Um caminho contra as emissões

Data da notícia: 26/10/2016

Veículo/Fonte: Revista Safra

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Técnica de cultivo na palha ajuda a sequestrar carbono e estocá-lo no solo e a pesquisa trabalha para ampliar o potencial de redução de emissões no campo

 

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Em seu estado natural, o Cerrado consegue manter perfeito equilíbrio entre emissões e os volumes de carbono fixados no solo e na parte aérea das plantas. Conduzido de forma adequada, com práticas de manejo recomendadas pela pesquisa, o plantio direto, em áreas já exploradas pela agricultura convencional, consegue recompor aquele equilíbrio, ao menos no que diz respeito à fixação do carbono no solo, atingindo taxas de sequestro de CO2 que se equiparam às produzidas pela vegetação nativa no longo prazo.

Os resultados fazem parte de uma pesquisa iniciada em 2001 pela unidade Cerrados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e publicada recentemente pelo Scientific Reports, jornal on-line de acesso aberto dos mesmos editores da conceituada revista Nature. O doutor em agronomia pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e pelo francês Institut de Recherche pour le Developpement (IRD) Robélio Leandro Marchão foi um dos idealizadores do trabalho. “O estudo avaliou a dinâmica dos estoques de carbono do solo em áreas de plantio direto sob diferentes tempos de adoção e conseguimos mostrar que a prática consegue refazer a ‘poupança’ de carbono no solo”, afirma o pesquisador da Embrapa Cerrados.

As análises sobre os níveis de sequestro de carbono foram realizadas em áreas agrícolas sob plantio direto nas regiões de Rio Verde e Montividiu, no sudoeste goiano, que os pesquisadores consideraram representativas da agricultura mais intensiva desenvolvida no Cerrado. A técnica adotada, informa Marchão, permitiu “realizar observações em condições de fazenda, nas quais áreas agrícolas com características semelhantes de clima, solo e relevo são comparadas de acordo com seu histórico de uso”.

Inicialmente, um dos principais objetivos da pesquisa, prossegue Marchão, foi avaliar se o sistema de plantio direto poderia continuar a estocar carbono no solo a prazos mais longos e determinar se, ao contrário, poderia ocorrer um processo de saturação. A literatura sobre o assunto, aponta o pesquisador, já traz relatos indicando que o plantio na palha deixaria de acumular carbono no solo após aproximadamente duas décadas de adoção daquela prática, por causa de uma possível saturação. Por esse motivo, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) adota esse prazo para determinar a contribuição do sistema para a redução de emissões de gases do efeito estufa.

“Mas permanecia a dúvida se esse critério era válido para condições tropicais”, observa Marchão. Isso levou à realização da pesquisa, que compara amostras colhidas em duas épocas distintas, em 2003 e 2011. Em sua primeira etapa, o trabalho identificou uma variação relevante, com alta taxa de estoques de carbono nas regiões sob plantio direto. As áreas foram analisadas desde a conversão de sistemas de cultivo convencional, com revolvimento da terra, para o plantio direto. Em alguns casos, essa conversão havia ocorrido há apenas um ano e, em outros, já há 13 anos, quando a técnica começou a ganhar maior expressão na agricultura brasileira. As mesmas áreas foram revisitadas em 2011.

Foram medidos ainda os níveis de carbono no solo de áreas de Cerrado nativo e de pastagens contínuas, para comparação e referência. Entre outros resultados aferidos, detalha Marchão, as observações mostraram estoques elevados de carbono no solo, aproximando-se dos volumes registrados sob vegetação nativa, após um período entre 11 e 14 anos de plantio direto. Na média anual, os volumes de CO2 sequestrados foram estimados em 1,61 tonelada e 1,48 tonelada por hectare para as medições feitas em 2003 e 2011 respectivamente, relevando-se mais elevadas do que aquelas observadas ao comparar amostras coletadas dos mesmos locais após aquele período de oito anos.

“O método de comparação diacrônico, que faz uso de resultados dos estoques nos sistemas dentro de uma mesma época (ano) de avaliação, revelou que as áreas sob sistema de plantio direto mais recentes apresentaram tendência de maiores incrementos no estoque de carbono em comparação às áreas mais antigas”, afirma ainda Marchão.

As análises confirmaram a hipótese de certa saturação do solo a prazos mais longos, mas também reafirmaram um largo potencial de mitigação ambiental e sequestro de carbono no plantio direto e que ainda pode se expandido, conforme o especialista, com a adoção de sistemas de produção que integram lavouras e pecuária, por exemplo, especialmente com desenvolvimento de novas variedades de gramíneas.

