Cuba "fora da lista" dos patrocinadores do terror

Data: 23/04/2015

Veículo: Diário da Manhã

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O professor-doutor em História da Universidade de São Paulo (USP) Lincoln Secco diz, com exclusividade ao Diário da Manhã, que a exclusão de Cuba da relação elaborada pelos Estados Unidos dos supostos países patrocinadores do terrorismo mundial significa que Barack Obama reorientou a sua política externa e interna. Preto no branco: e preferiu atender muito mais aos interesses comerciais do seu país do que a uma ideologia que só sobrevive na primeira geração de cubanos expatriados.

O historiador lembra que Cuba, ilha de 11, 2 mi de habitantes, havia sido incluída na lista em 1982, à época da inclinação neoliberal das políticas europeia e estadunidense. O anticomunismo foi revivido como se tratasse de uma nova Guerra Fria, analisa. Ironicamente, quando o socialismo real já estava em crise, aponta. Sucessivos governos dos EUA se alimentaram de falsos inimigos para  consumo interno, dispara. No caso de Cuba, isso se dava devido ao peso eleitoral da máfia cubana de Miami, frisa

– Hoje, a situação é distinta.

O doutor em História da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Aarão Reis Filho é taxativo: “Era uma definição anacrônica, estava madura para cair e caiu”, observa. É mais um passo no restabelecimento das relações entre a Ilha dos irmãos Castro e os EUA, explica. Apesar disso, dependerá, no entanto, para a sua concretização efetiva, da anuência de um Senado da República onde os conservadores têm muita força, pondera o escritor de Imagens da Revolução e de Tradições e Modernidades.

Ditadura

O professor sublinha, porém, que a questão central, no entanto, que mereceria mais comentários e análises, é a democratização da sociedade e do Estado cubanos. Aí não depende dos EUA, ainda bem, mas da mobilização da sociedade cubana, registra. “Assim como o embargo, a ditadura política em Cuba já perdeu, há muito, sua razão de ser, tornou-se anacrônica. Deixou de ser uma ditadura revolucionária para se tornar uma ditadura familiar, conservadora. Passou da hora de sair de cena”, ataca.

O sociólogo Silvio Costa, doutor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), afirma ao Diário da Manhã que a medida de eliminação de Cuba da lista negra dos EUA é importante e decisivo para avançar no processo de aproximação, reatamento das relações diplomáticas e para criar condições para o fim do bloqueio econômico. A Revolução Cubana ocorreu em 1º de janeiro de 1950, liderada por Fidel Castro, Che Guevara, Camilo Cinfuegos e Raúl Castro e depôs o sargento mulato Fulgencio Batista

 53 anos

– O embargo econômico – de 1962, portanto com 53 anos – sim, tem sido devastador!

Segundo o cientista político de linhagem marxista, um dos únicos no Estado de Goiás, hoje, o embargo econômico impede o estabelecimento de relações econômicas com os EUA. Mais: restringe e dificulta as relações comerciais e diplomáticas de Cuba com os outros países da Europa, Américas e Ásia, fuzila ele. “Assim como também limita e encarece, de forma significativa, as importações necessárias à vida e ao bem-estar do povo cubano”.

– Tragicamente, atitude terrorista foi e tem sido a política norte-americana em relação a Cuba.

A famosa “Invasão na Baía dos Porcos” foi o ponto de partida da prepotência de sucessivos governos norte-americanos em relação a esse país caribenho, destaca o escritor especialista na Comuna de Paris, França. Fracassada essa tentativa de invasão, são perpetrados sucessivos atos de sabotagem, financiados por governos norte-americanos e por anticastristas, tais como pulverização de áreas agrícolas e florestas com desfolhantes, vírus e bactérias com o objetivo provocar e disseminar doenças em animais, denuncia.

– Uma dessas praticamente disseminou o rebanho suíno, além de atos de sabotagem e terrorismo através de explosões em locais de concentração populacional e turística.

O docente da PUC-GO recorda-se que, em um primeiro momento, a determinação e resistência de Cuba contou com o apoio inestimável da ex-URSS e, após sua desestruturação, ocorrida em 1991, vieram tempos difíceis, de grandes dificuldades, mas Cuba resistiu. “É importante salientar que essas atitudes impuseram ao país a necessidade de investimentos e gastos significativos com defesa e inteligência, dificultando investimentos em outras áreas em benefício mais direto para a população”, avalia.

– Mas a atitude de seguidos governos dos EUA para com Cuba, de tentar estrangular sua economia, não surtiu os efeitos desejados.

Política externa

Para Silvio Costa, isso, em parte, se deve à hábil e ampla política externa de Cuba de não deixar-se isolar (totalmente) e pela política de solidariedade desenvolvida pela Ilha dos irmãos Castro, que aliada à décadas de resistência, conseguiu, inclusive, impor aos EUA significativo isolamento na América Latina e, ao mesmo tempo, está rompendo o bloqueio, principalmente em relação a empresas europeias e brasileiras.

– Também pela resistência e determinação do povo cubano em não admitir o retrocesso nos espaços conquistados e o retorno à condição de “colônia” norte-americana.

“Em palavras claras: de ser uma republiqueta de bananas, um ‘puteiro’, uma mera colônia de férias para norte-americanos, com preços extremamente acessíveis e evidentemente, ponto de ‘lavagem de dinheiro’ e distribuição de drogas provenientes de outras regiões das Américas”, frisa. Silvio Costa relata, no entanto, que, nessa situação, não se deve deixar de lado a “boa vontade” de Barack Obama, atual presidente dos EUA.

– Que estaria motivado fundamentalmente pela necessidade de amenizar o atual isolamento e para tentar “aparar arestas” com Estados latino-americanos, permitindo-lhe fazer frente à China e Rússia.

Mas, no momento em que as relações EUA-Cuba são distensionadas, as relações com Venezuela se agravam, desabafa o intelectual comunista. Se avolumam ainda denúncias sobre as tentativas norte-americanas de desestabilizar governos latino-americanos resistentes a seu domínio, reclama. Vide os documentos tornados públicos pelo WikiLeaks e por Edward Snowden, registra. Parafraseando o título de um filme norte-americano, podemos afirmar: “assim caminha a humanidade”, brinca

– Com seus conflitos, suas contradições, disputas de interesses econômicos e políticos. Mas, não podemos deixar de reconhecer que o distensionamento nas relações entre EUA-Cuba criarão condições para Cuba superar desafios e promover o bem-estar.

Mercado

O professor-doutor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e membro da seção brasileira da Quarta Internacional (4ª), central mundial da revolução socialista fundada por Leon Trotski em 1938, Humberto Clímaco, questiona: como é possível que Cuba deixe de figurar entre as nações terroristas no mesmo momento em que a Venezuela, presidida por Nicolás Maduro, é caracterizada como nação inimiga? O trotskista crê que em outro contexto esta mudança poderia significar algo diferente, mas no atual representa uma tentativa de destruir as conquistas da Revolução Cubana.

– Por meio da “abertura” do mercado.

 

DICAS DE LEITURA

 – Pequenas Histórias – Cuba, hoje – Uma revolução envelhecida ou a reinvenção do socialismo (2015)