Um ano de grandes desafios

Data: 01 de janeiro de 2016

Fonte/Veículo: O Popular

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O otimismo dos votos de feliz ano-novo não contaminaram as projeções que especialistas fazem para 2016 em áreas diversas. Até a meteorologia prevê mais raios e trovoadas para o ano que se inicia. O POPULAR ouviu representantes de vários segmentos e, se a previsão que eles fazem para 2016 não traz nenhum conforto, as opiniões dos especialistas podem servir para balizar medidas a serem tomadas para que o ano surpreenda e seja melhor que o esperado.

01/01/2016 06:00 Wildes Barbosa

Andréia Bahia


CLIMA

Raios e trovoadas

Até junho, Goiânia – assim como todo o País - vai estar sobre a influência do fenômeno El Niño, “o que significa que teremos um verão com pancadas de chuvas mais frequentes e com mais raios e trovoadas”, afirma Elizabete Ferreira, chefe do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em Goiás. As descargas elétricas devem aumentar em 10%. O fenômeno vai também elevar as temperaturas mínima e máxima na capital em até dois graus em relação a 2015, o que significa que nem mesmo as noites e madrugadas de 2016 serão mais frescas. Até o inverno de 2016 deve ser mais quente que o normal, afirma a meteorologista, em razão do intenso calor que não se dissipa durante o dia.

A chuva e a umidade podem permanecer dentro da média neste verão, segundo Elizabete, mas também há a possibilidade de a umidade cair rapidamente, chegando a 30%, caso haja um espaço de quatro dias sem chuva, o que não é um fenômeno normal. “Isso pode ocorrer em razão da alta temperatura”, explica Elizabete. As chuvas também não serão regulares. Pode chover torrencialmente no Centro e não pingar uma única gota em Campinas. “Se não houver nenhum outro fenômeno meteorológico, o clima deve voltar à normalidade depois de junho”, prevê a chefe do Inmet.

TRÂNSITO

Só corredores não resolverão problema

“Não dá para esperar melhorias no trânsito e no transporte em 2016”, segundo o arquiteto e urbanista Luiz Fernando Cruvinel Teixeira, a despeito da criação dos corredores de ônibus, das ciclovias e das mudanças feitas no trânsito da capital em 2015. “Não adianta fazer só o corredor; é preciso garantir que as pessoas cheguem aos ônibus; os passeios, por exemplos, não garantem a mobilidade”, afirma. A engenharia de tráfego, por sua vez, apenas ameniza o problema, não resolve: “A rua não aumenta enquanto o número de carros só cresce”. Os viadutos, na opinião de Teixeira, apenas jogam o congestionamento para um ponto mais adiante. Quanto às ciclovias, o urbanista observa que até agora a proposta é voltada para passeios ciclísticos, não para o transporte e a mobilidade urbana.

Na opinião do urbanista, só se resolve problema de trânsito investindo em transporte público. “Não se consegue acabar com os carros, mas é possível reduzir o numero de veículos circulando oferecendo transporte público de qualidade.” O urbanista não consegue ver um cenário positivo para 2016 e alerta que o problema do trânsito só deve ser resolvido quando a cidade chegar ao caos.

A arquiteta e urbanista Erika Cristine Kneib prevê dois cenários para 2016. No primeiro não há nada a fazer devido a vários fatores que ela enumera: ausência de prioridade para o pedestre e para o ciclista e de valorização do transporte coletivo; paralisação das obras dos corredores preferenciais e do BRT; investimentos em viadutos; corte de rotatórias. “Medidas que só servem para melhorar momentaneamente a fluidez do automóvel nas vias, mas que rapidamente voltam a congestionar.” Nesse cenário, ela acredita que o desrespeito às leis de trânsito e a ausência de fiscalização levarão a uma situação cada vez mais insustentável, com poluição, congestionamentos e acidentes.

No segundo cenário, ela prevê alterações basilares e emergenciais, respeitando os princípios básicos do Plano Diretor e da Lei de Mobilidade: conclusão dos corredores preferenciais de transporte coletivo, com melhoria da velocidade operacional dos ônibus; melhoria da qualidade do transporte coletivo; fiscalização rígida de trânsito, que favoreça a segurança de ciclistas e pedestres e diminua acidentes; melhoria das calçadas, dos pontos de parada e da sinalização para pedestres. “Tais elementos, possíveis de serem efetivados em 2016, seriam capazes de melhorar a mobilidade em Goiânia.”

