Sem parede e sem teto, mas com muito aprendizado

Data: 21 de janeiro de 2016

Veículo: O Hoje

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Conheça a Casa Verde, uma escola que mistura ensino e brincadeira

 

DENISE SOARES (ESPECIAL PARA O HOJE)

As aulas já começaram nas redes municipal e estadual de ensino na Grande Goiânia – e, em algumas particulares, também. Escolher a escola ideal para os filhos é uma missão importante para os pais que, claro, priorizam a educação de seus pequenos. E ‘sair do convencional’ é a aposta de muitos deles.

Atuando há quatro anos em Goiânia, a Escola Casa Verde – do Ensino Infantil até a primeira fase do Ensino Fundamental –, em Aparecida de Goiânia, tem uma proposta diferente do ensino padrão. As crianças aprendem brincando, produzindo arte e convivendo com a natureza. Desta forma, foge do sistema tradicional de ensino por trabalhar com ideologias de educadores que dedicaram parte da vida à busca de um modelo de ensino infantil mais adequado às crianças. O brasileiro Paulo Freire, o português José Pacheco e o suíço Jean Piaget são alguns exemplos dos pedagogos que serviram de inspiração para a definição da metodologia adotada pela instituição.  

João Batista, diretor administrativo da escola, em entrevista a  O HOJE, confessou que a escola sempre foi um sonho de sua família. E a realização deste sonho dos Lima, uma família de educadores vindos da Cidade de Goiás, se tornou realidade em 2011. Pela descontentação do modelo ‘engessado’ do ensino tradicional, surgiu a vontade de fundar uma escola que despertasse o afeto das crianças, e, assim, surgiu a Casa Verde.

A proposta da escola é não enclausurar os alunos e contribuir para que valores, como o respeito, a autonomia, a cooperação, a responsabilidade social e a sustentabilidade ambiental, sejam desenvolvidos no caráter dos pequenos. “Queremos criar pessoas que sejam criativas, questionadoras e que sejam interessadas em conhecimento”, afirma o diretor administrativo, João Batista.

As aulas na Casa Verde são ministradas ao ar livre; os instrumentos didáticos são os recursos naturais, como plantas e animais, que habitam a propriedade. Os alunos são divididos em grupos heterogêneos, e os mais adiantados auxiliam os coleguinhas que tenham dificuldades. As matérias são desenvolvidas interdisciplinarmente, ou seja, ao mesmo tempo em que o aluno aprende a somar, também aprende a importância do solo para produção dos alimentos.

O contato com a natureza e o desenvolvimento humano foram fatores condicionantes para que a cantora goiana de música eletrônica Ana Jukes matriculasse seu filho na Casa Verde. “Ele entrou com 2 anos, sem falar nada. Todo desenvolvimento foi através da escolinha. Hoje, ele é muito comunicativo. Ele fala corretamente, formula frases inteiras e usa palavras mais difíceis. O desenvolvimento dele foi muito grande”, explica a cantora.

Para a designer de interiores Ana Cristina Parrode, que também tem uma filha matriculada na Casa Verde, é um privilégio que sua criança tenha contato com a natureza diariamente. “Naquela escola, temos o crescimento fundamental para a criança, ela aprende com o meio ambiente. Os donos são surpreendentes! A escola não tem grades, não tem sinal. Dá vontade de estudar lá!”.

Indagada sobre as vantagens da escola, Ana Jukes afirmou que a Casa Verde oferece muitas vantagens, mas que a questão do desenvolvimento humano e o contato com a natureza são fatores primordiais. “A criança que está na cidade não tem contato com a natureza. Lá na escola, eles fazem um link das disciplinas com a natureza, com a música e a arte. As crianças mais velhas cuidam das menores. Tudo é poesia e aprendizado”.

Os professores da instituição fazem um trabalho praticamente individualizado quando compartilha o conteúdo acadêmico com os alunos. Geralmente, as crianças são divididas em duplas para que, deste modo, o aluno tenha atendimento preferencial, algo raro no ensino tradicional. O ensino teórico é intercalado com atividades lúdicas. Para o renomado arquiteto goiano Fernando Parrode, que tem uma sobrinha matriculada na Casa Verde, o atendimento diferenciado foi o ponto crucial para escolha da escola. “Pesquisamos muito, visitamos muitas escolas até escolher a Casa Verde. Lá, ao invés de ficar trancada numa sala lotada de gente, a criança fica no galpão, ao ar livre e em contato com a natureza. O ensino da criança é feito de forma lúdica e a prepara para cuidar da natureza e dos recursos naturais, tão escassos atualmente”, diz o arquiteto.

