Colégio Sant’Anna fecha as portas

Data: 21/12/2014

Fonte/Veículo: O Popular

 

Uma parte significativa da história da cidade de Goiás será sepultada com a chegada de 2015. Depois de 126 anos funcionando ininterruptamente, o Colégio Sant’Ana, responsável pela formação de várias gerações, não será reaberto para receber estudantes. De propriedade da Congregação Dominicana da Província Nossa Senhora de Guadalupe, a instituição sucumbiu à falta de alunos e às dificuldades financeiras. A desativação do estabelecimento já foi comunicada aos pais de alunos e à comunidade vilaboense. Há negociações para que o prédio, na Praça Brasil Caiado, o Largo do Chafariz, seja ocupado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), que já o utiliza parcialmente.

A notícia da desativação do lendário Colégio Sant’Ana surpreendeu os vilaboenses. “Como assim? Estou espantada!”, reagiu a dona de casa Geracina de Oliveira Bastos, de 75 anos, ao tomar conhecimento da notícia na quarta-feira. Por ter sido criada na zona rural, ela não realizou o sonho de estudar na instituição, mas suas filhas e netos tiveram a oportunidade que ela não teve. “Eu tinha loucura para estudar aqui. Lembro direitinho do uniforme que achava lindo”, busca na memória. “Para nós foi um susto muito grande saber que um colégio com essa história vai fechar, ainda mais porque Goiás é Patrimônio da Humanidade”, comenta a vereadora Márcia Cristina Parreira Santos (PTB).

A reação foi imediata também entre ex-alunos, como Circe de Camargo, há sete anos aposentada do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) e novamente cidadã vilaboense. “A minha grande preocupação é a memória da escola. Quando a capital foi transferida para Goiânia no fim da década de 30, o Colégio Sant’Ana foi o único que ficou aqui. O acervo precisa ficar na cidade de Goiás”, diz, enquanto mostra uma série de reminiscências familiares vinculadas à instituição. A mãe, Luíza de Camargo Ferreira, poetisa que integrou a Academia Feminina de Letras, foi aluna da escola no início do século 20 e suas quatro filhas também.

Circe estudou na escola do jardim de infância ao curso normal. Em 1996, ela participou de um encontro com ex-colegas para lembrar os 30 anos de formatura de ginásio. O advogado aposentado e também ex-aluno do Sant’Ana, Hecival Alves de Castro publicou no jornal local, O Vilaboense, o artigo Lembranças em Azul e Branco em referência à comemoração. “O que intriga é que foi uma decisão unilateral e não há uma explicação razoável. A sociedade não foi consultada”, garante Hecival, de 75 anos. Além dele, as irmãs, a ex-mulher e os quatro filhos estudaram no colégio. “O fechamento é um crime contra o ensino em Goiás”.

Logo que foi tomada a decisão de finalizar a trajetória de ensino da escola, a prior da congregação, irmã Maria de Jesus Ferreira da Silva, a irmã Djê, chamou as diretoras dos Museus Casa de Cora Coralina e da Boa Morte, Marlene Velasco e Antolinda Borges. “Ela estava muito triste”, lembra Marlene. De imediato foi discutida a possibilidade de manter na cidade o acervo afetivo, principalmente fotografias que desde 1992 estão no Centro de Memórias do colégio, idealizado pelo vilaboense Marco Antônio Veiga. “Irmã Djê se mostrou bastante interessada”, disse a diretoria do Museu Casa de Cora. Pleiteando o acervo, o arquivo histórico Fundação Cultural Frei Simão Dorvi, da cidade, encaminhou ofício à instituição, mas ainda não obteve resposta.

