trata-se de uma área com intensa valorização e próxima aos grandes atacadistas e varejistas.

Ainda no Jardim Goiás, consta a desafetação de uma área de 4.539,63 m2 destinada a equipamentos urbanos. O governo municipal acredita que o Jardim Goiás não necessita de equipamentos urbanos ou que já existem equipamentos urbanos suficientes no bairro. A última década demonstrou para que as antigas áreas daquela região estavam reservadas, especialmente após a conclusão do Parque Flamboyant. Os problemas de trânsito, com a inflação de serviços e comércio privado na região, são um indicativo insofismável de que é necessário preservar os estoques de áreas públicas, especialmente para praças, aproveitando dos poucos enclaves nas áreas de intensa verticalização, em um bairro cuja população, em 2010, era de 11.831 habitantes. É só imaginar a mobilidade para consumo e trabalho em um bairro que abriga empreendimentos como, o Shopping Flamboyant, o Walmart, o Carrefour, concessionárias, além dos bares e restaurantes, entre outros, para imaginar as demandas futuras por espaços públicos naquela região.

Um dos exemplos mais sintomáticos da falta de uma visão de futuro e compromisso com uma centralidade para todos e com o meio ambiente são as desafetações no Jardim Humaitá. Em 2010, foram registrados 644 habitantes no bairro. No mesmo ano haviam 19 áreas edificadas e 554 lotes. Em um intervalo de menos de uma década, como pode ser visualizado em visita in loco, o uso do solo no bairro foi totalmente transformado

O primeiro problema, como pode ser visualizado, esta relacionado às características ambientais das áreas desafetadas, na vertente norte do Córrego Caveiras. Essa região recebeu, recentemente, um dos maiores investimentos do setor de varejo, o que provocou, além de graves problemas ambientais, um afogamento de trânsito que não existia naquela região que corresponde, grosso modo, à linha divisória da Avenida Perimetral Norte. Essa região sofreu assédio imobiliário, o que inflacionou os estoques territoriais. As duas áreas, uma com destinação primitiva para Saúde e outra para construção de um Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) foram reservadas tendo em vista o incremento demográfico daquele bairro em particular e o incremento demográfico da região Norte de Goiânia. Não há outro motivo para reservar de áreas e glebas públicas nos parcelamentos privados. Elas não são reserva de valor, mas reserva de espaço para intervenção do poder público e garantia do conforto ambiental. O espaço, na vertente norte do Córrego Caveiras seria ideal, especialmente porque edificações públicas poderiam servir como uma espécie de barreira para a densificação, aumentando, por exemplo, a área de infiltração que se estende para o Rio Meia Ponte, que dista a 1.100 metros das áreas desafetadas.

Figura 10: Planta original do Residencial Humaitá, seguida de duas imagens das áreas desafetadas que indicam a proximidade do Shopping Passeio das Águas. Em seguida, duas imagens sobre a evolução da ocupação no Jardim Humaitá, demonstrando a tendência de incremento de domicílios. A proximidade do fundo de vale do Córrego Caveiras, associada à declividade, torna essa área fundamental para o equilíbrio ambiental da região norte de Goiânia.

A caracterização das 18 áreas, com atenção para um diagnóstico e cenários em escalas temporais diferentes, deveria acompanhar o PL-50, de modo a subsidiar as decisões da Câmara Municipal. Essa caracterização deveria conter informações sobre estoques de áreas públicas nos bairros e regiões, a evolução do quadro demográfico, a oferta de serviços públicos e infraestrutura urbana, impactos no trânsito, além de consulta às comunidades.

Sobre a destinação dos recursos

Uma das exigências para adequação do projeto, em relação a primeira versão, consta abertura de conta e destinação dos recursos. A destinação dos recursos, descrita no PL-50, leva o leitor a imaginar uma correlação direta entre o recurso advindo da desafetação e o investimento em infraestrutura. O parágrafo 3, do Artigo 2, do PL-50, coloca:

A primeira versão do processo de desafetação de áreas públicas, como consta no Projeto de Lei número 224, de 2013, foi objeto de denúncia do Ministério Público do Estado de Goiás, que interpretou a ação como dolosa ao patrimônio público. As finalidades vinculadas descritas no 2º, deste artigo, destinam-se às seguintes obras de infraestrutura urbana e equipamentos públicos, entre outras:

I - construção ou aquisição de hospital;

II - construção do Parque Cerrado (Park Lozandes);

III - construção da sede da Secretaria Municipal de Educação (Park Lozandes)

IV - construção das sedes da Secretaria Municipal de Defesa Social e da Guarda Civil Metropolitana de Goiânia

V - construção de Viaduto na BR-153 (Setor Jardim Novo Mundo);

VI - construção de Viaduto na Avenida 136 com a Marginal Botafoto;

VII - duplicação da Avenida Engler.

Fonte: Diário da Manhã