Alunos com ou sem alguma particularidade no processo de inserção social e aprendizado aprendem, na escola Casa Verde, a conviver em sociedade, preservar o meio ambiente e a reutilizar objetos. Esta proposta diferenciada atrai a atenção de pais que desejam uma formação mais humanizada para seus filhos. A cantora Ana Jukes afirma que soube da escola por intermédio de uma colega de trabalho. De acordo com a artista, a filha da sua colega chegou aos 6 anos, sem saber escrever, e já havia passado por várias escolas da cidade sem nenhum progresso – a criança se desenvolveu quando entrou na Casa Verde. Ana Jukes acredita que o estilo escola-chácara e o contato com a natureza foram cruciais para essa evolução.

Uma das metodologias defendidas pela instituição é a união da teoria à prática. Os recursos lógicos e matemáticos são aplicados em situações cotidianas. Problemas matemáticos, por exemplo, são ensinados de forma simples – com a contagem dos ovos de uma galinha. O diretor da escola explica: “Aqui tem um galinheiro. A galinha botou 12 ovos, desses, ela tirou 8 pintinhos. Junto aos alunos, contamos quantos dias ela chocou, e vamos dividir os ovos em dezenas, dúzias e unidades”, exemplifica.

Na Casa Verde, também não existe dia de prova. A avaliação do aluno é feita diariamente. O arquiteto Parrode acredita que, desta forma, a criança se desenvolve mais. “Não é repetição de conteúdo: quanto mais a criança se desenvolve, mais lhe é exigido. A que tem alguma dificuldade recebe atenção especial”, afirma.

O professor acompanha o desenvolvimento acadêmico do educando e, conforme seu aprendizado evolui, é feito um relatório. Tal relatório será utilizado como nota em caso de transferência para outra escola.

Apesar da liberdade oferecida pela instituição, há normas a serem seguidas. Os diretores dialogam com as crianças e estabelecem limites. Uma das regras é a não depredação do ambiente escolar e da natureza que os circunda: os alunos colaboram na tarefa de fiscalização. Caso alguém transgrida ao que foi pré-estabelecido, a retaliação é a perda do direito de realizar alguma tarefa divertida.

A designer de interiores Ana Cristina Parrode diz que muitos pais acham que o fato de a escola não ter horários fechados pode signficar que a criança não estará preparada para frequentar uma escola tradicional no futuro: “A verdade é que ela fica totalmente preparada. As normas são respeitadas pelos alunos e, apesar de estarem livres, elas acabam delineando o espaço e aprendem a dividir e respeitar”.

Essa proposta inovadora na educação é justificável. A família Lima, que dirige a escola, é formada por professores qualificados. A diretoria é formada por Elizete Lima, graduada em Letras pela UFG; também por João Batista e Eduardo Alves, ambos graduados em Gestão Pública pela UEG, e pela mestre em Literatura Brasileira pela UFG Elzita Lima.

A Casa Verde ainda promove alguns eventos culturais abertos ao público. No portfólio da escola, estão feiras de arte, trabalhos de expressão corporal, lançamentos de livros e oficinas. O mais recente foi a quarta edição da Roda de Leitura, que lançou a 1ª Feira de Cultura e Arte, em dezembro do ano passado. Os alunos, carinhosamente apelidados de “passarinhos”, participaram da produção de parte dos trabalhos divulgados no evento, que repercutiu ideais da escola, valores humanos e sustentabilidade.

O foco é contribuir para que a criança tenha autonomia, discernimento e autoconfiança. E João Batista faz um balanço geral sobre o ano de 2015: “O aluno sai daqui lendo, interpretando e fazendo análises críticas do que ele leu. A criança aprende a ter senso crítico e manter o hábito da leitura. Quando ela vai para a escola tradicional, geralmente vai para uma classe adiantada”.

Para Ana Cristina Parrode, as mudanças em sua filha foram evidentes. “Eu vi minha filha ser mais alegre. Ela aprendeu sobre sobre sustentabilidade, a pensar no futuro, a respeitar o próximo e a se comover com tragédias ambientais, como a de Mariana”.  E, como  diz Ana Cristina, “na Casa Verde, as crianças não são aprisionadas, elas voam com as próprias asas”.