Epidemia piora com falta de agentes

Data: 15 de junho de 2015

Veículo: O Popular

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Número de profissionais na capital caiu e é 40% inferior ao mínimo recomendado pelo Ministério da Saúde

 

Andréia Bahia

 

Uma série de fatores explica a grave epidemia de dengue que atinge Goiânia e que coloca Goiás em primeiro lugar na incidência da doença no País, de acordo com o último boletim da Secretaria Estadual de Saúde e com o balanço do Ministério da Saúde. Dentre eles, está o fato de Goiânia ter 40% menos agentes de combate aos focos de dengue do que o Ministério da Saúde (MS) considera necessário. De 2010 pra cá, a Prefeitura reduziu o número de agentes de endemias em 19%.

Os casos explodiram este ano na capital e já estão bem próximos da totalidade registrada em 2013, ano da pior epidemia ocorrida na capital até agora. Para os especialistas, o agravamento do problema se deve ao reduzido número de agentes de endemias, à natureza excepcional do mosquito transmissor, à mutação do vírus, ao prolongamento do período chuvoso, à baixa adesão da população ao combate ao Aedes aegypti e à ineficácia das campanhas educativas (leia mais no quadro).

Na opinião do médico infectologista Boaventura Braz de Queiroz, o aumento do número de casos tem uma relação direta com o déficit de agentes de combate aos focos do mosquito nas casas. Para o médico, ex-diretor do Hospital de Doenças Tropicais (HDT), referência na área, a atual epidemia reflete o descaso dos governos com a prevenção. “Como 2014 era um ano de eleição, os governantes estavam com a atenção mais voltada para a saúde como política do que com a política para a saúde”.

 

Número ideal

Do total de agentes registrados no Departamento de Recursos Humanos da Prefeitura de Goiânia, 568, cerca de 50 estão afastados, afirma o diretor de Vigilância e Controle de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Edson Almeida Gomes. Os que efetivamente visitam as casas em busca de criadouros somam 379. De acordo com o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) do MS, o município deveria dispor de no mínimo um agente para cada grupo de mil casas. O ideal seria um para cada 800 residências - ou 794, no caso dos que fazem as visitas às casas.

Para atingir o mínimo de visitas que o MS aponta como indispensável, a Prefeitura recorreu aos agentes de saúde da família, relata a diretora de Vigilância em Saúde da SMS, Flúvia Amorim. Assim, o município chegou a “80% das seis visitas por ano”. Do total de 635 mil residências goianienses, os agentes visitaram 566,5 mil nos últimos dois ciclos de dois meses.

Na opinião de Edson Gomes, o problema do combate à dengue em Goiânia está na falta de pessoal: “A cidade cresceu nesses cinco anos e a equipe que controlava o mosquito da dengue diminuiu”.

Para a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz Denise Valle, a adesão da população é mais importante até que a ação dos agentes de endemia. Segundo ela, no auge da época de reprodução doAedes, nos meses quentes e chuvosos, o ovo atinge a fase adulta em 7 a 10 dias. “Uma visita a cada dois meses não é capaz de bloquear a proliferação.”

Gomes ressalta que toda vez que o agente retorna a uma residência ele encontra a mesma situação de dois meses atrás. “O morador não acompanha o agente para aprender a eliminar os criadouros.” Ainda de acordo com Denise, uma campanha educacional maciça antes do início da chuva tem o efeito de reduzir a infestação em até 30%. “Afinal, 80% dos focos estão dentro das casas.”

 

Vírus mutante, mosquito “brilhante”

(AB)

O número de casos de dengue em Goiás é quatro vezes maior do que a Organização Mundial de Saúde considera epidemia. Para o professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Goiás (UFG) João Bosco Siqueira Junior, o constante aumento nos números da doença ocorre devido ao “brilhantismo” do mosquito Aedes aegypti. O inseto consegue se reproduzir até numa tampinha de garrafa. A fêmea põe os ovos na parede do pequeno recipiente e eles permanecem vivos por até 1 ano e meio, aguardando um mínimo de água para eclodir.

Para combater essa vantagem biológica do inseto, não há nenhuma tecnologia, afirma o professor. Os inseticidas que vêm sendo usados hoje são os mesmo de dez anos atrás e já não fazem o mesmo efeito. E o mosquito, que já era bom em sobrevivência, ficou melhor, se tornou resistente aos venenos que o combatem.

Não foi só o mosquito que evoluiu na ultima década. O vírus que provoca a dengue também se modificou, ou melhor, se multiplicou. Já existem quatro tipos; três circulam em Goiás, o D1, D2 e D4. Quando a população se torna imune de um tipo, outro passa a prevalecer no local.

Os vírus D1 e D4 circulam em Goiânia desde 2010, quando houve a primeira epidemia, e também foram responsáveis pelo segundo grande surto da doença, em 2013. Era de se esperar que a população já estivesse imune a esses sorotipos. Mas segundo a diretora de Vigilância em Saúde de Goiânia, Flúvia Amorim, a atual epidemia de dengue está ocorrendo porque havia ainda uma grande quantidade de pessoas susceptíveis aos dois vírus da dengue que circulam na capital, principalmente ao D4.

 

Perspectiva de redução

Murilo do Carmo Silva, o coordenador de Controle a Dengue do Estado, também aponta como fator da alta incidência de dengue em Goiás a presença de vários tipos de vírus no Estado. “Dos quatro existentes, três circulam no Estado.” Segundo ele, o D3 também fez vitimas este ano. Silva acredita que esse índice de infecção do vírus deve reduzir bastante nos próximos anos, uma vez que grande parte da população que foi contaminada em 2013, 2014 e 2015 vai ficar imune aos vírus que predominam no Estado, 1 e 4.

A chuva que se prolongou até 15 de maio este ano também é apontada como responsável pela epidemia por todos os especialistas ouvidos pela reportagem. Todavia, Estados com as condições parecidas de temperatura e índice de chuvas apresentam incidência de dengue bastante inferior a Goiás: Mato Grosso, 287 casos para cada 100 mil habitantes; Mato Grosso do Sul, 603 casos. Enquanto isso, Goiás tem uma incidência de 1.365.