Cuidado na hora da decisão

Data: 18 de janeiro de 2015

Fonte/Veículo: O Popular

 

Possibilidade de candidato escolher instituições e cursos distintos pode ocasionar decisões mal sucedidas

Malu Longo

18 de janeiro de 2015 (domingo)

 

 

A partir de amanhã, estudantes brasileiros que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e não tiraram zero na Redação poderão se inscrever, pela internet, no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) que está oferecendo neste semestre 205.514 vagas no ensino superior público, 20% a mais do que no primeiro semestre de 2014. São 128 instituições espalhadas por todo o território nacional, entre universidades federais, institutos federais de Educação, Ciência e Tecnologia e centros federais de Educação Tecnológica (Cefet).

Cada candidato pode escolher até duas opções de curso no ato da inscrição e fazer alterações de curso e de instituição até o último dia de fechamento do sistema - às 23h59 do dia 22 de janeiro, considerando o horário de Brasília. As notas de corte para cada curso mudam à medida que os candidatos vão solicitando vagas. No final, o sistema considera a última inscrição feita pelo estudante.

Essa dinâmica pode provocar indecisões e escolhas mal sucedidas, induzindo à evasão. Foi o que ocorreu com a administradora Anna Érica Bernardes, de 37 anos, que tenta agora uma vaga em Medicina. No ano passado, com a pontuação obtida no Enem, ela conseguiu se inscrever no curso da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), no campus de Imperatriz. Mãe de duas meninas, de 9 e 6 anos, ela chegou a viver alguns dias na cidade, mas não se adaptou. “Vários fatores me fizeram desistir, desde o aspecto cultural até as condições de infraestrutura da cidade e da universidade”, conta. Segundo Anna Érica, apenas 40% das residências de Imperatriz possuem ligação com a rede de esgoto e a coleta de lixo da cidade é incipiente. “Em termos de infraestrutura é muito diferente de Uberlândia, onde nasci, e de Goiânia, onde moro”.

O que mais impressionou Anna Érica foi a condição do curso. “O prédio da Medicina em Imperatriz não estava pronto, não tinha nem mesmo laboratório de Anatomia. Para cumprir a carga horária os alunos tiveram de ir para São Luís uma semana para fazer a disciplina. Só tivemos uma aula prática com coração bovino, que os alunos tiveram de levar”, lembra rindo. Segundo ela, um colega de 19 anos também desistiu ao se decepcionar com a estrutura do curso. Anna Érica voltou para o cursinho na esperança de conseguir uma vaga em Goiânia ou Uberlândia.

Para o diretor do curso Prepara Enem, de Goiânia, Alexandre Pullig, a grande maioria dos alunos opta por instituições mais próximas de casa, mas equívocos são passíveis de ocorrer diante da ansiedade dos estudantes em entrar na universidade. “Preparamos o aluno para a realização de um sonho e sempre o orientamos sobre a importância da escolha que ele vai fazer, mas quando ele consegue passar, essas observações passam a ser secundárias”, diz o professor. Para ele, a democratização do ensino público proposta pelo Enem não ocorre tão substancialmente. “A maioria esmagadora fica no próprio Estado. A maior migração está no curso de Medicina”, acredita.

No momento de fazer a inscrição no Sisu, são comuns o monitoramento da nota de corte dos cursos escolhidos e os questionamentos: Mudo para um curso com nota de corte menor ou arrisco? Tento uma universidade em outro Estado?

EVASÃO

No ano passado, a evasão provocada pelo Sisu foi tema de debate entre o Ministério da Educação (MEC) e a Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Uma das pessoas que expôs publicamente sua opinião foi o doutor em Políticas Públicas e professor da Universidade Federal do Maranhão, Carlos Agostinho Couto. Para ele, ao permitir várias chamadas, o Sisu levava o estudante a trocar de curso mesmo depois de matriculado. “A concorrência real deveria estar baseada nos que pretendem mesmo cursar a faculdade desejada”, disse na época. Então reitora da Universidade Federal de Pernambuco, Maria José de Sena defendeu a inscrição em apenas um curso com indicação em duas instituições e o fim da consulta ao ponto de corte. As discussões surtiram efeito.

Em 2015, pela primeira vez, o Sisu terá apenas uma chamada. As convocações seguintes serão por listas de espera de cada universidade. O ajuste foi uma reivindicação das instituições federais que reclamavam do atraso no calendário letivo provocado pelas duas chamadas. A expectativa é que ele também contribua para reduzir as escolhas equivocadas.

Thaynara Mercadante, de 17 anos, aluna do Colégio Santo Agostinho, tirou 960 em redação e fez boa pontuação geral no Enem. “Como minhas notas foram bem acima da média nacional e da região Centro-Oeste, acredito que consigo ficar na UFG”. O curso de Medicina na federal goiana é a primeira opção da jovem, mas ela não descarta a possibilidade de ser obrigada a sair para estudar fora. “Se não der UFG, vou tentar a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) ou a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte”.

A respeito da decisão vocacional, Thaynara diz que não tem dúvidas. “Minha mãe é enfermeira e como já fiz quatro cirurgias tive oportunidade de conversar com vários médicos, o que me influenciou ainda mais”. Entretanto, deixar Goiânia não está muito em seus planos. “Tenho sofrido um pouco pensando que posso viver fora. Realmente este não é meu desejo”.

É o que também pensa Caio Fernandes, de 19, aluno do Prepara Enem, que conseguiu 980 em redação e vai pleitear uma vaga em Engenharia Civil na UFG. “Ainda estou em dúvida se vai dar para entrar na UFG, mas gostaria muito de ficar mais perto de casa”, afirma. Caio acredita que se decidir estudar fora será dispendioso para os pais, um bancário e uma esteticista, pais de três filhos. “São muitos gastos”. Para o estudante, antes de optar por uma cidade, o candidato deve buscar informações e conversar com os pais para saber se eles têm condições de mantê-lo fora de casa.