Impactos psicossociais do Césio

Data: 12/09/2016

Fonte/Veículo: Diário da Manhã

Link da notícia: https://impresso.dm.com.br/edicao/20160913/pagina/25/conteudo/cultura/2016/09/impactos-psicossociais-do-cesio.html

 

 

Pesquisadores vão além das consequências físicas e socioeconômicas

O acidente radiológico de 1987 rebelou nos goianienses uma gama de sentimentos. Desde comoção à animalidade provocada por um medo de contaminação elevado a níveis pós-apocalípticos. Marcou permanentemente a memória da cidade, tornando-se uma espécie de rótulo que carrega vários significados. O episódio diluiu-se a memória cultural do povo goiano de uma maneira irreversível, contaminando músicas, poemas, filmes, esculturas, livros, peças de teatro, entre outras formas de manifestação artística. Nas vítimas, os impactos psicológicos foram exponencialmente mais bruscos, e custou-lhes a saúde e – em alguns casos – a vida. O acidente é tema de vários artigos científicos que propõem um levantamento sobre as consequências mentais do contato com a tragédia.

No dia 13 de setembro de 1987, há exatos 29 anos, a cidade de Goiânia viveu um dos momentos mais delicados de sua história: o acidente radiológico provocado pela ruptura da caixa protetora de uma cápsula de césio 137, material altamente radioativo usado em equipamentos para radioterapia. O artigo ‘Goiânia é azul: o acidente com o césio 137’, da doutora em ciências sociais Elza Guedes Chaves, disponibilizado gratuitamente no site da Proec-UFG, expõe o efeito dominó dos impactos emocionais do acidente radiológico da cidade em escala local e nacional. Tal acidente, associado ao fator contaminação e à difusão dos métodos de prevenção à exposição, fez com que a população de todo o País acendesse um alerta vermelho diante de qualquer contato com o Estado de Goiás.

Elza expõe a progressão dos fatos: “A população se viu frente às recomendações difundidas pelos técnicos no sentido de que evitassem trafegar por áreas contaminadas e manter contato com indivíduos já identificados como expostos”, conta. Tais orientações foram contaminadas pelo medo. “O público reelaborou essas informações e passou a adotar um comportamento discriminatório, inicialmente em relação aos atingidos.” Por fim, vieram as proporções assustadoras: “Num crescendo, esse comportamento discriminatório foi estendido aos produtos e serviços comercializados nos bairros identificados como áreas do acidente, saltou os limites do município e as fronteiras do Estado e começou a se manifestar em relação às pessoas e às mercadorias originárias de Goiás.”

A pesquisadora explica ainda que existia, por parte dos que encontraram a cápsula, uma percepção mágica e esperançosa do pó reluzente encontrado na cápsula. Acreditavam ser um material valioso, que poderia salvar famílias de baixa renda de um cotidiano árduo e de baixo rendimento financeiro. Encontrar a cápsula, a princípio, era como ganhar na loteria. “O césio 137 invadiu o cotidiano das vítimas percebido como ‘um pó brilhante como purpurina’, ‘uma pedra mágica, que atrai’. Tratava-se de um elemento desconhecido, tido como extraordinário, que alimentava as fantasias de um grupo de pessoas que, ordinariamente, tinha pouco com que sonhar”, conta Elza Guedes Chaves. Tal epifania foi interrompida pouco tempo depois com o surgimento dos primeiros sintomas.

Psicossocial do césio

O livro Consequências psicossociais do acidente de Goiânia, organizado por Suzana Helou e Sebastião Benício da Costa Neto, apresenta uma análise da saúde psicológica das vítimas expostas à radiação. Os autores mencionam depressão, ansiedade, revolta, agressividade, quebra brusca da estrutura familiar, introspecção e isolamento como consequências sólidas para as vítimas. “A emergência criada pelo acidente não permitiu que comportamentos e sentimentos advindos de dificuldades anteriores – e que naquela situação de isolamento e introspecção causavam muita dor moral – fossem enfocados, uma vez que a preocupação maior de todos os pacientes estava intrinsecamente relacionada com as consequências físicas e socioeconômicas do acidente.”

 

Reciclando o césio

Banda goianiense promove projeto cultural a partir dos impactos do acidente radiológico

Rua 57 nº 60, Centro. Este é o endereço de onde foram achados os primeiros indícios da contaminação e escolhido como nome para um trabalho que vem sendo desenvolvido pelo grupo musical Vida Seca desde 2007. Quase uma década depois, uma coisa ainda é certa: o assunto faz parte da história da capital e é preciso resgatar esta memória. Assim surge a ideia do Rua 57 nº 60 – Intercâmbio e Difusão, que tem objetivo de contribuir com o debate histórico, artístico e cultural acerca do tema. Destinado prioritariamente a professores da rede pública, é dividido em duas etapas.

Intercâmbio é a primeira delas, que acontece nos dias 13 e 14 de setembro, das 19h às 22h, no Espaço Sonhus (localizado no Colégio Lyceu de Goiânia, na Rua 21, Centro). O projeto inicia-se com a presença da Associação de Vítimas do Césio 137 na palestra ‘Césio 137 – 29 anos’, abordando os desdobramentos e a atual situação de quem sentiu na pele as consequências do acidente. Em seguida, os participantes serão conduzidos a uma mostra de vídeos, composta por curtas-metragens sobre o tema.

No segundo dia será realizada a oficina musical “O processo de criação do grupo Vida Seca”. Nela, os inscritos terão acesso a todo o processo que permeia o trabalho do grupo, desde a fabricação ao uso dos instrumentos, à pesquisa sonora inspirada na temática. Após as atividades, os professores participantes serão estimulados a trabalhar o conteúdo em salas de aula para, em outubro, dar início à segunda etapa do projeto – a Difusão –, que consiste na apresentação do espetáculo de música “Rua 57 nº 60”.

Integrantes do grupo musical Vida Seca, ativo desde 2004 ( (Foto: Renato Vital)

Integrantes do grupo musical Vida Seca, ativo desde 2004 (Foto: Renato Vital)