Atualmente, cita Marchão, tomando emprestado dados da Federação Brasileira de Plantio Direto na Palha, em torno de 32 milhões de hectares adotam aquele sistema de cultivo e a expectativa do Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC) é ampliar essa área para 40 milhões de hectares até 2020. “A partir dos resultados dessa pesquisa foi possível estimar que a conversão dessa área extra de 8 milhões de hectares sob sistema de plantio convencional com revolvimento do solo para sistema plantio direto permitirá atingir uma taxa de sequestro de carbono atmosférico de 8 milhões de toneladas (oito teragramas) por ano no período de dez a 15 anos após a conversão. Esses resultados são extremamente importantes para se avaliar o potencial da tecnologia do plantio direto”, sustenta Marchão.

Numa extrapolação não confirmada oficialmente, considerando-se a área já existente de plantio direto, seria possível calcular um total de 47,4 milhões de toneladas de carbono equivalente sequestrados da atmosfera apenas com a aplicação daquela técnica. Isso representaria mais ou menos 11% de todas as emissões diretas da agropecuária em 2014. Uma das dificuldades para fechar essa conta, lembra Marchão, é que nem toda a área de plantio direto é manejada de forma adequada.

Benefícios associados

O pesquisador da Embrapa Cerrados destaca ainda a importância do sequestro de carbono para a mitigação do efeito estufa, mas lembra também que o acúmulo de carbono traz outros benefícios ao permitir a melhora na qualidade dos solos sob os pontos de vista químico, físico e biológico, o que significa lavouras mais saudáveis. As pesquisas sobre plantio direto e sequestro de carbono foram realizadas em parceria com a Embrapa Arroz e Feijão (GO), Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), da França, Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP), Universidade Estadual de Londrina (UEL) e Universidade de Rio Verde (UniRV).

O papel central dos sistemas integrados

Disseminada mais fortemente a partir dos anos 1990, a técnica de plantio direto na palha trouxe benefícios em cadeia para o setor agrícola. Segundo o pesquisador Robélio Leandro Marchão, da Embrapa Cerrados, a tecnologia conservacionista permitiu reduzir a erosão, evitou perdas de solo e, portanto, da fertilidade, além de baixar custos com maquinário e combustível, já que passou a não ser mais necessário revolver o terreno. “Houve ainda um aumento no rendimento das operações de semeadura, ampliando a janela de plantio para o produtor”, acrescenta ele.

A confirmação da saturação das camadas superficiais do solo depois de 20 anos do início da aplicação do plantio direto não significa, necessariamente, que não há espaço para avançar. A pesquisa enfrenta agora o desafio de encontrar outras formas para promover o acúmulo de carbono no solo. Um dos caminhos para o caso de solos agrícolas corrigidos, sugere Marchão, está na rotação com pastagens, em sistemas de integração entre lavoura e pecuária. O plantio de milho, sorgo e soja em consórcio com forrageiras para ajudar a “potencializar o plantio direto, permitindo acumular carbono em camadas mais profundas do solo”, afirma, ressalvando que o uso de gramíneas, no caso da soja, é indicado para a fase final do plantio da oleaginosa.

A Embrapa vem trabalhando no melhoramento de variedades de forrageiras mais adaptadas ao sistema de consórcio, adianta Marchão, citando o desenvolvimento da brachiaria brizantha BRS Paiaguás, nome comercial da cultivar, com o objetivo de prolongar os efeitos “poupadores” de carbono do plantio direto. “Esse sistema está evoluindo, no Brasil, conforme os sistemas de produção se intensificam. É o que estamos chamando de intensificação sustentável da produção agropecuária”, comenta.

Inicialmente, registra Marchão, predominava o cultivo de soja e milho com pousio no verão. Os novos pacotes tecnológicos aportados ao campo permitiram o plantio da segunda safra de milho, com maior acúmulo de biomassa e, “consequentemente, o sequestro de carbono pelo solo aumentou”.

Neste momento, continua o pesquisador, trabalha-se “intensivamente na pesquisa e divulgação dos sistemas integrados lavoura-pecuária, onde será possível fazer um terceiro cultivo de pasto que poderá ser utilizado tanto para produção animal na entressafra (quando normalmente falta forragem e os animais perdem peso) como para cobertura de solo”. Na região do oeste da Bahia, que forma, juntamente com o sul do Piauí, Maranhão e Tocantins o polo de Matopiba, já há registros de experiências desse tipo. “Como perspectiva, precisamos continuar o monitoramento de longo prazo para avaliar como será a evolução daqui para frente”, diz ele.