A vez das OSs nas escolas

Data: 11 de janeiro de 2015

Veículo: O Popular

 

Terceirização da gestão de escolas públicas de Goiás vem sendo discutida pelo governo e divide opiniões

Andréia Bahia

 

A experiência de Pernambuco

 

A transferência da gestão de escolas públicas estaduais para Organizações Sociais (OS) já está em andamento. Os centros de educação profissional serão os primeiros a adotar o modelo já implantado em hospitais estaduais. Uma proposta de contratação de OSs para gerir as unidades de escolas profissionais foi encaminhada, ano passado, pela Secretaria de Ciência e Tecnologia (Sectec) à Casa Civil. “A proposta existe, a discussão existe e há a vontade política, mas ainda não há decisão e nem modelagem”, afirma o secretário da Casa Civil, José Carlos Siqueira.

Na Ciência e Tecnologia, a informação passada pelo superintendente executivo da pasta, Mauro Faiad, é outra. Faiad afirma que há uma determinação do governo em repassar para as OSs a parte operacional dos institutos e colégios tecnológicos e que uma comissão criada em maio do ano passado apontou para a conveniência de se adotar o modelo, que, no momento, vem sendo adequado às especificidades das escolas. De acordo com ele, a proposta ainda não foi encaminhada à Casa Civil. “Solicitamos à Casa Civil autorização para criar a comissão que analisaria a medida.”

Todavia, Siqueira informou que a proposta já foi repassada para análise do Conselho Estadual de Investimentos, Parcerias e Desestatização e Conselho Gestor de Parcerias Públicas Privadas (Cipad). A previsão é de que a licitação para escolha das OSs ocorra ainda este semestre. A Sectec, que com a reforma administrativa, virou uma superintendência da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Científico, Tecnológico e da Agricultura, administra 17 institutos e colégios tecnológicos que ministram cursos profissionalizantes. Outros cinco estão em construção.

O governador Marconi Perillo admitiu, em recente entrevista coletiva, que está disposto a avaliar a possibilidade de estender o modelo de gestão por OS também às escolas de ensino fundamental e médio e adiantou que, na opinião dele, o modelo já adotado na saúde cabe na educação. O governador chegou a ter uma discussão preliminar sobre este tipo de parceria com o ex-secretário Thiago Peixoto.

Oficialmente, o tema ainda não entrou na pauta da Secretaria de Educação, mas logo na primeira conversa que a secretária de Educação, Raquel Teixeira, teve com Marcos das Neves, superintendente Executivo de Educação, ela comentou sobre o interesse na implantação do modelo de gestão. Marcos das Neves, mais conhecido como Tucano, é dono da escola particular que obteve a segunda melhor nota do último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em Goiás e sempre atuou na iniciativa privada. Assim que Marcos foi anunciado superintendente especulou-se que a nomeação seria parte do processo de terceirização da gestão escolar, o que ele nega.

 

Marcos das Neves

 

“Do jeito que a administração pública é, não tem jeito”

Superintendente Executivo de Educação, Marcos das Neves, conhecido como Tucano, assume o cargo no governo estadual com a missão de implantar nas escolas estaduais uma metodologia mais próxima das particulares

 

O que o senhor sabe sobrea terceirização das escolas estaduais?

Obviamente, a professora Raquel falou, já naquele momento, da intenção do governador de estudar a possibilidade de implantar OSs na rede publica de ensino, mas que ela argumentou com o governador que na educação o processo não é tão simples porque na saúde para resolver um problema de um paciente são 3, 4, 5 dias; um aluno você fica com ele até 14, 15 anos. É um processo. Não existe hoje na secretaria nada em função de OSs. O que ela me disse e qual a briga que eu encontrei: implantar na rede publica estadual paulatinamente o mesmo sistema que implantei e conheço na iniciativa privada.

 

Em sua opinião é possível transferir a gestão de uma escola pública para uma organização social?

De uma escola para a iniciativa privada, isso até já existe, as parcerias, mas uma rede de ensino para a iniciativa privada é outra coisa. Quando se fala em iniciativa privada pensa-se obviamente em lucro.

 

As OSs teriam condição de melhorar a qualidade do ensino público em Goiás?

