Mestre-sala da MPB

Data:18/11/2014

Veículo: O Popular

 

Expoente da música brasileira, João Bosco participa, esta noite, de show ao lado da Banda Pequi e de Nelson Faria que resultará em um DVD inédito

Taynara Borges

 

Diomício Gomes

Banda Pequi ensaia o repertório para a apresentação de hoje à noite no Centro de Cultura e Eventos da UFG

 

Às vésperas de completar 15 anos de estrada tocando o melhor da música popular brasileira, a Banda Pequi, projeto de extensão e cultura da Escola de Música da Universidade Federal de Goiás que reúne professores, alunos e ex-alunos da instituição em um grupo musical instrumental, prepara uma comemoração de peso para essa celebração. A exemplo do que fez na ocasião dos seus dez anos de trajetória, quando convidou a intérprete Leila Pinheiro para gravar um DVD, eles voltam a repetir a fórmula e, dessa vez, ao lado de um dos maiores nomes da história da música nacional: o mestre-sala dos mares da MPB João Bosco.

Com um histórico de parcerias com personalidades como Elis Regina, a maior intérprete de suas canções, Vinicius de Moraes e Aldir Blanc, com quem assina alguns dos grandes clássicos da música nacional – como O Bêbado e a Equilibrista, Bala com Bala, De Frente pro Crime, Corsário O Mestre Sala dos Mares –, João Bosco subirá ao palco do Centro de Cultura e Eventos Professor Ricardo Freua Bufáiçal para interpretar algumas canções suas escolhidas pela própria banda e arranjadas pelo seu companheiro de jornada há 16 anos, o músico Nelson Faria, parceiro e amigo do maestro Jarbas Cavendish e intermediador do convite. O show será gravado agora e lançado no ano que vem em comemoração aos 15 anos de história da Banda Pequi.

Fundador da banda e responsável pelo projeto, o professor Cavendish explica que a ideia desse DVD já existia há algum tempo, mas só agora foi viabilizada em função de sua contemplação com verba do Fundo de Arte e Cultura de Goiás. Encontrado o caminho das pedras, o projeto deverá ganhar corpo e, de acordo com o maestro, já tem a proposta de se tornar anual, com um novo DVD sendo lançado a cada ano ao lado de grandes personalidades da música brasileira. “Estamos trabalhando com a nata e acho fundamental frisar que isso só existe porque está dentro da academia. Estamos aqui juntando forças e mostrando o que a universidade pode fazer, para quem diz que a instituição só olha para o seu umbigo”, rebate.

A Banda Pequi tem uma formação composta de 4 trompetes, 4 trombones, 5 saxofones e base completa, integrando 19 músicos mais o maestro, num total de 20 componentes e, segundo Cavendish, ao longo desses quase 15 anos, já contou com cerca de 120 músicos diferentes. Além da academia, Cavendish pontua a loja de instrumentos Musical Roriz como fundamental para a existência do projeto, com a doação e o empréstimo de equipamentos.

Show: Música no Câmpus, com Banda Pequi, Nelson Faria e João Bosco

Data: Hoje, às 20h30

Local: Centro de Cultura e Eventos Professor Ricardo Freua Bufáiçal – Câmpus 2 da UFG

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)

Informações: www.ufg.br







A música é a expressão mais rica da civilização brasileira”

(TB)18 de novembro de 2014 (terça-feira)

J

Diomício Gomes

oão Bosco chegou à cidade no domingo, quando realizou o primeiro ensaio ao lado da Banda Pequi, por volta das 20 horas e que ocorreu com uma sintonia perfeita, uma vez que os arranjos já haviam sido previamente ajustados por Nelson Faria no dia anterior. Cada música precisou ser passada somente uma vez e não houve necessidade de grandes alterações em nenhum momento. Ainda que cansado, ele demonstrou simpatia e, ao final do ensaio, recebeu todos os músicos para trocar cumprimentos e fazer algumas fotos. No ensaio, que o POPULAR acompanhou com exclusividade, o músico revisitou alguns de seus grandes sucessos como Quando o Amor Acontece, Bala com Bala, Linha de Passe e Corsário, que estarão no repertório do show desta noite. Ao final da noite, João Bosco bateu um papo exclusivo com a reportagem. 

