Com menos chuva, mananciais podem ficar comprometidos

Data:01 de fevereiro de 2015

Fonte: O Popular

 

Tempo mais seco em janeiro e fevereiro deixa técnicos preocupados com situação no meio do ano

Gabriela Lima

Ricardo RAfael

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Ponto de medição do Rio Meia Ponte em fazenda particular de Goiânia: nesta época do ano, rio deveria estar mais cheio

 

Um estudo feito pela Agência Nacional das Águas (ANA) de 2011 alertava para a necessidade de substituição de mananciais que abastecem 32 cidades goianas até 2015 – dentre elas estão 9 das 10 maiores do Estado. Caso contrário, 3,5 milhões de pessoas que moram nestes municípios sofreriam com a falta de água. O Atlas Brasil - Abastecimento Urbano de Água confrontou a demanda projetada para este ano com a disponibilidade hídrica do manancial (superficial ou subterrânea) de cinco anos atrás, levando em consideração a infraestrutura de cada sistema e os cálculos hidrológicos observados ao longo dos anos.

De lá para cá, a situação ficou ainda mais preocupante, pois a análise não levou em conta a possibilidade de diminuição do recurso. Por conta da falta de chuvas, especialistas alertam para uma mudança de comportamento dos consumidores e não descartam um cenário ainda mais seco a partir de julho.

“O Atlas estudou o crescimento natural da demanda de água em relação à oferta. O que se verifica hoje em muitos lugares do País é uma estiagem com reflexo na redução da oferta de água dos mananciais utilizados”, afirma a especialista em recursos hídricos da ANA, Elizabeth Juliatto.

Os meses iniciais do ano estão, normalmente, dentro do período chuvoso em Goiás. É o momento em que ocorre a recarga dos aquíferos que vão suprir as nascentes e poços durante o período de seca, geralmente de maio até meados de outubro. Mas neste janeiro, as precipitações no Estado foram de pouco mais de 11% do esperado para o mês, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

Em Goiânia, a principal estação climatológica do Inmet registrou, até o último dia 28, 66 mm de chuva. Ao fim do mês, esse índice dificilmente ficará acima da metade da precipitação registrada no ano passado, que foi de 143,6mm. “Lembrando que em 2014 também ocorreu uma massa de ar seco na região, com chuvas abaixo do previsto”, explicou a meteorologista Marna Mesquita.

A meteorologista alerta ainda que a previsão para fevereiro é de precipitações abaixo da média. Chuvas constantes mesmo, só no mês de março.

Se confirmada a previsão, estaremos diante de um cenário preocupante, segundo o representante da Associação Brasileira de Recursos Hídricos e vice-presidente do Comitê da Bacia do Meia Ponte, Marcos Correntino. “Corremos o risco de faltar água a partir de agosto nos pontos mais altos e nas pontas do sistema. Porque, além da diminuição da oferta, há o aumento da demanda.”

Segundo Correntino, a situação nesse início de ano está relativamente tranquila porque, com as chuvas de novembro e dezembro, aumentou um pouco o nível dos aquíferos, mas não o suficiente para o período seco deste ano. “Com as poucas chuvas no ano passado, os aquíferos não foram recarregados como deveriam”, diz.

Correntino cita como exemplo da escassez do ano passado na cidade de Catalão, no Sudeste do Estado, onde o Ribeirão Samambaia, principal fonte de abastecimento, secou, e a opção secundária, o Ribeirão Pari, também ficou bastante abaixo do nível esperado. A administração municipal está estudando um projeto para mudar a captação para o Rio São Marcos, o que só deve ficar pronto a longo prazo e por ficar mais distante da cidade encarece o bombeamento. Catalão está entre os 32 municípios em situação desfavorável apontado no Atlas.

As chuvas abaixo do esperado também preocupam a professora do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutora em geologia sedimentar, Sandra de Fátima Oliveira, que cita o caso da cidade de Goiás, outro município que requer um novo manancial para abastecimento, de acordo com o estudo da ANA. “Eu nunca imaginava na minha vida ver o Rio Bacalhau secar, e no ano passado ele secou”, destaca.

Para a especialista, o problema da seca está diretamente relacionado com o desmatamento. “A vegetação tanto segura como chama a água”, diz. Sandra explica que as plantas são fundamentais no processo de infiltração de água, o que reabastece o lençol freático. Sem elas, a perda do recurso é maior.

Sandra explica que, do total de chuva que cai em uma região com vegetação, 40% infiltra e vai fazer parte da água subterrânea que alimenta nascentes e rios; 20% escorre e 40% evapora. Em uma região desmatada, há uma inversão na taxa de infiltração, sendo que 40% ecoando e só 20% infiltrando. Por isso as nascentes e rios secam. A reportagem pediu à Saneago uma relação dos investimentos feitos nos sistemas de captação dos 32 municípios citados, mas não recebeu resposta até o fechamento desta edição.