Acho em longo prazo. E se não melhorar, pode-se trocar a OS. Hoje, do jeito que a administração pública é, não tem jeito. É preciso melhorar com o que você já tem. Jeito tem jeito e a administração antiga mostrou isso, mas é um processo lento e existem vários entraves.

 

Pernambuco foi pioneiro, mas não manteve gestão

 

O processo de transferência da gestão de escolas públicas estaduais para Organizações Sociais (OS) ainda não tem um modelo a ser adotado pela Secretaria de Educação. A inspiração inicial vêm das escolas militares, administradas pelo Comando Militar e que lideram o ranking regional das escolas públicas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O governo já mantém uma espécie de parceria com a iniciativa privada por meio de convênios que disponibilizam vagas em escolas filantrópicas que são pagas pelo Estado.

A parceria publico-privada na educação no Brasil é incipiente. Houve, em 2005, uma experiência em Pernambuco, onde foi implantado o modelo americano denominado charter nos Centros de Ensino em Tempo Integral (Procentro). A experiência foi estudada pela Fundação Itaú Social, que lançou um livro sobre o tema em 2010. De acordo com a publicação, o modelo prevê a seleção criteriosa dos professores, autonomia da gestão escolar, carga horária de aulas ampliada, metas e avaliações frequentes.

No modelo adotado em Pernambuco, as escolas são subsidiadas pelo Estado e gerenciadas por uma instituição do setor privado, geralmente sem fins lucrativos. Possuem autonomia administrativa inclusive para contratar profissionais sem concurso público e que não estão sujeitos ao piso salarial da rede pública. Os alunos são selecionados por meio de sorteio, mas só permanecem nas escolas aqueles de “alto comprometimento escolar”. Hoje, este não é mais o processo utilizado pela rede de ensino pernambucana. (AB)

 

Especialista contesta terceirização de escolas

 

Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) e diretor Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Luiz Araújo, a terceirização da gestão das escolas públicas é um “desastre”. Segundo ele é mais uma alternativa que os governos encontram para baixar os gastos com educação. “É uma reedição da antiga prática de contratar vagas em escolas filantrópicas e comunitárias comum na década de 70.” Segundo o professor, o governo do Distrito Federal terceirizou as creches e a qualidade nessas escolas não melhorou; “pelo contrário”. Em Belo Horizonte, relata o professor, o governo contratou a construtora Odebrecht para construir escolas e repassou a gestão dessas unidades para a empresa, “que nem é do ramo da educação”.

A única justificativa que Araújo vê para que se terceirize o ensino profissionalizante em Goiás é a economia, já que essas escolas têm um custo três vezes maior que as de ensino médio. Segundo ele, a rede publica federal e estadual detém as melhores experiências nessa modalidade de ensino. “Por que transferir para OS”, questiona. (AB)

 

Educadores goianos levantam prós e contras 

A proposta de transferência da gestão de unidades de educação do Estado para Organizações Sociais (OSs) divide a opinião de educadores goianos. A professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) Marilza Vanessa Rosa Suanno, coordenadora da Rede Internacional de Escolas Criativas, vê com preocupação a possibilidade. “Se esta proposta for realmente apresentada, será objeto de embates e enfrentamentos, pois poderá sinalizar para a transferência de verbas públicas para a iniciativa privada.”

Na opinião de Marilza, seria a privatização do bem público. Juízo que divide com o professor Carlos Cardoso Silva, da faculdade de Educação da UFG. “Se o bem público tem o Estado para gerir e este passa a gestão para uma OS significa que é incompetente para fazer a devida gestão do bem do povo?”

O professor Aldimar Jacinto Duarte, professor do Programa de Pós-graduação em Educação da PUC é contra a mudança. “É uma falácia dizer que isso vai melhorar a qualidade do ensino público porque já está comprovado que a educação avança com a ação pública”, avalia.

A presidente do Conselho Estadual de Educação (CEE), Maria Ester Galvão de Carvalho, parte do princípio de que “como está não dá para ficar” para analisar a proposta de terceirização das escolas. “O cenário é favorável a novas tentativas e se funciona na saúde pode funcionar na educação.” (AB)