O humanista Ruy Rodrigues lutou pela educação em Goiás, África, França e Tocantins

Data da notícia: 27/10/2016

Veículo/Fonte: Jornal Opção

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Conhecido como Padre Ruy, o intelectual foi secretário da Educação do governo de Mauro Borges e Moisés Avelino, foi reitor da Unitins, trabalhou em Paris e na Guiné-Bissau

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Padre Ruy. Pois é: não era mais padre. Mas ficou o padre ficou como prenome para todo o sempre: Padre Ruy. Homem culto, de grande preparo intelectual, mas jamais um nefelibata. Era dos intelectuais que sabiam que era preciso colocar as ideias em prática, até para gerar novas ideias sobre como mudar o mundo para melhor. Por isso, no lugar de circunscrever-se à academia, se tornou secretário da Educação do governo de Mauro Borges, na primeira metade da década de 1960, e mais tarde, além de secretário da Educação do governo do Tocantins, assumiu a Reitoria da Universidade do Tocantins (Unitins). Era um homem brilhante, vivaz, reverberante. Na ditadura, perseguido por suas ideias e práticas — era, na verdade, integrante de uma esquerda moderada, democrática, mas ditaduras, mesmo quando parcialmente ditabrandas, não toleram a divergência, ainda que dentro da legalidade —, exilou-se na África e na França. Lá, como aqui, ensinou, e de várias maneiras — seja como professor, seja como secretário da Educação. Em Goiânia, nos últimos anos, era possível vê-lo, magro, discreto e lépido, circulando nas proximidades da Praça do Cruzeiro e Praça Cívica. Por vezes, encontrava-o na sorveteria Beijo Frio, na Avenida 84, no Setor Sul, às vezes com um jornal de São Paulo. Afável, sabia ouvir o interlocutor com atenção para, em seguida, apresentar seu ponto de vista, sempre sensato e didático, sem arroubos típicos de educadores fanáticos, quase religiosos. Pois o Padre Ruy — Ruy Rodrigues da Silva na certidão, a da burocracia — faleceu na quinta-feira, 27, em Goiânia, aos 88 anos (faria 89 anos na sexta-feira, 28).

Ruy estava internado no Hospital do Coração, uma das melhores unidades de saúde de Goiânia, desde o dia 7. Havia sido internado com pneumonia. Os médicos atestaram que morreu de falência múltipla dos órgãos.

Tocantinense de Porto Nacional, Ruy era um homem cosmopolita, mas profundamente apegado às coisas de seu país e de seus Estados — Goiás e Tocantins. Ela deixa duas filhas, Adriene e Sofie. Na início da década de 1990, quando eu, Santa Cruz Serra Dourada e Agnaldo Leão fomos a Palmas implantar a sucursal do “Diário da Manhã”, encontramos com Ruy e uma de suas filhas, aparentemente francesa, num voo da Varig (proveniente de Brasília). Eles conversavam em francês e, de vez em quando, riam. Falavam sobre o Brasil e literatura, nos disseram depois.

Ruy era um intelectual múltiplo, universalista. Por isso é difícil rotulá-lo apenas como teólogo, filósofo, pedagogo, sociólogo, escritor, professor. Era isto tudo, sim. Mas era muito mais. Era um humanista clássico, hoje cada vez mais raro, com as formações intelectuais fragmentadas, altamente especializadas. Deve ser pensado como um homem do Renascimento e do Iluminismo. Sempre crente nas potencialidades do homem, acreditando que, por debaixo de certa barbárie, há luzes salvadoras. O que “salva” não é o mercado, o crescimento puro e simples, e sim a educação.

Nos seus mais de 20 anos de exílio político, Ruy militou pela educação na Europa, na África (Guiné-Bissau) e na Ásia. Com a Abertura e a Anistia, no fim dos governos militares, voltou ao Brasil. Para ficar.

Em 1991, convidado por Moisés Avelino (o Henrique Santillo do Tocantins) — o grande democrata que havia sido eleito governador —, Ruy aceitou a incumbência de ser secretário da Educação do Tocantins. Certamente ficará na história do Estado como um de seus melhores secretários da Educação. A cultura local sempre faz parte de outra cultura, mas seu cosmopolitismo era semelhante ao de Púchkin e Tolstói, que diziam que, se o indivíduo quer conhecer o universo, antes precisa conhecer sua aldeia. As culturais locais, ainda que contaminadas pelas culturais em geral, precisam ser descritas, lembradas e emuladas. Educação e cultura, para Ruy, caminhavam juntas, integradas.

No governo de Siqueira Campos, Ruy assumiu a Reitoria da Universidade do Tocantins (Unitins). Poderia ter declinado o convite, dado o fato de Siqueira Campos ser porta-voz da direita mais retrógrada do país — tanto que articulou, junto com o general Sylvio Frota, um golpe contra a distensão e a Abertura propostas pelo presidente Ernesto Geisel. Mas Ruy estava acima de questiúnculas e picuinhas políticas, sempre passageiras. Dava valor às coisas permanentes, que solidificam um país e lhe dão substância. Sabia que, com seu nome — um nome de peso nacional, de prestígio em todos os rincões do país —, poderia consolidar a Unitins como uma grande universidade, o que é hoje, e graças em parte ao seu talento como reitor e educador. Ele foi um abre-portas.

Em 2008, numa homenagem justa, a Universidade Federal do Tocantins (UFT), concedeu-lhe o título de doutor honoris causa. Com seu talento organizacional e seu caráter agregador de talentos, Ruy foi um dos criadores da UFT.