Na opinião de Erika, o maior problema do trânsito é a falta de atitude para enfrentar o uso indiscriminado do transporte individual, incluindo os carros e as motos. “E o pior é que não existe perspectiva de melhora neste sentido.” Segundo ela, algumas ações para pedestres, ciclistas e transporte coletivo são anuladas pela ausência de medidas de desencorajamento do uso do veículo. “Muitas cidades brasileiras estão enfrentando o uso indiscriminado do automóvel, com sucesso. Goiânia precisa avançar muito, e rápido, neste sentido.”

URBANISMO

Verticalização pode criar o caos

Urbanisticamente, o cenário para 2016 não é dos melhores, na opinião da arquiteta e urbanista Anamaria Diniz. Segundo ela, o adensamento e a verticalização promovidos nos últimos anos produzirão um caos na capital. “A construção de infraestrutura – rede de água, esgoto, eletricidade e transporte público - não acompanhou a compactação da cidade”, explica. Segundo ela, o que foi feito, as ciclovias, não foi integrado a uma rede de mobilidade.

A situação só não será pior graças à crise econômica, observa Anamaria, que deve reduzir o ritmo dos empreendimentos imobiliários. “Aí teremos tempo para pensar um modelo de cidade diferente das grandes metrópoles, como São Paulo, onde as grandes torres e condomínios fechados deram errado.” A exemplo da intensa permeabilização do solo e da canalização de córregos. “Estamos construindo um cenário ruim para 2016 e para os próximos anos”, alerta.

Essa também é a opinião do arquiteto e urbanista Marcos Arimatéia em relação ao crescimento do Setor Marista e do Park Lozandes. Segundo ele, com a desaceleração do Jardim Goiás, prevista no Plano Diretor, houve um adensamento muito forte nos outros dois setores. “Minha preocupação é que a infraestrutura não está preparada para esse crescimento”, afirma.

E não deve haver recurso para ampliar a infraestrutura da cidade, afirma Arimatéia. Segundo ele, a crise econômica e as eleições municipais devem influenciar muito na questão urbanística da cidade em 2016. “As administrações municipais devem buscar recursos para dar andamento às obras já iniciadas, não deve ter nada de novo”, prevê. Em Goiânia, a Prefeitura deve concluir os corredores de ônibus e, se tiver recursos, construir os trechos que ainda faltam na Avenida Leste-Oeste, chegando até o Jardim Cerrado. “Essas interrupções criaram um grande problema urbano”, avalia.

Na opinião do urbanista, o incentivo à ocupação deveria ser melhor discutido porque o modelo de cidade compacta prevê mais espaços públicos. “E não estamos vendo isso acontecer”, observa. Para Arimateia, a verticalização e adensamento estão mais voltados para o mercado imobiliário, não para a cidade.

MEIO AMBIENTE

Frutos da negligência

Há muito a se fazer em relação ao meio ambiente em 2016, afirma Alessandro Mendes Pedroso, mas ele não está otimista. “A área ambiental sempre foi negligenciada”, critica. Segundo ele, a cidade deve se ressentir em 2016 da retirada de árvores para dar lugar ao BRT. “Nessas áreas, o microclima vai ser alterado e devem ser criadas ilhas de calor.” Seria possível, segundo o ambientalista, reduzir o impacto do desmatamento substituindo as árvores de maneira gradual. “Replantar não vai recuperar o dano imediatamente”, afirma. Além disso, plantar em outro lugar não vai reduzir os efeitos no local desmatado. “Deve-se plantar nas imediações de onde se retirou a árvore”, explica.

Há muitas questões a serem resolvidas em 2016, afirma Pedroso, “porque parece que 2015 não existiu”. É preciso avançar na coleta seletiva de lixo para não sobrecarregar o aterro municipal, que está próximo de atingir sua capacidade, ampliar a estação de tratamento de esgoto e coibir o lançamento de resíduos nos rios da capital. De acordo com ele, o esgoto doméstico ainda é lançado livremente nos rios Meia Ponte e Botafogo e as empresas lançam poluentes em todos os cursos de água da capital

Outro problema a ser resolvido emergencialmente é a proteção da Área de Proteção Ambiental do Ribeirão João Leite. Segundo ele, agricultores e propriedades de turismo rural lançam resíduos e esgoto no rio que vai abastecer a população da capital. “Como meio ambiente não é prioridade, vamos colher os resultados da negligência em 2016”, diz.

