Um tipo em extinção

Data: 14 de dezembro de 2014

Fonte/Veículo: O Popular

 

14 de dezembro de 2014 (domingo)

Não foram só as antigas máquinas de linotipo que deixaram a aposentadoria. Quem as manuseia também precisou voltar ao batente. E olha que anda quase impossível encontrar profissionais que ainda saibam trabalhar no ramo. “As pedras parecem se encontrar. O que tem que ser vai ser”, filosofa Ronaldo Soares dos Santos, 70 anos, mais de 45 deles montando, letra a letra, a imaginação e a informação de incontáveis leitores.

“Eu já trabalhei em um monte de lugares. Em jornais de São Paulo, aqui de Goiás, já trabalhei em Brasília, no Mato Grosso. E quando eu parei, acabei vindo morar aqui pertinho da UFG. Se não fosse isso, eles não tinham me encontrado”, narra, sem parar de azeitar os mecanismos e as engrenagens da máquina que limpou e da qual já tirou um livro.

Ele aprendeu o ofício em um curso do Senai no final dos anos 1960 e seu professor era o antigo linotipista do Cegraf. “Quando este professor morreu, o senhor Lázaro, há quase 15 anos, não conseguimos encontrar outro profissional que se dispusesse a fazer esse trabalho”, informa o professor Anton Corbacho, diretor do Cegraf. Até que chegaram a Ronaldo, que aceitou o convite como um desafio.

“Isso aqui é uma cachaça. A gente começa e não quer parar”, compara. “Não encaro isso aqui como um trabalho. Para mim é um prazer.” Mas não foi fácil não. As máquinas de linotipo têm pequenas caldeiras onde o chumbo derretido a 600 graus é conservado para moldar as letras nas chapas. Nos equipamentos da UFG, esse recipiente estava cheio de resíduos.

Limpar, lavar, organizar os tipos demandou bastante tempo de Ronaldo. Mas ele, devagarzinho, conseguiu fazer tudo e percebeu que o equipamento, fabricado em Nova York, ainda dava para o gasto. “Isso aqui não estraga fácil não. Ainda temos máquina aqui para 100 anos de impressão”, assegura.

Uma outra unidade está passando pelo mesmo processo. “Com esta outra, eu ainda não acabei, não sei o que vai precisar”, diz o linotipista. O terceiro equipamento do modelo não será reativado e sim servirá como fornecedor de peças de reposição para as duas outras máquinas, já que esses componentes são muito complicados de adquirir. “O primeiro livro que imprimimos tem uma qualidade muito boa. E nossa intenção é melhorar em cada trabalho”,

MATRIZES

Ronaldo ensina que as máquinas do Ateliê Tipográfico da UFG funcionam com quatro chapas e nelas vão tipos (caracteres) de tamanhos diferentes. Elas têm 90 teclas para gravar os tipos em uma chapa. Para cada caractere, há 20 matrizes diferentes, proporcionando um leque de 1.800 tipos, que incluem letras, números e sinais de pontuação e acentuação.

Os corpos dessas letras geralmente são nos tamanhos 10, 12, 14 e 16. “Os de tamanho 10 estão faltando alguns, está meio baqueado. Os outros estão completos”, assinala Ronaldo. Ele garante que tem olhos de lince para não deixar passar erros. “E precisa ser bom em português para saber o que pode estar errado”, acrescenta. Um livro não muito extenso, segundo ele, é composto e impresso em uma semana.