 

 

Como lhe chegou o convite para esse projeto ao lado da Banda Pequi? Assim como Nelson Faria, você já conhecia o trabalho do grupo e do maestro Jarbas Cavendish?

Essa ideia do Jarbas de me convidar para fazer músicas da banda e minhas com os arranjos do Nelsinho – que é uma pessoa que já trabalha comigo há muitos anos – já é um pouco antiga e vinha se arrastando. Daí, no ano passado ele viu a possibilidade de fazermos neste ano. E foi dando tudo certo... A banda eu conhecia de longe, já tinha ouvido falar. Mas estar junto dela, só agora. Esse é um projeto que, para acontecer, precisa de tempo e planejamento, mesmo.

 

Como foi seu primeiro contato com os músicos e sua expectativa para o show?

Foi ótima. A banda é superlegal. É um pessoal jovem que tem uma maneira muito empolgada de tocar, de estar ali vivendo a experiência da música por meio de improvisações, de solos, tendo uma participação relevante na interpretação da música. É aí que você percebe o músico, o talento e a qualidade deles. E o resultado está ótimo.

 

É uma sintonia como se vocês já tivessem tocado juntos antes. Isso é fruto do trabalho do arranjador? Em especial Nelson Faria, que trabalha com você há muitos anos...

Trabalhamos muitos anos juntos. Desde a época do Nico Assumpção. Depois gravamos juntos. Gravamos o disco Malabarista do Sinal Vermelho (2003) e os DVDs Obrigado, Gente! (2006) e 40 Anos Depois (2012), em que ele participa de alguns momentos. Trabalhamos muito fora do Brasil em turnês pelos Estados Unidos, Europa, Japão... Então, é um músico que conhece profundamente o que eu faço, a maneira como eu faço, o jeito que eu faço. No tipo de música que faço, é muito importante ter uma intimidade com o músico que compartilha com você a sua música. Porque é uma música que tem uma certa personalidade, é um pouco pessoal e, para o músico entrar dentro do mundo da sua música, ele tem de conviver com você. É nessa convivência que ele vai entrando dentro da alma da sua música e percebe como você a sente. E aí a música fica inteira, com unidade. Eu tenho, na minha biografia, o fato de compartilhar sempre com os músicos.

 

Você já participou de DVDs de outros artistas, mas só gravou um DVD ao vivo com o seu trabalho, não é isso?

A música brasileira está sempre proporcionando esses encontros. Então, às vezes, eu participo de DVDs assim porque é inevitável, são pares do seu trabalho com quem, de repente, faz sentido estar junto. Já gravei DVD, por exemplo, com Zizi Possi e na homenagem que fizeram para mim no Prêmio da Música Brasileira, no Teatro Municipal do Rio, onde estavam Alcione, Arlindo Cruz, Leila Pinheiro... Sempre estamos sendo atraídos para esses encontros. Acho que eles acabam proporcionando novas leituras das mesmas canções, e eu gosto muito disso. É algo que acontece muito na música brasileira e na americana, notadamente no jazz. Se você pegar compositores como Tom Jobim, quantas canções dele foram gravadas dezenas de vezes, a mesma canção tendo leituras diferentes? Isso acaba enriquecendo a música.

 

Haverá uma gravação inédita neste DVD...

A única música que eu não havia gravado ainda é Toma Lá Dá Cá, que só havia feito para o tema de abertura do programa da Globo. Ela é inédita. E como era para a televisão, gravei de forma reduzida. Então acabou que ficou faltando um pedaço da letra. Mas aqui nós estamos fazendo ela inteira numa forma que nunca foi realizada antes.

 

E existe a possibilidade de sair em turnê com esse projeto?

Isso depende deles. Se eles acharem condição de realizarem isso aqui ou em outro lugar, a gente pode fazer.

 

Seu último disco é de 2012. Você vem trabalhando em algo novo?

