Cidades diminuem velocidade por mais vidas

Data: 28 de setembro de 2015

Veículo: O Hoje

Link direto para a notícia: http://ohoje.com/jornal/ler/noticia/24667/titulo/cidades-diminuem-velocidade-por-mais-vidas

 

Deivid Souza

A“Onde está o papai?”. Esta é a pergunta que a jornalista, Fernanda Pascoal Romanazzi, de 32 anos, ouve rotineiramente da filha de quatro anos. O pai da garota faleceu em um acidente de trânsito em 2014. “A falta que ele faz não dá nem para explicar, ela não tem trauma, mas é difícil demais”, relata.

O esposo de Fernanda, Wellington Daniel Romanazzi, de 32 anos, era empresário e ia de motocicleta à Brasília em um fim de semana, como de costume. Após Alexânia- a 114 quilômetros de Goiânia, na Região Leste do Estado - perdeu o equilíbrio em uma curva. “Ele estava a 299 km/h hora, deu uma reduzida e um amigo passou por ele, então ele saiu resvalando. A moto ficou e lançou ele na pista contrária”, conta Fernanda. Ela explica que ele fraturou a bacia e teve outros ferimentos de menor gravidade, mas faleceu após sair do coma e enfrentar 44 dias de internação, em hospitais de Brasília e Goiânia, vítima de uma infecção generalizada.

Histórias como essa se repetem diariamente, tanto nas rodovias como nas vias urbanas. Os dados mais atualizados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) de Goiás, são do período entre janeiro e agosto de 2013. Eles revelam o excesso de velocidade como uma das três maiores causas de acidentes, 13,9% do total, o que equivale a 5.186 casos. Na capital, a participação é menor: 8,6%.

O engrosso do excesso da velocidade no Estado contribuiu para que, 2.062 vidas fossem perdidas em 2012 conforme o Mapa da Violência 2014 Os jovens do Brasil. Segundo o levantamento, Goiás tem a quarta maior taxa de homicídios no trânsito por 100 mil habitantes do País: 33,5. Na capital a taxa chega a 44,8.

Redução

Para minimizar o número de vítimas do excesso de velocidade, várias localidades no mundo optaram por diminuir o limite em diversas vias. Entre elas, Nova York, Londres e Paris. No Brasil, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba estão entre elas.

Na capital paulista, a redução na velocidade máxima permitida em duas marginais teve resultados positivos. Um relatório da companhia que administra a engenharia de tráfego em São Paulo mostra que, além da queda de 50% dos óbitos, os acidentes com vítimas (mortos e feridos) nas duas marginais tiveram, em um ano, redução de 27%, e os acidentes sem vítimas caíram 15%.

O coordenador do curso de Física da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Anderson Costa da Silva, explica que, em uma colisão frontal, uma redução de 60 km/h para 50 km/h diminui pela metade a força que é exercida sobre os ocupantes do veículo. “Se reduz a velocidade, aumenta o espaço para resposta e ele vai ter o equipamento de freio funcionando mais tempo”, explica.

Pedestres

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que a chance de lesão fatal em um atropelamento a 40 km/h é de 35% e a 60 km/h sobe para 98%. Embora às vezes pequena, a redução da velocidade é importante porque a desaceleração é maior nos metros finais da frenagem. No espaço em que um carro a 40 km/h consegue parar, outro a 50 km/h ainda estará a 41 km/h ­

 

SMT não estuda mudança para Goiânia

O secretário municipal de Trânsito, Andrey Azeredo, disse a O HOJE que não há nenhum estudo em andamento para rever velocidade das vias de Goiânia, no entanto, ele adianta que apenas a Marginal Botafogo pode ter mudanças. Mas isso só pode se confirmar após a licitação que contratará uma nova empresa para instalar equipamentos de fiscalização. Azeredo defende melhoria na formação dos novos condutores. Para ele, embora necessária, a fiscalização deve ser o último recurso. “Se não enfrentarmos isso, vamos fazer da cidade um grande Big Brother, como se isso fosse a solução”.

O presidente do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) Goiás, João Furtado Neto, acrescenta que além de melhorar o treinamento de novos condutores é preciso reciclar os que estão em atividade. Furtado está convencido da necessidade de estudos para redução de limites tanto nas vias urbanas quanto nas rodovias estaduais. “Deve haver um planejamento para garantir a fluidez. Se somente reduzir a velocidade, nós vamos piorar a vida do usuário e ele vai ficar mais irritado”, adverte.

Ganho

A arquiteta e urbanista, doutora em transporte e professora da Faculdade de Artes da Universidade Federal de Goiás (UFG), Erika Kneib, considera que com um “projeto bem concebido”, ainda que as velocidades máximas sejam reduzidas, a população pode ter um ganho na velocidade média, além de fomentar o uso da bicicleta. “Quanto menor a velocidade, menor a gravidade do acidente. Já está comprovado que aumento da velocidade não garante o aumento da fluidez no trânsito”, frisa. (Deivid Souza)  

 

Apesar do risco acelerar se torna vício

Mesmo após algumas quedas graves, o empresário, Ubiracimar dos Santos, de 27 anos, diz não conseguir parar de acelerar sua moto de mil cilindradas, às vezes a quase 300 km/h. Ele conta que faz viagens aos finais de semana para o interior e esta é uma paixão que tem desde criança. “Medo a gente tem. Eu já me acidentei, quebrei clavícula, braço, perna. A gente cai, quebra machuca e volta a andar de novo”, relata.

Pessoas como Ubiracimar experimentam uma forte “sensação de bem estar” nestas situações. Isso acontece porque o cérebro libera adrenalina e endorfina, entre outras substâncias., que diminui a dor e o medo explica a neurologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), Helena Rezende Silva Mendonça.

Ela alerta que acidentes podem fazer o cérebro se chocar contra o crânio. “O cérebro fica flutuando em um líquido. Uma batida a 120 km/h, 140 km/h provoca uma forte desaceleração. Sem que a pessoa bata a cabeça, ela pode ter lesão no cérebro”,diz.

Líderes

Segundo a Secretaria Municipal de Trânsito (SMT), a capital tem 202 equipamentos fixos de monitoramento de velocidade, sendo 51 nos corredores das Avenidas: Universitária; 85 e T63. No entanto, nem mesmo nestes locais, os motoristas respeitam o limite de velocidade. Um levantamento da secretaria, feito a pedido do O HOJE, listou os dez pontos com maior quantidade de infrações. (veja na tabela).

Por questões técnicas, a companhia não forneceu os dados dos radares estáticos, mas o secretário Andrey Azeredo afirmou que a via com mais abusos de velocidade é a Marginal Botafogo, onde em um período os fiscais costumam flagrar mil excessos. (DS)