Kalunga: da resistência às conquistas

Data: 25/05/2016

Veículo: Goiás Agora

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Fachada da Igreja na comunidade do Engenho II

Fachada da Igreja na comunidade do Engenho II

Texto: Maria Antonieta Toledo
Fotos: Rita Antunes

Casal da comunidade Kalunga chega para ação do Governo de Goiás

Casal da comunidade Kalunga chega para ação do Governo de Goiás

A mais de 500 quilômetros de Goiânia, em meio à exuberância da Chapada dos Veadeiros, reside um povo marcado pela luta em torno do reconhecimento de seus direitos como cidadãos. As comunidades Kalunga distribuídas pelos territórios goianos de Cavalcanti, Monte Alegre e Teresina somam juntas o maior território brasileiro a reunir os descendentes da luta negra contra a escravidão. Juntos, são mais de sete mil pessoas apegadas à terra, suas origens e tradições.

Mesmo com as dificuldades enfrentadas devido ao isolamento das comunidades, sendo a mais perto delas distante mais de 20 quilômetros da cidade mais próxima, o anseio dos quilombolas é o de permanecer na terra que tanto trabalho tiveram para conquistar, ampliar o acesso a serviços básicos como água tratada, rede de esgoto e energia elétrica, e poder transmitir aos seus descendentes as tradições que fazem parte de sua cultura.

Conforme relata o vice-prefeito de Monte Alegre e coordenador executivo da Coordenação Nacional de Quilombo no Brasil, Manoel Edeltrudes Moreira, de 54 anos, a conquista da posse da terra teve início em 1985, quando 200 famílias tiveram suas propriedades regularizadas pelo governo. “O Governo do Estado contribuiu muito para a regularização fundiária dos quilombos. A discriminatória da terra foi custeada pelo Governo do Estado, para que o governo federal desse andamento na regularização da terra”, explicou. Segundo Manoel, os três municípios juntos têm hoje 273 mil hectares de terras destinadas aos kalunga. “Uma conquista importante e fundamental para a nossa permanência na terra”, analisa.

Cavalcanti 042

Tico do Kalunga: “Estamos há quase 300 anos nessas terras.”

Manoel, conhecido por Tico do Kalunga, é pertencente à comunidade quilombola de Monte Alegre, dividida em 13 núcleos. O primeiro e mais próximo deles está a 50 quilômetros da cidade. “Estamos há quase 300 anos nessas terras e mesmo com as dificuldades impostas pelo acesso, temos orgulho em manter preservadas nossas tradições, nossas rezas e nosso meio de sustento advindo da terra”, declara. Recentemente, Tico buscou estabelecer uma parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG) para contribuir com o desenvolvimento do turismo local. “Recebemos a visita de um profissional da UFG que percorreu a região. Fizemos um mapeamento de nove cachoeiras possíveis de serem exploradas pelo turismo. Além disso, ainda temos grutas dentro da nossa propriedade com grande potencial para o turismo sustentável”, evidenciou.

Acesso à educação

Eriene dos Santos escolheu a Comunidade Engenho II para se dedicar à sala de aula

Eriene dos Santos escolheu a Comunidade Engenho II para se dedicar à sala de aula

O isolamento das comunidades também atrapalha no acesso dos jovens ao estudo. Uma das maiores reivindicações dos quilombolas é pela presença de escolas dentro das comunidades. Aos poucos, elas vão sendo instaladas pelo Governo do Estado e por convênios com as prefeituras, que buscam suprir a lacuna do ensino fundamental. Na comunidade do Engenho 2, em Cavalcante de Goiás, a pedagoga Eriene dos Santos Rosa, 30 anos, foi uma das moradoras a dar voz à reivindicação do ensino dentro da comunidade.

“Em 2007 fundamos uma associação que nos auxiliou em todas as nossas solicitações diante do poder público. Isso fortaleceu muito a nossa causa. Hoje temos aqui no Engenho o ensino fundamental oferecido pela Prefeitura e o ensino médio pelo governo estadual. Nossos jovens saem apenas para fazer a faculdade. Mas essa realidade é diferente em comunidades mais afastadas como a do Vão do Moleque e Vão das Almas”, relata.