A difícil situação financeira da instituição não era desconhecida dos pais de alunos. No ano passado, as últimas séries do ensino fundamental foram desativadas. Em 2014, o estabelecimento que já chegou a ter 800 alunos, funcionou com apenas 143 do ensino básico. Os pais foram convidados a debater o problema em maio e em novembro, mas no dia 1º de dezembro foram comunicados da decisão. “Encerramos as atividades do Colégio Sant’Ana com tristeza, com muita tristeza”, escreveu a Irmã Djê na Carta Aberta à Comunidade Vilaboense. O trabalho das Irmãs Dominicanas continua na cidade de Goiás através do colégio infantil Lar São José, que é da Diocese de Goiás, mas administrado pelas irmãs, e do Asilo São Vicente de Paulo.

Há 15 anos no comando da Diocese de Goiás, d. Eugênio Rixen chegou a participar de reuniões para discutir a crise financeira do Colégio Sant’Ana. Para manter a escola funcionando, ele sugeriu a criação de uma associação de pais, mas a ideia não vingou. “A propriedade é delas, não é da Igreja. Há muito tempo as irmãs vinham reclamando que o colégio estava deficitário”, diz.

Em 1885, a convite de frades dominicanos, chega ao Brasil um grupo de irmãs missionárias evangelizadoras da Congregação Dominicana de Nossa Senhora de Monteils, criada em 1850 no sul da França. Inaugurado em 1889, o Colégio Sant’ Ana, foi a segunda casa da missão no País, depois de Uberaba (MG). Inicialmente, era uma instituição apenas para meninas, mas logo foi aberta também para o sexo masculino. Por vários anos manteve um internato, acolhendo estudantes de diversas cidades goianas e também de outros Estados.

Já no primeiro dia de funcionamento apareceram centenas de interessadas. Inicialmente, a escola foi instalada na casa do bispo. Já considerada a principal escola feminina de Goiás, passou a funcionar em três casas no Largo do Chafariz. O prédio atual foi erguido na década de 1950, mas ganhou nova fachada na década de 1970. É parte integrante do conjunto arquitetônico do Largo do Chafariz, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

 

Escola é deficitária há duas décadas

Gestora administrativa da congregação em Goiás, a irmã Madalena dos Santos, recebeu O POPULAR para falar da decisão. Segundo ela, há mais de 20 anos o Colégio Sant’Ana estava deficitário e uma avaliação realizada em 2008 já indicava a desativação. Além da redução gradativa no número de alunos, o que agravou o problema foi a alta inadimplência e a prática de descontos nas mensalidades. De acordo com ela, em 2014, havia sala de aula com sete alunos. Em outra, com 19 estudantes, o porcentual de descontos chegou a mais de 300%. “Para as irmãs é muito sofrido interromper 126 anos de prática pedagógica. Muito sofrido”, reforça a gestora da congregação.

Há seis anos, de acordo com irmã Madalena, a situação começou a ser discutida com os pais. Para driblar as dificuldades financeiras, um convênio com o Estado foi celebrado, mas o repasse tardio de recursos inviabilizou a proposta. Com o colégio deficitário, as outras unidades da congregação - o Externato São José, de Goiânia, e o Colégio Santa Rosa de Lima, do Rio de Janeiro - passaram a cobrir o rombo financeiro da instituição vilaboense. “Em 2014 só conseguimos quitar a folha de pagamento dos 25 funcionários graças à locação parcial do prédio para a Universidade Federal de Goiás (UFG)”, diz a freira. Pelo contrato, a universidade ainda ficou responsável pela conta de energia elétrica.

Com regional na cidade de Goiás desde 2009, a UFG foi contatada pelas dominicanas para saber do interesse em ocupar parte do prédio em decorrência do fechamento de algumas turmas. Mesmo tendo construído uma unidade na antiga capital, a UFG locou parte do Colégio Sant’Ana em 2014 onde ministra aulas de três cursos da área de Ciências Humanas. “Com a decisão de fechar definitivamente o colégio, fomos novamente procurados para saber do interesse em ocupar o espaço restante. A resposta, foi positiva”, afirma o professor Gonzalo Armijos Palacios, chefe da Unidade Especial de Ciências Humanas da UFG.