Estou preparando um disco de inéditas que devo gravar no ano que vem. A ideia agora é desviar para não fazer a mesma música de novo, e isso é uma coisa trabalhosa. À medida que vai passando o tempo, vamos ficando mais exigentes com nós mesmos. A ideia é desvencilhar daquilo que já fizemos, procurar alguma coisa que possa trazer uma sensação de frescor. É diferente da juventude, quando tudo é novidade pra gente. Já são mais de 40 anos de estrada. É interessante porque você passa a viver o momento como um explorador de caminhos musicais, então tem de estudar mais e estar mais preparado.

 

A MPB feita pela geração atual está sendo chamada de nova MPB, como se fosse um novo gênero. Você enxerga mesmo essa diferença?

É difícil falar sobre isso porque eu gosto de falar do indivíduo, do músico, da pessoa. Porque, embora pertençam ao mesmo tempo, tenham convivido juntos, cada um tem uma maneira diferente de ser. Como definir o trabalho de Dorival Caymmi dentro do universo daquele momento? Era uma coisa que estava acontecendo antes de o movimento da bossa nova acontecer, mas trazia uma modernidade bossa-novista. E ele estava lá na Bahia. Prefiro falar do Caymmi, do Jobim, do Ary Barroso, do Moacir Santos, do que falar do movimento do qual eles fazem parte. Cada um tem uma ideia, uma música.

 

E eles não são desvencilhados da MPB da sua geração...

Você identifica alguma coisa do passado dentro da música dessas novas gerações, mas como uma herança positiva. Porque ela se desenvolve num processo que liga uma coisa a outra. Acho isso muito legal. Eu também peguei muita coisa de compositores como esses que citei, como Ary, Jobim, Caymmi, até contemporâneos como Milton, Gil, Chico... E o Chico, quando surgiu, fez uma leitura de coisas do Ismael Silva. O que eu acho bonito na música é essa trajetória que você vai percebendo ao longo do tempo.

 

Há nomes dessa nova geração que chamam sua atenção?

Tem (aqueles) até que eu não sei os nomes, mas a música me chama a atenção, que eu ouço e acho interessante. Dentro dessa geração, tem cantoras jovens muito boas e que o público nem conhece direito porque, embora tenha a internet e tudo, acho hoje mais difícil de você conhecer do que antes. Hoje, quando você conecta, é tanta coisa que você não consegue ter um momento de dedicação àquela canção ou àquele artista que está surgindo. Não dá para assimilar tudo.

 

A internet impactou de alguma maneira a sua carreira? Você sentiu a crise do mercado fonográfico?

Não senti impacto. Acho que até a geração seguinte à minha ainda é um público que gosta de ouvir o disco, ir ao show, e que é exigente do ponto de vista da qualidade sonora. Porque a internet também acaba provocando um hábito de ouvir música onde a exigência sonora fica em segundo plano. Ela é um pouco rápida demais e as pessoas vão ficando menos exigentes em relação a isso. Mas até essa geração que veio depois de mim ainda é exigente, gosta de manusear o disco, de ver, de ouvir, de ver a parte gráfica. Acho que tudo isso faz com que você dedique um tempo à obra. É desse tempo que estou falando, querendo valorizar.

 

Mas, para você, o grande peso e o grande valor ainda estão na rua?

Há coisas que escapam e acabam atingindo o público de uma maneira muito intensa, como esse menino Pharrell Williams, que fez rap. Ele vem fazendo coisas há muitos anos, é um cara que trabalhou com muita gente bacana na música americana e, de repente, uma música dele escapole e vira um megassucesso. Isso eu acho bonito na música. De repente ela escapa e isso, para mim, é o sucesso, essa escapada que a música dá e atinge o alvo. Muitas vezes, você não pensa nela com esse propósito. E isso não depende da internet. São tantos os caminhos... A internet é só um deles.

 

A música brasileira vive um bom momento?

A música brasileira sempre viveu um bom momento e sempre vai viver. Porque é um país que tem um manancial, uma fonte muito firme, vigorosa. Ela tem afinidade com as principais matrizes da música do mundo. O jazz, a música do Caribe, a cubana. A música brasileira terá sempre no futuro, será sempre procurada pelo estrangeiro. Musicalmente, o Brasil existe no mundo inteiro.