Abastecimento

Vazão no Meia Ponte em queda

Estudos apontam para possível saturação do rio que abastece parte de Goiânia e região

Gabriela Lima01 de fevereiro de 2015 (domingo)

Cadê a água?

Cadê a água?

 

Entre os mananciais destacados no Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água, da Agência Nacional das Águas (ANA), está o Rio Meio Ponte, responsável por 52% do abastecimento de água em Goiânia e parte de Aparecida de Goiânia, as duas maiores cidades do Estado, além servir ao município de Trindade. O estudo estimou que o manancial estaria com a capacidade saturada em 2015, levando em conta a vazão com 95% de permanência no tempo, a chamada Q95, de 4.729 litros por segundo. Estudo ao qual O POPULAR teve acesso mostra que no final do ano passado o Q95 chegou a 3,5 mil l/s.

De acordo com a Saneamento de Goiás S/A (Saneago), são bombeados atualmente do rio para os reservatórios da capital 2,5 mil l/s. Pela legislação estadual, a captação total em determinado ponto do manancial não pode ultrapassar 50% da Q95, o que seria corresponde a 2364,4 l/s no Meia Ponte, dentro do município de Goiânia. Ou seja, levando em consideração a Q95 apontada pela ANA, apenas a retirada para o abastecimento já extrapolaria o permitido, sem contar o fornecimento de água para irrigação e indústrias.

O superintendente de recursos hídricos Secretaria de Cidades e Meio Ambiente (Secima), Bento de Godoy, explica que a gestão utiliza a vazão Q95% histórica, sendo que quanto mais antiga a série, mais confiáveis os dados. Godoy informou que a Q95 histórica, de 1975 a 2007, é de 6.470 l/s, e o mesmo dado referente ao ano de 2013 era de 5.970 l/s, de acordo com os dados do sistema Hidroweb, também da ANA.

Mas estudos chamam a atenção para a situação do rio a longo prazo. De acordo com o Diagnóstico das Vazões do Meia Ponte Na Estação Fluviométrica Jusante Goiânia aponta a diminuição da vazão média no ponto de medição abaixo da capital. Publicado em 2013 pelo pesquisador em Geociências e engenharia hidrológica, Aldrei Marucci Veiga, em parceria com a então acadêmica de Tecnologia em Geoprocessamento do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG), Marcela Carvalho da Rocha, o trabalho analisou dados de 1990 a 2010 e concluiu que a cada ciclo hidrológico de cinco anos a vazão média apresentou uma redução de 2,15%, totalizando 8,62% em um período de 20 anos.

Por fazer parte da bacia de um rio federal, o Paranaíba, a vazão do Meia Ponte é monitorada pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), e os dados são repassados à ANA. Um dos autores do diagnóstico, Aldrei Marucci é técnico da CPRM e, a pedido do POPULAR, atualizou a vazão média mensal da estação jusante entre janeiro de 2010 e dezembro de 2014, constatando uma tendência de queda ainda mais acentuada, de 5 mil l/s para cerca de 3,5 mil l/s.

O superintendente da CPRM-Regional Goiânia, Luiz Fernando Magalhães, e a gerente de Hidrologia e Gestão Territorial, Cíntia de Lima Vilas Boas, ressaltam a queda apresentada trata-se de dados brutos, e precisa passar por uma análise de consistência, levando em consideração algumas variáveis.

A provável redução da vazão média do Meia Ponte é consequência da combinação de uma série de fatores, segundo Magalhães: desmatamento, aumento da população, crescimento desordenado da cidade, maior número de indústrias e até o aumento da qualidade de vida (elevando o consumo do recurso). “A ocupação humana e a urbanização interferem no ciclo hidrológico, de precipitação, escoamento, evaporação e infiltração”, destaca.

Magalhães diz que Goiânia é privilegiada “por conta da escolha visionária de seus construtores”, que projetaram a capital em uma porção muito particular do Meia Ponte, dotada de afluentes que conseguiriam atender gerações futuras, entre eles o Ribeirão João Leite. No entanto, alerta que muitos desses afluentes estão poluídos e degradados.

“Essa crise hídrica deve ser, antes de mais nada, um fator de educação da população para o uso consciente da água, que é um recurso renovável, mas finito. A realidade climática está tendo uma intervenção. Mas até onde vai essa interferência é que está a discussão. Não dá para culpar apenas São Pedro”, disse Magalhães, se referindo à falta de chuvas.

Vice-presidente do Comitê da Bacia do Meia Ponte e técnico aposentado da CPRM, o consultor em hidrologia Marcos Correntino também é autor de um estudo que apontou a diminuição da vazão mínima do Meia Ponte. “A quantidade de água diminui devido à impermeabilização do solo e desmatamento. Chega na época de seca, essa água que não infiltrou deixa de abastecer os pequenos córregos e afluentes”, diz.