Filhos da cosmovisão Tupi-Guarani

Data: 05/08/2016

Fonte/Veículo: Revista Continente

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Foto: Vinicius Berger/Divulgação

Foto: Vinicius Berger/Divulgação

 

Uma boa pista de compreensão do filme Taego Ãwa (Henrique e Marcela Borela, 2016, GO), exibido na última quarta-feira (3/8), na sessão de abertura do II PirenópolisDoc (GO), pode ser trilhada a partir de uma das constatações feitas pelo diretor Henrique Borela em suas experiências com os Avá-canoeiros do Araguaia. Segundo ele, em conversa após a sessão, embora o contato forçado pela Funai, em 1973, tenha sido desastroso para os indígenas, seu líder xamã, Tutawa Tuagaèk Jamagaèk Ãwa, jamais descreve nas conversas a tragédia do contato e, sim, as reações e relações familiares diante dos acontecimentos.

 

Com o filme, ainda pouco exibido no Brasil, podemos dizer que esse olhar voltado para a família não guia apenas a rememoração do indígena – que parece não se deixar marcar pela violência e desterro impostos –, mas, antes, é fruto da sua cosmovisão Tupi-Guarani. Assim, se o contato dos cineastas com os Avá-canoeiros é motivado pela descoberta de imagens produzidas por estudantes da Universidade Federal de Goiás com o líder Tutawa, e a elas são somadas outras imagens de arquivo dos indígenas da região, é de uma espécie de troca com essa comovisão que Taego Ãwa constrói o olhar que organiza esses materiais.

 

Daí a importância da combinação entre arquivos, documentação paciente de alguns espaços da aldeia no presente e encenação de certas práticas do passado, algumas delas recuperadas em função da filmagem, como a pintura com jenipapo. De um lado, fábula de uma documentação necessária e, por isso, sem fim (os arquivos não se interrompem nem mesmo com os créditos finais) e, de outro, olhar atravessado por laços familiares de parte a parte, dos que filmam (Marcela e Henrique) aos que são filmados (família de Tutawa). Destacam-se os mapas mentais elaborados pelos indígenas em suas caminhadas cheias de indicações de lugares e situações que ali se desenrolaram, geografias afetivas que, se não vemos, entramos no exercício de imaginar.

 

Na ausência de um gesto forte de escrita da história dos Avá-canoeiros do Araguaia, operação premente que, afinal, não parece estar no horizonte de objetivos dos diretores, o que encontramos é um movimento de recondução dos arquivos ao mundo, impulsionados por um desejo de visibilidade. Essa recondução, por sua vez, se coloca a serviço da elaboração de um plano comum para eles no interior da narrativa – uma espécie de abrigo – e espera pela emergência de uma comunidade de olhares capaz de olhar com sensibilidade igual para essas imagens.