Número de escolas rurais cai pela metade em Goiás

Data: 30/11/2014

Veículo: O Hoje

 

Dados do Inep revelam que, nos últimos 10 anos, 560 unidades fecharam as portas. Um dos principais motivos é o custo de manutenção

Alunos da Escola Rural Serra Negra, de Piracanjuba, enfrentam mais de quatro horas de viagem para estudar. (Foto: André Costa)

 

Kamylla Rodrigues e Pedro Nunes

Nós só conseguimos manter a escola funcionando com a força de vontade dos educadores e dos vários parceiros que acreditam em nosso poder de transformação”, relata a coordenadora da Escola Municipal Serra Negra, localizada na Zona Rural de Piracanjuba, Neidia Maria da Costa. Ela revela que a única ajuda que a unidade de ensino recebe em dinheiro é o valor de R$ 7 mil por ano repassado pelo Governo Federal. “Para uma escola que mantém 115 alunos isso é quase nada”, desabafa.

A Escola Serra Negra, que nasceu dentro da casa do agropecuarista Pedro Souza Cavalcante na década de 60, manteve as portas abertas graças ao empenho dos educadores e da comunidade. Hoje, as dificuldades continuam. “Recebemos pouco incentivo financeiro do governo federal. A prefeitura disponibiliza serviços quando precisamos, por exemplo, em uma reforma. Mas o resto somos nós que arcamos. Para isso, promovemos eventos e festas para segurar o ano letivo. É um se vira nos 30”, conta Neidia.

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Crianças exibem desenhos que retratam o cotidiano delas na escola. (Foto: André Costa)

A escola rural é uma das cinco sobreviventes em Piracanjuba, que precisam se virar para pagar os custos de manutenção. Essa é, justamente, a realidade da maioria das unidades em Goiás. Para especialistas, a falta de investimento é um dos principais fatores para o fechamento de escolas no campo. Nos últimos 10 anos, o número foi reduzido quase pela metade no Estado. De 1.146 para apenas 586, segundo dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Em média, 56 escolas rurais são fechadas por ano. No Brasil o cenário é ainda pior: 3.250 encerram as atividades anualmente.

Para a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Rusvênia Luiza da Silva, que coordenou um estudo sobre as escolas do campo em Goiás, as prefeituras preferem investir na migração dos alunos, o que provoca a queda brusca do número de unidades. “É mais fácil e barato investir no transporte dos alunos para as cidades, do que melhorar as escolas do campo. Sem alunos e, na maioria das vezes, sem estrutura adequada, as escolas são obrigadas a fechar. Isso acaba gerando outro problema, que é o desgaste desses estudantes. Por conta da longa distância que eles precisam enfrentar de suas casas até as cidades, muitos já chegam cansados, com fome e com sono, o que compromete o rendimento em sala de aula”.

As salas chamadas multisseriadas – várias turmas juntas – também influenciam no aprendizado. “Alunos de séries diferentes aprendem o mesmo conteúdo porque não há professores suficiente para suprir a demanda, mais um problema enfrentado no campo”. Ela cita as condições de trabalho como um dos fatores para a falta de educadores nessas regiões. “Em várias ocasiões, os professores fazem outros serviços para manter a escola. Ajudam a fazer a merenda e até a limpeza. Além disso, o salário não é atrativo”, diz.

De acordo com a pesquisadora, a soma desses fatores provoca também a queda do número de alunos que frequentam as escolas. De 2003 a 2013, 16.380 crianças e adolescentes deixaram de estudar em escolas do campo, segundo o Censo Escolar. “Os jovens do campo têm perspectivas de se formar, se profissionalizar e essa primeira escola é a base de tudo. Se ela tiver problemas, a educação também será afetada. Por isso, muitos acreditam que as unidades urbanas são mais eficientes”, acredita a Rusvênia.

Governo

O presidente da Agência Goiana de Municípios (AGM), Cleudes Baré Bernardes, afirma que falta recursos para manter as unidades funcionando. “É da responsabilidade de cada prefeito manter as escolas de ensino básico e fundamental, mas a questão é que não temos dinheiro para isso. O governo federal repassa R$ 0,33 centavos para a merenda escolar por aluno ao dia, por exemplo. É impossível manter um aluno nessas condições”, reclama.

Segundo ele, a migração dessas crianças para as cidades tem sido a melhor opção enquanto os municípios lutam por uma fatia maior da arrecadação do país. “O transporte desses alunos do campo até as cidades garante o estudo delas. É utopia dizer que precisamos manter os alunos do campo no campo. Não há recursos para isso. Nós fazemos o que está ao nosso alcance e precisamos com urgência de mais recursos”, disse.

