Papa promove uma “virada à esquerda”

Data: 07 de junho de 2015

Fonte: Diário da Manhã

Link da matéria: http://www.dm.com.br/cidades/2015/06/papa-promove-uma-virada-a-esquerda.html

 

Renato Dias, Da editoria de Política&Justiça

Jorge Bergoglio, papa Francisco: mudança de orientação no Vaticano

 

  • Francisco reconhece o Estado Palestino e “abençoa” Cuba

  • Jorge Bergoglio

  • torna-se menos intolerante com “LGBTs”

  • Jesuíta condena neoliberalismo e quer nova ordem social

  • Argentino para caça às bruxas contra Teologia da Libertação

Apesar dos rumores de sua suposta ligação com a ditadura civil e militar de março de 1976 na Argentina, contestada por Ernesto Sábato, ele condena o neoliberalismo e propõe uma nova ordem social mundial. Mais: reconhece o Estado Palestino. Não custa lembrar: exerceu papel de protagonista no restabelecimento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba. Além de ter seduzido o velho comunista da revolução de 1º de janeiro 1959 Raúl Castro. É Jorge Bergoglio, papa Francisco, que destituiu o alto clero corrupto do Banco Vaticano e investiga casos de pedofilia.

Lincoln Secco, doutor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o jesuíta argentino constituiu-se em uma verdadeira surpresa. “Anunciado com suspeitas de colaboração ou ao menos de silenciamento diante da ditadura civil e militar argentina, ele, por um lado, mantêm uma linha de continuidade com o final do papado de João Paulo II, onde havia uma crítica ao capitalismo ‘hedonista'”, observa. Uma crítica conservadora, mas tinha, pontua. O seu papado não apoiou as aventuras dos EUA no Oriente Médio, frisa. “Bento XVI manteve esta linha”.

– A novidade, hoje, é a reabertura à teologia da libertação e para possíveis mudanças doutrinárias.

Professor-doutor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Estado de São Paulo (PUC-SP), João Machado, classifica o papa Francisco como um dos políticos mais hábeis da cena atual – senão o mais hábil. Ele assumiu com o objetivo de reverter o desgaste da Igreja Católica, e acho que, em boa parte, está conseguindo, sublinha o economista. As ações citadas em relação a Cuba, no Caribe, e ao Estado Palestino, Oriente Médio, estão entre as mais positivas que tomou, dispara. É ótimo que Jorge Bergoglio critique o neoliberalismo, fuzila, animado.

 

Tradições

 

Um dos porta-vozes da Insurgência, seção brasileira da IV Internacional, João Machado analisa ainda que, em questões em que o apego da Igreja Católica a tradições opressivas é maior – como nas chamadas “questões comportamentais” –, o papa tem feito muito menos do que deu a entender que faria. “Anunciou uma atitude menos intolerante com os LGBTs, mas não aceitou o embaixador junto ao Vaticano nomeado pela França, por ser gay”, destaca. De qualquer maneira, não há dúvida de que ele representa uma lufada de ar fresco em relação ao anterior, frisa.

O escritor e historiador Daniel Aarão Reis Filho, doutor da Universidade Federal Fluminense (UFF), recorda-se que quando foi eleito, o papa Francisco enfrentou muita desconfiança e críticas de setores de esquerda na Argentina e na América Latina. Entretanto, o pontificado de Francisco está superando as melhores expectativas, acredita o autor de Luís Carlos Prestes – Um revolucionário entre dois mundos (2014), Companhia das Letras. “Que assim prossiga, com a bênção de Deus”, atira ele.

Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG), o professor da rede pública de ensino Paulo Winícius Maskote é taxativo. Ao emitir tais declarações, papa Francisco reconhece, implicitamente, que o capitalismo é o grande mal que assola a humanidade, conta. Para ele, a autodeterminação dos povos em luta, de Cuba à Palestina, é um direito inquestionável, fuzila. Irônico, ele brinca que não dá pra falar que o papa é comunista. “Mas dá para reconhecer traços de um discurso igualitarista e distributivista bem mais avançado do que em seus antecessores”.

