A voz da resistência

Data: 03 de janeiro de 2016

Fonte/Veículo: Diário da Manhã

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Chico desafiou ditadura e segue como consciência crítica do País

POR RENATO DIAS

3/01/2016 ÀS 22:33 PM

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  • Músico, ao retornar do exílio na Itália, constatou hegemonia e consentimento de Emílio Médici

  • Cantor chorou a dor da estilista Zuzu Angel e de seu filho desaparecido. Stuart Angel,  em ‘Angélica’

  • Documentário revela que o filho de Sérgio Buarque de Hollanda topava resistência sem a ‘luta armada’

  • À frente do seu tempo, rejeitava machismo, homofobia e compôs o hino das diretas já, campanha de 1984

 

– A maioria dos carros que circulava tinha o adesivo de ‘Brasil, ame-o ou deixe-o’.

Essa teria sido a constatação, depois do exílio na Itália, do cantor e compositor Francisco Buarque de Hollanda, quando retornou ao Brasil, em 1971. Nas terras do fascista Benito Mussolini e do futuro Bunga-Bunga Silvio Berlusconi, ele foi interpelado pela mídia de por ser um extremista, ter participado da passeata dos 100 mil, ocorrida em junho de 1968, no Rio de Janeiro. A manifestação de protesto contra a ditadura civil e militar foi liderada pelo carbonário Vladimir Palmeira, já capa-preta da Dissidência da Guanabara, que viraria MR-8.

Essa é uma das revelações do documentário Chico, Artista Brasileiro, lançado em novembro de 2015 e que deve ser exibido na Mostra ‘O Amor, a Morte e as Paixões’, organizada pelo professor de Comunicação da Universidade Federal de Goiás [UFG], Lisandro Nogueira. Nascido em 19 de junho de 1944, Chico Buarque chegou a ser hostilizado dias atrás por ‘coxinhas’ contrários à gestão da ex-guerrilheira da Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares, a economista Dilma Vana Rousseff Linhares, atual presidente da República.

 

Donos do poder

Sob a direção de Miguel Faria Jr., o filme mostra que o homem de olhos verdes fez de tudo para denunciar os donos do poder de 1964 a 1985. Desde que não fosse pegar em armas, ele dispara. Valeu a pena ter lutado pela democracia, observa. À época dos ‘anos de chumbo’ um relatório dos órgãos de segurança e de informação apontava que em um show de Chico Buarque e Caetano Veloso, o músico baiano “mostra trejeitos homossexuais”. À frente do seu tempo, o filho do historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda já rejeitava a homofobia.

Para enfrentar a censura, o cantor trocava versos e chegou a inventar até o pseudônimo de Julinho da Adelaide. Em homenagem à Zuzu Angel, mãe do desaparecido político Stuart Angel Jones, que militava no MR-8 [Movimento Revolucionário Oito de Outubro], socialite que, depois da morte do filho, passou a incomodar os generais de plantão e acabou assassinada em 1976, na Cidade Maravilhosa, ele compôs a bela Angélica. ‘Vai Passar’ virou o hino das diretas já,  campanha deflagrada em 1983 e que acabou com 21 anos de autoritarismo no País, em 1985.

– Último samba político!

 

Irmão alemão

As câmeras de Miguel Faria Jr. registram que o poetinha Vinícius de Morais já comparava Chico Buarque a Noel Rosa. Mais: apontam que o artista teve um irmão nascido em 1930, na Alemanha. Um tema-tabu até então na família Buarque de Hollanda. Sérgio Buarque de Hollanda embarcara em 1929 para a Europa. Antes da chegada de Adolf Hitler ao poder, em 1933. O artista não o conheceu, já que ele morrera em 1980, mas serviu como fonte de inspiração para um romance que lançou em 2014. O livro foi celebrado pela crítica especializada

‘Chico, Artista Brasileiro’ teve oito entrevistas exclusivas com Chico Buarque, o que dá um tom intimista à produção cinematográfica. Preto no branco: 20 horas de gravações. Detalhe: a sua discografia chega a 80 discos.  Em processo de crise criativa, o rebento de Maria Amélia Cesário Alvim relata ter feito três tentativas de psicanálise. Logo me dava alta, atira e sorri. O  vencedor do Festival de Música Popular Brasileira de 1966, com ‘A Banda’, é um socialista de carteirinha, abençoou Luiz Inácio Lula da Silva e joga água benta em Dilma Rousseff, que ganhou as eleições de 2010 e 2014 ao Palácio do Planalto.

O ator Hugo Carvana diz em ‘Chico, Artista Brasileiro’, que o cantor se encantou com sua atriz Marieta Severo. O romance durou mais de três décadas. De 1966 a 1999. O casal teve três filhas:  Sílvia, Helena e Luísa. Chico Buarque é irmão da também cantora Miúcha. Anna de Hollanda, sua irmã, foi ministra da Cultura no primeiro mandato da ex-presa política torturada Dilma Rousseff. Mangueira: essa é a Escola de Samba do Primeiro Grupo do Rio de Janeiro que encantou o seu coração. Ele chegou a iniciar o curso de Arquitetura, na USP [Universidade de São Paulo].

 

Unanimidade nacional

Apesar dos tresloucados que o importunaram no Leblon, em dezembro de 2015, Chico Buarque entrará para a História ainda por ter faturado, com ‘Sabiá’, em parceria com Tom Jobim, o III Festival Internacional da Canção. O artista musicou as peças ‘Morte e Vida Severina’, ‘Os Saltimbancos’, escreveu as peças ‘Roda Viva’, cujos atores foram espancados pela repressão política da ditadura civil e militar, entre eles Marília Pêra, além de ‘Gota d´água’ e ‘Calabar’, assim como os livros ‘Estorvo’, ‘Benjamim’, ‘Budapeste’, ‘Leite Derramado’ e ‘O Irmão Alemão’.

– Hoje, me sinto mais escritor do que compositor.

Chico Buarque de Hollanda

Chico Buarque de Hollanda

 

“Artista de olhos verdes fez de tudo para denunciar os donos do poder de 1964 a 1985 no Brasil”

“Apesar dos tresloucados que o importunaram no Leblon, em dezembro de 2015, Chico Buarque é uma unanimidade nacional”

 “Para enfrentar a censura, o cantor trocava versos e chegou a inventar até o pseudônimo de Julinho da Adelaide”

 

Serviço

Lançamento: Cinema

Título: Chico, Artista Brasileiro

Genêro: Documentário

Duração: 1 hora e 53 minutos

Direção: Miguel Faria Júnior

Ano: Novembro de 2015

Avaliação: Ótimo