Por que a chave do desenvolvimento reflete a desigualdade?

Data: 06/06/2016

Fonte/Veículo: Gazeta do Estado 

Link da notícia: http://gazetadoestado.com.br/por-que-a-chave-do-desenvolvimento-reflete-a-desigualdade/

 

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Aline dos Santos – Às cinco da manhã, o despertador anuncia o início de mais uma jornada na vida da jovem Marcela Tavares (19), aluna do 1º Período de Direito que concilia os estudos com o emprego para complementar a renda familiar e ajudar nos gastos com a faculdade. Diariamente, a estudante cumpre sua jornada de trabalho de oito horas e posteriormente segue para a faculdade no município de Rubiataba-GO, que fica a 80 km do município de Pilar de Goiás-GO, onde Marcela reside com os pais e mais dois irmãos. Marcela conta que demora cerca de duas horas para chegar até a faculdade e lamenta a precariedade do transporte escolar que não possui sequer cinto de segurança para os passageiros.
Há cerca de 240 km de distância de Marcela, simultaneamente toca do despertador da jovem Eduarda Murad (17), que cursa o 3º período de Direito em uma universidade particular de Goiânia. Eduarda utiliza três linhas de transporte coletivo para chegar até a faculdade e após a aula, segue para o estágio remunerado onde permanece durante todo o período da tarde. A estudante pontua que além da pressão do ensino superior e a necessidade de harmonizar os estudos com o emprego, ela sofre com o descaso e a falta de segurança dentro do transporte coletivo, único meio que ela possui para se locomover até a faculdade. E, apesar de morar ao lado de um campus da Universidade Federal de Goiás (UFG), Eduarda não teve a chance de ocupar uma das vagas na instituição.
Atualmente, cursar uma graduação virou sinônimo de realização pessoal e profissional para muitas pessoas, assim como Marcela e Eduarda que alteraram a rotina para ingressar numa faculdade.
Por outro lado, o sonho de cursar uma faculdade, muitas vezes, é interrompido pela desigualdade, conforme apontam os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios do IBGE, divulgada em 2013, que demonstram que pessoas em situação de maior vulnerabilidade econômica têm poucas chances de conseguir vaga numa instituição pública de ensino superior.
Ainda, de acordo com a pesquisa, a classe alta corresponde a 24,8% do total da população brasileira, mas ocupa 45,55% das vagas nas instituições públicas. Já os grupos que constituem a classe média, correspondem a 52,1% da população e ocupam 46% das vagas. Do outro lado, a classe baixa corresponde a 23% da população, mas ocupa apenas 8,5% das vagas. Conforme gráfico abaixo:
A acadêmica Marcela Tavares diz que a educação superior no Brasil ainda sofre vários obstáculos, considerando-se que ela se desenvolveu em um curto prazo e o preço da formação acadêmica é relativamente alto, comparando-se a renda média das famílias brasileiras (em especial as mais carentes), fator que impede que parcela significativa da sociedade consiga ingressar numa instituição de ensino superior. “Minha maior dificuldade hoje é conseguir manter os gastos da graduação, porque infelizmente não tive a oportunidade cursar uma universidade pública. Somente a mensalidade custa R$ 798,00 e ainda têm os gastos com livros, transporte e cópias. E atualmente somente eu e meu irmão estamos trabalhando”, frisa a estudante.
A universitária Eduarda Murad acredita que a decadência da educação básica impede as pessoas com baixa renda de ingressar em uma instituição pública e que para pagar uma universidade particular os estudantes são obrigados a lidar com uma exaustiva rotina de trabalho. Ela pontua que infelizmente nem todos conseguem conciliar os estudos com o trabalho e com tantos entraves muitas pessoas desistem de terminar os estudos. E finaliza que este é um problema enraizado que vem desde a educação infantil e se prolonga até o ensino superior.

A expansão do ensino superior

De acordo com o Censo Escolar de 2013, coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, a expansão do ensino superior promove o acesso à educação, porém esse fator não pode ser considerado garantia de qualidade.
Os dados revelam que em 2013, o Brasil tinha 2,4 mil instituições de ensino superior que ofertavam mais de 32 mil cursos de graduação. No entanto, mais de 680 instituições de ensino foram reprovadas segundo os critérios de avaliação do Ministério da Educação (MEC). Esses índices demonstram que o Brasil ainda precisa percorrer um longo caminho para conseguir ampliar o acesso a uma educação superior de qualidade.

A importância do investimento na educação superior

O ensino superior se constitui como uma oportunidade de ascensão econômica e social dos indivíduos, já que comprovadamente o estudante se beneficia pelo acréscimo de conhecimento e aumento da sua renda familiar. Mas, a professora e bióloga Eva Silva dos Santos Soares (40), ressalta que para conseguirmos ampliar o acesso a uma educação superior de qualidade no Brasil é necessário que sejam feitos investimentos desde a educação de base: pré-escolar, primária e secundária.
Segundo a publicação anual Education at a Glance 2015, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no Brasil quem possui um diploma de nível superior tem em média renda 152% maior do que aqueles que possuem apenas o nível médio. Os dados apontam que a qualificação é fator determinante para o aumento da renda, por isso o investimento na educação superior é considerado fundamental para o processo de desenvolvimento socioeconômico do país.
Apesar das dificuldades, o Brasil evoluiu significativamente nos últimos anos com a criação de programas de incentivo à educação superior, voltados para pessoas de baixa renda, como o Programa Universidade para Todos (Prouni), que segundo informações divulgadas no site do Ministério da Educação (MEC) já concedeu 1,6 milhões de bolsas para os estudantes brasileiros. Outro programa de incentivo é o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), que segundo o MEC possui atualmente cerca de dois milhões de contratos ativos.
Porém, o relatório da OCDE aponta que entre os países analisados o Brasil apresenta o maior percentual de jovens entre 20 e 24 anos que não estão estudando. Em contrapartida, 52% dos jovens nessa faixa etária estão empregados. A professora considera que esses índices demonstram que muitos jovens acabam desistindo dos estudos pela necessidade de trabalhar.
“Sem reformulação e criação de novas políticas públicas educacionais, com a consequente ampliação dos investimentos em educação, o Brasil dificilmente conseguirá mudar esse cenário. Temos que lutar pela democratização do acesso ao ensino superior de qualidade, tanto nas instituições públicas como privadas, porque somente assim conseguiremos melhorar os índices do país que infelizmente se encontram abaixo do desejado para um país em desenvolvimento”, completou Eva Soares.