O geólogo Júlio Cezar Rubin aponta a existência de dois pontos críticos em Goiânia para 2016; o primeiro são as erosões no entorno da cidade, provocadas pela expansão urbana desordenada. “Esses processos erosivos estão cada vez mais comuns”, relata. O segundo diz respeito à questão hídrica. Segundo ele, se não houver campanhas mais incisivas contra o desperdício de água, Goiânia pode ter problema com o abastecimento em um futuro bem próximo, haja vista que a população está crescendo e a fonte de água permanece a mesma.

CULTURA

Sem recursos, setor pode piorar

O momento é ruim para a cultura em todos os níveis federativos: município, Estado e União, afirma o compositor e produtor cultural Carlos Brandão. “Em 2016, pode piorar”, afirma. Segundo ele, os espaços culturais públicos que estão funcionando não contam com estrutura nem pessoal suficientes e as produções culturais privadas também sofreram cortes. “Minha previsão é muito pessimista e, se não chegamos ao fundo do poço, em 2016 devemos chegar”, diz. E completa: “Espero que esteja errado”.

Para o ator e conselheiro municipal e nacional de Cultura Norval Berbari, a crise econômica deve reduzir ainda mais os recursos repassados à Cultura, que vinha em ascendência. "O setor cultural experimentou bons resultados nos anos recentes, sobretudo pelas políticas culturais ainda em desenvolvimento nos planos nacional, estadual e também municipal.” Porém, observa, a crise deve afetar todos os setores e também o cultural. Ele espera para 2016 uma curva descendente, o que não seria totalmente negativo, na opinião do ator. “A retração no orçamento pode favorecer as articulações, ações, discussões do setor cultural no sentido de se cobrar e exigir mais garantias e legislação. “Para se ter uma ideia, em Goiânia, o Sistema Municipal de Cultura, que já foi aprovado na Conferência Municipal e havia a promessa de neste ano ser aprovado na Câmara, sequer foi enviado ao Legislativo".

SAÚDE

Aedes aegypti será o grande vilão

A crise econômica também deve afetar o setor de saúde em 2016, de acordo com o médico infectologista Boaventura Braz de Queiroz. “Não vejo um bom cenário.” Segundo ele, o aumento progressivo da dengue, que em 2015 registrou 1,5 milhão de casos, da chikungunya e do zika vírus aponta para a possibilidade de uma progressão ainda maior destas doenças em 2016. Segundo ele, se o País conseguir estabilizar o numero de casos de dengue em 2016, já vai ser uma vitória. “Porque não vamos conseguir controlar os focos”, prevê.

Quanto ao zika, Boaventura prevê que a epidemia deve se estender por todo o País e que vai ser complicada pela microcefalia, que já chegou a 3 mil casos suspeitos no Nordeste. Número 20 vezes maior do que 2014. “Descobrimos o problema do zika vírus no período de chuva, quando é muito difícil eliminar os focos do mosquito”, explica. Boaventura aponta três fatores que farão de 2016 um ano difícil para a saúde: a falta de investimentos, de mudanças de hábitos da população e de imunização. “O governo deve adquirir a vacina contra dengue apenas para a população vulnerável.”

A vacina é uma das boas notícias que a infectologista Cristhiane Kobal prevê para 2016 em meio a uma projeção muito pessimista que inclui a epidemia de zika. Ela acredita que o governo vá incorporar a vacina contra dengue ao Sistema Único de Saúde (SUS). A outra boa notícia é que os pacientes diagnosticados com hepatite C terão acesso a medicamentos muito caros pelo SUS. “Vamos conseguir tratar a maioria dos pacientes com hepatite C”, afirma.