A gerente de apoio da superintendência de ensino fundamental da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), Ana Paula Gomes Vieira Silva, afirma que desde 2011 a administração estadual intensificou investimentos na implementação dos programas de formação de professores, além de repasses para os Conselhos Escolares destas unidades educacionais com a finalidade de melhorar a infraestrutura. “Com o programa Nossa Escola, o Estado distribuiu mais materiais pedagógicos, adquiriu mais veículos traçados para o deslocamento dos alunos e ainda abrangeu o apoio e acompanhamento às escolas do campo”. O valor aplicado até este ano não foi divulgado.

Impactos na economia

Segundo a coordenadora do programa Agrinho – uma iniciativa do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar Goiás) – Maria Luíza Batista, esses problemas geram impactos na produção rural, que está cada vez mais carente de mão de obra qualificada. “Além da grade curricular normal de ensino não contar com matérias direcionadas ao trabalho no campo, o grande problema hoje é a sucessão familiar. As crianças não querem mais ficar no meio rural e acham que a cidade é o local onde terão mais oportunidade de emprego. O que não é verdade. Várias profissões rurais têm salários melhores do que as urbanas”, revela.

Segundo ela, não só Goiás, mas o país andou na contramão ao incentivar a migração de alunos. “Hoje é o agronegócio que sustenta o PIB brasileiro. É a produção rural que abastece as cidades. Sem mão de obra qualificada, o produtor rural perde e consequentemente a economia também”, enfatiza.

Soluções

De acordo com Maria Luíza, uma das formas para reverter essa situação é o Agrinho que tem como objetivo complementar a metodologia do ensino formal na educação infanto-juvenil. “O projeto trabalha com escolas da rede pública e desenvolve uma proposta pedagógica com temas transversais dentro do currículo normal. Ele desperta a consciência do que cada um pode fazer para melhorar a escola, a casa e o meio em que ele vive”, explica.

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O parque criado pela escola atende também a comunidade local. (Foto: André Costa)

Os professores passam por uma capacitação em Goiânia e depois transmitem o que aprenderam para os alunos. Juntos, eles desenvolvem vários projetos que concorrem a prêmios como bicicletas, computadores e até carros e motocicletas. A Escola Serra Negra, que participa do projeto desde que ele foi iniciado, em 2008, faturou este ano cinco prêmios. Entre os projetos premiados estão a construção de uma academia ao ar livre e um parque, ao lado da escola e que a comunidade local também tem acesso, além de uma pista de caminhada e até o reflorestamento de algumas áreas com árvores nativas.

Para o professor de educação física da escola, Fred Evangelista Trindade, o projeto tem relação direta com a qualidade de vida de quem usufrui dessas instalações. “O esporte e a prática de exercícios físicos proporcionam isso. E não só a parte estrutural, mas a mudança no hábito alimentar, também estimulado por muitos de nós, beneficia o aluno que transmite o aprendizado para a família”, ressalta.

O desafio enfrentado pelas unidades é custear essas ações. Por isso, Neidia Maria precisa contar com parcerias. “Nós recebemos R$ 7 mil por ano do governo federal. Não conseguimos fazer tudo que precisamos com esse valor. São entidades, empresas, sindicatos, entre outros, que empregam verba e tornam nossos planos realidade”, explica.

Sonhos

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Paulo, Marcela e Mariane caminham por alguns minutos pela estrada de chão até o local onde pegam o ônibus. (Foto: Carlos Costa)

Marcela e Mariane sonham em ser médicas. (foto: Carlos Costa)

Marcela e Mariane sonham em ser médicas. (foto: Carlos Costa)

Essa nova visão de como cuidar do campo transformou a vida de Paulo Antônio José Souza, de 12 anos, que está no 7° ano do ensino fundamental. Ele sonha em se tornar um engenheiro agrônomo e trabalhar no local onde nasceu. “Eu gosto da fazenda e do meio rural, porque é minha casa e me orgulho disso. Assim como meus professores, eu quero contribuir de alguma forma para melhorar o campo”.

Ele e as colegas de turma Mariane Dias de Oliveira e Marcela Santos, ambas de 12 anos, enfrentam um longo caminho para estudar. Eles saem de casa às 10h e após alguns minutos de caminhada e mais de duas horas de ônibus chegam na unidade às 12h30. Apesar das dificuldades, elas enxergam na escola uma oportunidade para se tornarem médicas. “Eu acredito que é por meio dos estudos que podemos tornar nosso sonho realidade e, principalmente, transformar a vida das pessoas”, enfatiza Marcela.