Nos tempos democráticos, Ruy foi professor da Universidade Federal de Goiás. Além do governo de Mauro Borges, quando era um dos próceres — o líder do PSD havia montado uma seleção, inclusive com técnicos qualificados da Fundação Getúlio Vargas —, Ruy trabalhou no governo de Henrique Santillo (1987-1990).

Ruy tinha uma formação de elite, das melhores elites, as que não abdicam da mudança e da inclusão, sem jamais deixar de ser um homem do povo. Era um caso raro. Raríssimo.

As notas de pesar abaixo, retirei do site do jornalista Cleber Tolero (www.clebertoledo.com.br).

Notas de pesar

“Recebi, com pesar, a notícia do falecimento do professor, ex-secretário de Estado da Educação, Ruy Rodrigues, ocorrido nesta quinta-feira, 27, em Goiânia (GO).

O Tocantins se despede de um portuense que fez de sua história um retrato da luta pela liberdade e em favor de causas humanitárias.

Eu e minha família rogamos a Deus para que conforte a família do saudoso Ruy Rodrigues nesse momento de dor.

Marcelo Miranda

Governador do Tocantins”

“A vice-governadora do Tocantins, Claudia Lelis, recebe com pesar a notícia do falecimento, em Goiânia (GO), do ex-secretário de Educação e ex-reitor da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), professor Ruy Rodrigues da Silva.

Tocantinense de Porto Nacional, professor Ruy dedicou sua vida à educação, à cultura e aos temas ligados à humanidade. Seu caráter educador e humanitário sempre será lembrado e os tocantinenses sentem orgulho desse homem que trabalhou em prol da educação e da cultura do Estado. Seu legado será lembrado por muitas gerações.

Às filhas, aos netos e aos familiares, meu profundo respeito e admiração. Que Deus, em sua infinita bondade, conforte a todos.

Claudia Lelis

Vice-governadora do Tocantins”

“Lamento profundamente o falecimento do portuense, ex-secretário de Educação e ex-reitor da Universidade do Tocantins (Unitins), professor Ruy Rodrigues da Silva.

O Tocantins perde um homem inspirador, aguerrido e defensor das causas sociais, educacionais e culturais, que sempre colaborou com seus conhecimentos para o enriquecimento da cultura e história tocantinense.

Professor Ruy, não só prestou relevantes serviços à frente da educação no Tocantins, no período em que esteve como secretário Estadual da Educação e reitor da Unitins, mas também foi responsável por fatos históricos relevantes na luta em prol da criação do Estado do Tocantins, atuando como membro da Comissão de Estudos dos Problemas do Norte (Conorte) e sendo fundador da Casa do Estudante do Norte Goiano (Cenog), onde fez parte do movimento estudantil que teve papel preponderante na criação do Tocantins.

Este grande entusiasta da educação e cultura, grande pai de família, ser humano ético e exemplar, deixará saudades e um grande vazio no cenário tocantinense. Envio aos familiares e amigos nossas condolências e peço a Deus que conforte os corações de todos neste momento de dor.

Paulo Mourão

Deputado estadual”

“O Senador Vicentinho Alves (PR/TO) lamenta o falecimento de seu conterrâneo e amigo, Professor Ruy Rodrigues, neste dia, 27 de outubro.

Professor Ruy Rodrigues, padre Ruy, filho de Porto Nacional. Serviu a muitos estudantes e jovens na época, enquanto padre, em nossa cidade.

Tinha o espírito empreendedor na área de educação, de cultura e formação de jovens – com o teatro, na Casa Paroquial e no Centro Cultural, onde atuou junto a Dom Alano Marie Du Noday.

Ajudou a implantar o aeroclube de Porto Nacional, com meu pai, instrutor do aeroclube, Comandante Vicente. Depois foi servir ao governo Mauro Borges em Goiânia, como Secretário de Educação de Goiás.

Também morou na França durante muitos anos. Exilado, lutou pelos direitos humanitários de países como a África e assessorou a presidência da República de Guiné Bissau.

Muito preparado, ele deixou a condição de padre para atuar como educador, quando retornou ao Brasil. Serviu ao Tocantins, como Secretário de Educação em dois governos – tamanha era a sua competência – nos mandatos de Moisés Avelino e Siqueira Campos.

Foi reitor da Universidade do Tocantins, pioneiro na área de cultura do estado. Sempre teve o respeito e a credibilidade da classe educacional de Goiás e do Tocantins.

Teve uma participação importantíssima na criação da Cenog – Casa do Estudante do Norte Goiano, que contribui muito com a criação do estado. Na época, com base em Goiânia e sede no Rio de Janeiro, Porto Nacional, Pedro Afonso, Dianópolis e Miracema.

Também esteve presente na discussão da criação da Conorte – Comissão Sobre Estudo do Norte Goiano, que deu muito suporte ao Deputado Federal Siqueira Campos e ao Congresso Nacional Constituinte para a criação do estado.

Deste modo, o professor Ruy teve papel importantíssimo em muitos momentos do então norte Goiano, como também do Tocantins.

Um grande amigo de meu saudoso pai e um grande amigo nosso. Muito meu amigo! Sinto muito a ausência física, mas ele estará sempre presente nos corações de todos nós, que conviemos com ele e, de uma forma ou de outra, recebemos dele muita instrução de vida – vida educacional e vida pessoal.

Portanto, fica aqui a nossa homenagem. Eu, como homem de fé cristã, desejo que Deus dê o descanso merecido a esse grande guerreiro e grande brasileiro.

Nossos sentimentos estão com suas filhas, Adrienne e Sofie, seu irmão Adelmo Rodrigues e toda a sua família.”

Senador Vicentinho Alves e família.