Cinema que se discute

13 de setembro de 2015

Fonte: O Hoje

Link da matéria: http://ohoje.com/jornal/ler/noticia/24043/titulo/cinema-que-se-discute

 

Os debates sobre cinema conseguiram grande força com os cineclubes; hoje, público interessado no assunto é raro em Goiânia

 

 

Cinema como entretenimento X cinema como arte. Desde a famosa exibição dos irmãos Lumière com seu cinematógrafo, ainda em 1895, que ficou marcada como a primeira projeção pública – e os tornando conhecidos, desde então, como os “pais do cinema” – é que estas comparações são feitas. O cinema como indústria é parte da lógica econômica capitalista desde que seu potencial para que se tornasse uma das principais formas de lazer da população foi evidenciado. E o inevitável era que diversos nichos de públicos surgissem, com produções voltadas para cada um deles.

E quando as pessoas passam a discutir sobre cinema? Existe uma divisão entre os frequentadores de salas multiplex – que correm para se atualizar dos últimos sucessos hollywoodianos – e os que sofrem para encontrar em suas cidades alguma salinha de cinema de rua remanescente dos anos 70, torcendo para que dê para assistir a uma cópia raríssima restaurada de uma produção antiga e pouco conhecida. Aqueles que aguardam ansiosamente o Oscar e os que acompanham as premiações de Cannes.

Os amantes dos filmes de “arte” passaram a sentir a necessidade de se discutir o cinema, de criar debates a fim de se criar uma formação crítica no assunto. Este anseio e inquietação deram origem aos cineclubes – o primeiro datado de 1925, na França. A Tribuna Livre do Cinema inaugurou a tradição de exibições semanais seguidas de debate. No Brasil, há registros de que o Chaplin Club tenha sido o pioneiro, com atividades frequentes a partir de 1928.

Desde o início, o objetivo dos cineclubes era criar um espaço democrático, que permitisse um novo tipo de interação entre a obra e seu público. O cinema dito “comercial” não era capaz de responder às perguntas e criar as reflexões exigidas pelo público dos anos 20 – para isso um novo espaço com uma organização diferente do que os grandes cinemas ofereciam era necessário.

Debates goianienses

O Cineclube Antônio das Mortes é um dos mais lembrados na história de Goiás, não só por ter sido o pioneiro; todos os seus integrantes, de alguma forma, têm uma ligação até hoje com o cinema. As atividades foram iniciadas em 1977 por estudantes da Universidade Federal de Goiás (UFG), “a maioria era frequentadora do Cine Rio, em Campinas”, conta Ronaldo Araujo, membro-fundador do cineclube e criador da Ideia Produções, uma das referências no mercado goiano de produção audiovisual. O grupo era formado também por membros do movimento estudantil, fundamentais para que o espaço do DCE conseguisse ser utilizado para as reuniões.

Os membros de cineclubes defendiam o cinema como uma ferramenta de reflexão, tanto cultural e social, quanto política. Eram exibidas produções nacionais e internacionais, mas as produções regionais talvez tenham influenciado mais a produção realizada por seus próprios membros. Antonio das Mortes é o nome do personagem interpretado por Mauricio do Valle no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de 1964, do diretor baiano Glauber Rocha. Antonio se autodenomina um “matador de cangaceiros”. Para Ronaldo, o nome traduzia a associação entre cinema e política que os membros cinéfilos e militantes buscavam.

Alguns anos mais tarde, em 1984, surgia o Cineclube João Bennio. A característica mais marcante deste foi o engajamento em divulgar as produções de Goiás, principalmente as de João Bennio, referência do cinema regional. O grupo era liderado por Beto Leão, um dos fundadores da Associação Brasileira de Documentaristas, Seção de Goiás (ABD-GO), falecido em 2009.

O enfraquecimento das locadoras de vídeos, as pressões da indústria cinematográfica e a dificuldade de distribuição das produções são alguns dos fatores que explicam o enfraquecimento do movimento cineclubista. A proposta demonstra um grande ato de resistência. Os remanescentes do Antônio das Mortes, por exemplo, no ano de 2003 criaram a mostra O Amor, a Morte e as Paixões, com a proposta de unir o cinema de entretenimento com a reflexão do cinema como arte. Foi realizada até 2005 e teve as atividades retomadas em 2012, sempre no cinema Lumière.

Adriane Lopes não contém a euforia de contar sobre sua época de estudante nos anos 80, quando ainda morava no Setor Sul. “Minha irmã já estava na universidade e ouviu falar de umas reuniões que aconteciam ali na Cara Vídeo, uma galera que discutia cinema. Eu era daquelas pessoas que faziam mil coisas ao mesmo tempo, queria saber de tudo”, revela. “A gente gostava de assistir a vários filmes, me interessava mais pelos nacionais. Era um momento de confraternização, já que estava todo mundo ali para se discutir uma coisa que todo mundo gostava”. As reuniões na Cara Vídeo foram retomadas há alguns anos com o Cineclube Cascavel, mas ele está com as atividades paradas atualmente.

A proposta de exibição de produções não-comerciais ainda é feita pelo Cine Cultura, no Centro Cultural Marieta Telles, na Praça Cívica. Vez ou outra há debatedores abertos à discussão com os espectadores após as sessões. Este é o caso, também, do Cine UFG – o público disposto a participar dos debates, no entanto, é pouco. As mostras em cinemas frequentados pelo grande público são uma forma de ainda manter viva esta tradição dos cineclubes; mesmo que o espectador não perceba, tais discussões podem contribuir para o desenvolvimento de um novo olhar sobre os conteúdos lidos e assistidos.