Por outro lado, os corte na Saúde devem ter impactos negativos no atendimento médico, no fornecimento de insumos e no acesso a diagnósticos mais avançados. “Apesar de ser otimista, acredito que 2016 será um ano pior.” Tanto na rede pública como na privada, observa. Segundo ela, as pessoas que estão perdendo o emprego estão deixando os planos de saúde e migrando para a rede SUS, que já está abarrotada. “Sem investimentos, não conseguiremos ter um melhor desempenho.”

EMPREGO

A vez dos especialistas

Em 2016, não haverá crescimento da economia que reflita na expansão do mercado de emprego, admite a coach de carreira Dilze Percílio. Ela acredita, no entanto, que 2016 não será pior que 2015. Dilze explica que enquanto os setores de serviço e varejo sofreram os efeitos da crise em meados de 2014, a indústria se ressentiu da crise antes, no início de 2013. “A indústria teve que enxugar muito para não fechar”, relata. E o setor fez o dever de casa, melhorando seus procedimentos, e conseguiu, além de pagar as contas, se capitalizar. Hoje, a indústria está começando a se reerguer”, afirma Dilze. Isso deverá ter um impacto positivo nos setores de serviço e varejo. “O setor industrial está abrindo vagas de salários mais altos e esses salários vão movimentar a economia”, explica, prevendo ainda que isso deve ajudar a criar empregos no varejo e no setor de indústria.

Na opinião de Alessandra Luzine, especialista em gestão de recursos humanos, nesse momento as empresas estão reavaliando a mão de obra e buscando pessoas mais qualificadas e específicas. “Está havendo uma troca de cadeiras na indústria e no setor de serviços”, afirma. Segundo ela, a recessão provocada pela crise econômica reduziu o volume de empregos e incrementou a procura por especialistas, sobretudo nas áreas de controladoria, finanças e gestão de pessoas. “Profissionais que trabalham com custo e orçamento”, explica Alessandra. Já o varejo, que perdeu muitas vagas de emprego nos últimos meses, deve permanecer como está, acredita ela.

SEGURANÇA

Equívocos impedem avanço

A partir de 1998, Goiás deixou a parte inferior da tabela de homicídios para figurar entre os primeiros da lista (saiu da 18ª posição na taxa de homicídios do País, com 13,4 homicídios por 100 mil habitantes para a 4ª maior taxa de homicídios do Brasil, com 44,3 homicídios por 100 mil habitantes). Essa situação não deve ser alterada em 2016, de acordo com o cenário provável construído pelo sociólogo e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) Ricardo Barbosa. “Não há nenhuma mudança efetiva em 2015 que diga que isso deve ser alterado.”

Na opinião do sociólogo, os investimentos feitos em Segurança Pública são equivocados. Os recursos são aplicados na ostensividade da polícia enquanto deveriam ser alocados em investigação. “Em Goiás, se prende, mas não se consegue produzir provas para incriminar. Podem contratar um exercito de Robocops que não vai adiantar se não houver investigação”, alerta.

Barbosa aponta outro equivoco da área não só em Goiás, mas no País. Segundo ele, as polícias têm ciclos interrompidos: uma faz a parte ostensiva e outra, a investigação. Nesse modelo, há um retrabalho: “Uma faz o trabalho que a outra já fez e o Ministério Público refaz”. O modelo produz outro efeito negativo para a Segurança Pública: a guerra dentro das carreiras. Como não há perspectiva de mudança na estrutura da Segurança Pública – que depende de votação de projeto no Congresso Nacional –, o sociólogo não acredita em mudança no cenário. “Mantido da mesma forma, provavelmente vai ficar do mesmo jeito”, afirma.

O advogado Rodrigo Lustosa se diz cético em relação à possibilidade de mudança na Segurança Pública. Ex-presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) goiana, ele aponta dois problemas no setor: falta de investimentos e políticas equivocadas. “A segurança é pensada apenas na ação das forças policiais, no incremento do aparato repressor.” Segundo o advogado, Segurança Pública envolve também a ocupação dos espaços públicos, mobilidade urbana, envolvimento das escolas, entre outras ações. Em razão da tensão política, Lustosa projeta aumento das variadas formas de violência, não só de homicídios. “Não há política de tolerância e a Segurança Pública reproduz essa violência.”

Zuhair Mohamad

Renato Conde

Foto: David Alves/Palácio Pirat