Eriene é filha de morador do Engenho. Na época do seu nascimento, a família morava em Cavalcante por conta do estudo dos filhos. “Mesmo tendo nascido na cidade, sempre tive um grande apego com a comunidade. Passávamos nossos finais de semana, feriados e férias junto aos kalunga”, recorda. Aos 20 anos, Eriene escolheu a comunidade para estabelecer moradia. “Sentia a necessidade de transmitir meus conhecimentos a essas crianças. Foi assim que comecei a dar aulas dentro da comunidade”, relata. Sua luta frente a associação resultou na implantação da escola quilombola dentro do Engenho 2, que hoje abriga 120 estudantes.

Cristiane do Nascimento quer transmitir tradições quilombolas para seus filhos

Cristiane do Nascimento quer transmitir tradições quilombolas para seus filhos

O sustento que vem da terra

O vínculo dos quilombola com a terra é algo que vai além do anseio de estabelecer raízes. É dela que eles retiram seu sustento e conseguem preservar as tradições focadas na forma do cultivo e manejo sustentável. A jovem Cristiane do Nascimento Borges da Costa, 24 anos, moradora da comunidade Ema, em Teresina de Goiás, explica que os plantios são todos feitos com sementes crioulas, ou seja, preservadas de outros plantios e que não levam uso de agrotóxico. “Trabalhamos a agricultura orgânica, sem uso de sementes transgênicas e respeitando as fases da lua. Um tipo de cultivo que é passado e preservado ao longo das gerações”, evidenciou.

Fora a soja e o trigo, os quilombos produzem todo tipo de cultivo necessário para a subsistência da comunidade, sendo o excedente comercializado. Para Cristiane, mãe de dois filhos, é preciso que as políticas públicas cheguem mais facilmente às comunidades quilombolas, para que as futuras gerações não tenham necessidade de buscar melhorias fora delas. “Minha intenção é que meus filhos permaneçam na comunidade e reproduzam nossos ensinamentos”, almeja.

Luta contra o isolamento
O presidente da Associação Quilombola Kalunga, Vilmar Souza Costa, natural da comunidade Vão do Moleque, situada a 80 quilômetros de Cavalcanti, relata que uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos kalunga está em vencer o isolamento das comunidades. Portanto, destaca que é necessário fazer investimento em pontes, melhoria nas estradas de terra e demais serviços como energia elétrica aos moradores mais remotos. “Hoje, somos cerca de 600 famílias, sendo que quase 200 ainda vivem sem energia elétrica”, pontua.

Uma das grandes conquistas recentes foi a implantação pelo Governo de Goiás do patrulhamento comunitário e da patrulha Maria da Penha. Recentes denúncias evidenciaram abusos sexuais sofridos por crianças quilombolas. “Precisamos da presença mais forte do Estado em nossa comunidade. E o patrulhamento mais presente contribui para a nossa segurança”, reflete.

Marconi Perillo anunciou que vai promover o Programa Ação Cidadã a cada três meses em uma das comunidades quilombolas

Marconi Perillo anunciou que vai promover o Programa Ação Cidadã a cada três meses em uma das comunidades quilombolas

Olhar mais aproximado
Durante a realização do programa Ação Cidadã na comunidade Engenho 2, em Cavalcanti, o governador Marconi Perillo, junto à secretária Cidadã, Leda Borges, levaram uma série de benefícios aos quilombolas, como a distribuição de 184 Cheques Mais Moradia Reforma, beneficiando prioritariamente famílias que ainda vivem em casas de adobe. Na ocasião, Marconi declarou que a cada três meses, uma das comunidades quilombola vai receber o programa Ação Cidadã, permitindo assim que os serviços básicos do governo sejam oferecidos de forma mais efetiva aos seus integrantes.