A Margem

Data: 27 de novembro de 2014

Veículo: O Popular

 

Teatro, este oprimido

Existe uma campanha que vem sendo veiculada no início de várias peças teatrais pelo Brasil. Ela mostra os atores fazendo cara de contrariedade e com o rosto iluminado por luzes de celulares, smartphones e tablets de todos os modelos. Os artistas da arte milenar pedem que os equipamentos modernos não tumultuem a apresentação, pois tagarelar durante a encenação ou mesmo fazer despontar um facho de claridade em uma sala escura atrapalha o desempenho dos profissionais sobre o palco e incomoda as outras pessoas da plateia.

O que me impressiona é saber da necessidade de uma campanha dessa natureza. Desde a Grécia Antiga, passando pela arte das sombras japonesa, pelas peripécias no meio da rua da Idade Média, pela genialidade de Shakespeare nas margens do Tâmisa, pelas gargalhadas bem pagas de Molière, pelas experimentações de Brecht e Beckett, pelos musicais da Broadway e até pelo besteirol de alta bilheteria da atualidade, ir ao teatro era e sempre foi um momento de algum respeito pela arte da interpretação. Mesmo que houvesse quebra-paus homéricos em algumas peças mais esfuziantes de grandes gênios, isso também integrava o espetáculo. O que se vê hoje, não raramente, é um exército de pessoas pretensiosas que não se intimidam e muitos menos se envergonham em mandar às favas as regras da boa educação.

Dia desses, uma senhora xingou repetidamente o ator Ney Latorraca em cena aberta. Ele precisou interromper a peça para mandar a bruaca pro inferno, no que fez muito bem. Antônio Fagundes já estrelou um espetáculo inteiro cujo mote eram justamente os péssimos hábitos de parcelas do público que insistem em chegar atrasadas, conversar na hora errada e atender celulares no meio da encenação sem a menor cerimônia. Agora a onda é postar selfie para dizer que naquele momento “está curtindo uma peça maravilhosa” em algum teatro. Curtindo peça uma ova! Está, isso sim, teclando feito um alucinado para ganhar status entre os amigos do Face e do Instagram, sem ligar a mínima para o que os atores estão dizendo ali no palco em frente. É possível que até perguntem: “Essa peça fala do que mesmo, hein?”

O mundo já viu o Teatro do Oprimido, já derrubaram a tal da quarta parede do palco, as peças ficaram mais interativas e algumas contam até com efeitos especiais, com gente voando pra todo lado em cima da cabeça das pessoas. Como uma arte que se mantém há mais de 30 séculos, o teatro se reinventa para sobreviver. Desde as comédias e tragédias de Aristófanes e Eurípedes ou das análises críticas de Aristóteles, essa arte mudou muito. E quantos desdobramentos proporcionou! Dele vieram a literatura antiga e moderna, o cinema, a teledramaturgia. Nos palcos, o homem encontrou seus fantasmas, discutiu seus destinos, encarou seus medos, revelou suas virtudes.

Nas arenas ou nos edifícios confortáveis em que tal arte é exercida, a humanidade contou sua história, expôs seus segredos, filosofou sobre a vida e a morte, cometeu os mais atrozes crimes e os mais bravos atos de heroísmo. No solo sagrado de Medeia, de Édipo, do Avarento, onde vestidos de noiva e beijos no asfalto atormentaram tantas vidas, onde personagens procuraram um autor e pessoas esperaram por Godot, onde foram plantados jardins de cerejeiras e sangue brotou de navalhadas na carne, as almas de povos e épocas desfilaram.

Não é justo com o teatro ser tratado com tanta leviandade, tanto desprezo, tanta ignorância. Não é justo com o teatro ter em suas plateias tanta gente falastrona e tantas luzinhas de celulares.

Não é justo com o teatro ser tratado com tanta leviandade, tanto desprezo, tanta ignorância”

Gosto tanto dessa faixa... ela vem me acompanhando há muitos anos” Miguel Falabella, ator, autor e diretor, comentando a foto que mostra aviso de lotação esgotada na bilheteria de sua mais nova peça, O Que O Mordomo Viu

Livrarias

O principal shopping da cidade, o Flamboyant, assiste a uma disputa de duas livrarias. A Saraiva acaba de inaugurar sua nova loja no centro comercial, mais bonita e espaçosa. É uma reação à unidade da Fnac, que trouxe para Goiânia um conceito mais contemporâneo na área. Quem ganha é o consumidor, mas o embate poderia melhorar. Ambas estão a anos-luz em acervo, informação ao cliente e novidades que uma rede como a Cultura, que não tem em Goiânia, costuma oferecer. Continuam com velhos e irritantes defeitos, como seções de referência empobrecidas e atendentes perdidos.

Snoopy

Foi divulgado o trailer da animação para o cinema da turma do Charlie Brown e seu cachorrinho Snoopy. Pelo que se viu, o imaginário fantástico criado por Charles Schultz foi preservado, o que é uma excelente notícia. No trecho, Snoopy e o passarinho Woodstock se envolvem em confusões e o cachorro faz o tradicional uso de sua casinha como um avião de batalha. O “combate” acontece nos céus de Paris. Tudo muito lúdico, com aquela trilha sonora ao piano encantadora. Claro que estou, como fã incondicional desse desenho maravilhoso, ansioso para ver o filme.

RABISCOS

Rabiscos

■ O historiador Daniel Aarão Reis virá a Goiânia, na primeira quinzena de dezembro, para lançar sua elogiada biografia do líder comunista Luís Carlos Prestes.

■ Neste sábado, na Pizzaria Geppetto, o diretor teatral Danilo Alencar, do Grupo Guará, faz pré-estreia de sua nova produção, uma adaptação do conto Soroco, Sua Mãe, Sua Filha, de Guimarães Rosa. No domingo, tem apresentação no Espaço Cultural UFG.

■ A Quasar Cia. de Dança também estreia coreografia nova, Sobre Isto, Meu Corpo Não Cansa, nos dias 2 e 3 de dezembro, no Teatro Goiânia.