 

Teologia da Libertação

 

O professor aposentado de História da rede particular de ensino em Goiás Reinaldo Pantaleão admite que Jorge Bergoglio  tem tido realmente posturas mais abertas “diante da realidade que o mundo oferece”. O velho marxista explica ao Diário da Manhã que papa Francisco sabe que a Igreja tem que abrir espaços aos novos movimentos. O poeta lembra que ele abriu o Vaticano aos formuladores da Teologia da Libertação, que teriam sido perseguidos sob João Paulo II e também por Bento 16. “Espero que o papa não retroceda. Como um ateu generoso, viva o papa!”

O doutor em Sociologia e professor da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Goiás [PUC-GO], Silvio Costa, diz ao Diário da Manhã que as novas posições, hoje, do Vaticano, con tribuem sobremaneira para reposicionar a Igreja Católica Romana no contexto internacional do século 21. Assim como para recuperar espaços perdidos para outras “igrejas”, para o ceticismo e o ateísmo, além de (re)aproximá-la das camadas mais pobres da população, registra.

“Observando os comportamentos de grupos ‘religiosos’, guardando as devidas proporções, constatamos que essas versões religiosas fundamentalistas têm sido utilizadas para justificarem posições político-partidárias agressivas e como instrumentos de mobilização para não permitir o ecumenismo e a tolerância”, avalia. O maior exemplo atual é fornecido pelo Estado Islâmico, mas não é só ele, afirma Silvio Costa. As outras vertentes, mesmo que não estejam em evidência através dos meios de comunicação, não significa que ‘depuseram suas armas’.

– Elas continuam atuando…

 

 

Neoliberalismo

 

A crítica contundente e sistemática ao neoliberalismo feita pelo papa Francisco, celebrando o compromisso da Igreja Católica com os pobres, é estratégico na disputa de ideias e para fortalecer os projetos de uma sociedade fraterna, mais justa e igualitária, crê. É um auxílio importante no combate – de ideias – para superar o neoliberalismo e as tentativas de imposição do “pensamento único”, metralha. “O que contribui para que os cristãos, sobretudo católicos, superem os fundamentalismos e somem forças com as mudanças e transformações que a realidade exige”.

 

 

PERFIL

 

Nome: Jorge Mario Bergoglio

Nascimento: 17 de dezembro de 1936

Onde: Argentina

História: é o 266º papa da Igreja Católica

Linhagem: É jesuíta

Curiosidade: É torcedor do San Lorenzo

 

Palestina

O docente da PUC-GO acredita que o papa Francisco, ao reconhecer o Estado Palestino – apesar de não ser o primeiro a adotar essa posição –, que se encontra em uma região conflituosa e explosiva, pode desempenhar um papel importante e contribuir para “desarmar espíritos”. Mais do que isso: para limitar e colocar um anteparo à expansão dos radicais. “Essa atitude, do ponto de vista cristão, contribui para o ecumenismo na região e é um contraponto importante para desarmar ainda o espírito bélico do fundamentalismo judaico, da direita israelense”, frisa

– É um avanço em relação a posições anteriores da Igreja Católica Apostólica Romana.

O caso de Cuba é, aparentemente, emblemático, diz Silvio Costa, um intelectual de linhagem marxista e leninista. “Inclusi-ve, recentemente, logo após o encontro do papa Francisco com o líder cubano, Raúl Castro, remanescente da revolução liderada por Fidel Castro, Che Guevara e Camilo Cinfuegos, ao que tudo indica, em uma reação de “boa vontade” e diplomática, afirmou que iria pensar sobre a possiblidade de voltar a ir às missas. Para os católicos (romanos), esse gesto é importante… e evidentemente, para Cuba”.

– Além disso, existem aspectos geopolíticos, econômicos e sem dúvida, religiosos.