Filhos de Valentina são alvo de estudo científico

Data: 24/11/2014

Veículo: O Popular

 

Drama vivido por irmãos, que convivem há 60 anos com grave síndrome, é pesquisado por médico goiano

 

Sebastião Nogueira

Irmãos Lemos Brito deixam o Crer após bateria de exames: síndrome deles é irreversível

 

Oito anos depois de serem descobertos pela mídia em Carmo do Rio Verde, a 176 quilômetros de Goiânia, cidade onde nasceram, os “meninos” de Dona Valentina voltaram ao Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo, o hospital (Crer), para uma nova bateria de exames. Desta vez, além de uma checagem geral da condição física e psicológica de cada um, os irmãos que sofrem de síndrome neurológica hipotônica, progressiva e irreversível, serão alvo de um estudo científico coordenado pelo fisiatra Rodrigo Parente Medeiros, que integra o corpo médico da instituição.

Aluno de mestrado na Universidade Federal de Goiás, o médico escolheu os irmãos Lemos Brito como foco de estudo para sua dissertação de mestrado. “Além de tentar fazer o diagnóstico preciso da síndrome que os acometeram, quero entender como conseguiram levar essa doença por cerca de 60 anos, como se adaptaram a ela”, explicou o fisiatra. Rodrigo Parente acredita que ao mergulhar na realidade da família poderá contribuir no futuro para diagnósticos mais precisos e ágeis, fator primordial para estimular o tratamento adequado capaz de oferecer melhor qualidade de vida a quem cuida e aos próprios pacientes que poderão tornar-se independente.

Pauleides, Carlos, Jorge e Ivany têm hoje idade entre 61 e 54 anos. Envelhecidos, estão acometidos de problemas de saúde decorrentes do avanço dos anos. Após a morte da mãe, Valentina, em julho de 2011, eles passaram a ser cuidados pela irmã mais velha, Maria Lemos, hoje com 67 anos. Emival, o quinto irmão com a síndrome, não suportou a ausência da mãe e acabou morrendo em outubro de 2011. Os irmãos, que perderam completamente o movimento das pernas, vivem hoje no Setor Finsocial, na região Noroeste de Goiânia.

EXAMES

Ao fazer a primeira visita à família para comunicar a intenção de fazer o estudo científico, Rodrigo Parente percebeu que os irmãos precisavam de cuidados médicos. “Como d. Maria é a única cuidadora, ela não estava conseguindo levá-los para exames periódicos. Se levasse um, não tinha com quem deixar os outros três”. Oito anos antes, os filhos de d. Valentina tinham ficado duas semanas no Crer para uma bateria de exames, o que facilitou o retorno deles agora. Desta vez, Pauleides, Carlos, Jorge e Ivany ficaram 19 dias, segundo Maria Lemos. “Eles foram muito bem tratados, graças a Deus!”, comentou a irmã. Os quatro foram avaliados por uma equipe multidisciplinar e passaram por uma série de exames e tratamentos.

Somente após essa revisão geral, os irmãos serão estudados pelo médico. Rodrigo Parente pretende fazer visitas periódicas à família para acompanhar o cotidiano dos irmãos e colher material. Inicialmente, o sangue de um deles foi retirado para exame genético. “Como é muito caro, cerca de R$ 10 mil, tentei obter apoio financeiro, mas não consegui. O laboratório em São Paulo entendeu que era para pesquisa científica e concordou em fazer um desconto”, disse o fisiatra. O material deverá ser encaminhado ao exterior. No Crer, eles ocuparam dois quartos e ficaram o tempo todo na cama ou em cadeiras de rodas quando eram transportados pra exames. “Eles estão loucos para voltar pra casa”, comentou d. Maria.

Para o fisiatra, os irmãos são muito bem cuidados. “A família adaptou a casa para a deficiência deles, é algo incrivel. Até os terapeutas daqui do Crer estão interessados em conhecer o que eles inventaram”, disse. Entre as invenções está o que foi batizado de “skibunda”, a metade de um latão de plástico utilizada para a locomoção entre os cômodos da casa. O médico tenta agora inserir os irmãos no programa Crer em Casa, oferecido pelo hospital, para que eles tenham atenção médica sem se deslocarem.

AUSÊNCIA

A história da família comoveu o Brasil em 2006. Então viúva e aos 78 anos, a dona de casa Valentina Lemes Brito mostrou toda a sua valentia na criação dos cinco filhos portadores da síndrome os quais chamava de “meus meninos”. Dos oito filhos que teve com o primo primeiro, só três não nasceram com a síndrome. As crianças mal começavam a andar e perdiam o movimento das pernas, passando a rastejar. Assim chegaram até a vida adulta.

Paulo, o filho sadio que era o braço direito da mãe em Carmo do Rio Verde, morreu repentinamente um ano depois. D. Valentina continuou a luta sozinha até julho de 2011 quando morreu. Emival, um dos “meninos”, partiu três meses depois. A irmã mais velha, Maria Lemos, tentou cuidar dos irmãos na cidade natal, mas preferiu retornar com eles para a capital.