Carnaval Cult

Data: 14 de fevereiro de 2015

Fonte/Veículo: Diário da Manhã

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Aniversário da dama do piano tem apresentação em plena folia com obras de Villa Lobos, Chopin, Schumann e Schubert

 

Dalvina Nogueira, Especial para o DMRevista

 

Goiás está há dez anos sem a presença de uma das suas maiores damas da cultura. Pelo menos em corpo e matéria, pois a música e os ensinamentos de Belkiss Spenciere permanecem com força nas realizações culturais do Estado.

Nascida em 1928, Belkiss representou por anos a obstinação em trazer para Goiás uma escola de música que consolidasse a vocação do Estado para produzir grandes pianistas.

Neta da lendária Nhanhá do Couto, o que mais assombra é sua escolha musical: em vez de seguir carreira internacional, assentar no Estado e formar novas mentes musicais. Em vez de se dedicar à música fácil, se apegou ao complexo piano brasileiro, tendo registrado sua leitura para inúmeras peças do repertório nacional.

Considerada pela crítica pianística como uma das maiores virtuoses da história do instrumento no Brasil, ela está no mesmo grupo de divulgadoras  de Eudóxia de Barros e Clara Sverner.

Para celebrar o aniversário de Belkiss, neste domingo, um conjunto de crianças e adolescentes vai interpretar ao piano canções em sua residência.

Quando ainda era viva, a pianista Belkiss Carneiro Mendonça protagonizava momentos importantes junto aos jovens aprendizes do instrumento no Lílian Centro de Música. Era ali que se concentravam aqueles que, em pleno Cerrado, decidiram pensar e fazer música clássica.

Na época, um dos auges do momento do aprendizado de cada aluno seria tocar para ‘dona’ Belkiss. Quem levava a garotada era a nora da pianista, Lílian Meire Carneiro Mendonça, fundadora da escola e a alma da mesma.

Nesses episódios, o pupilo em questão era encaminhado à sala da casa da dona Belkiss e nas teclas do Steinway and Sons de cauda inteira era avaliado. Muitas vezes para um dos inúmeros concursos de piano ou recitais promovidos pela escola.

“Lilian”, dizia Belkiss, enfatizando a última sílaba do nome da nora, algo que só ela fazia, “esse aluno precisa melhorar o volume, a dinâmica”. Ou “este outro não está pronto”. E muitas vezes a crítica era severa, como é severo e rigoroso o universo da música erudita. Claro que as observações eram sempre pertinentes, afinal falava ali a maior intérprete mundial de Camargo Guarnieri e ex-aluna do maestro Villa Lobos. Definitivamente, não era pouca coisa.

Foram-se os tempos em que tais audições aconteciam na sala da casa da Avenida Tocantins. A perda lastimável da pianista deixou um buraco no meio de todos que ali transitavam. Mas a memória e o mito da dama do piano goiano sobrevivem entre a nova geração que frequenta o Lílian Centro de Música.

Se fosse viva, Belkiss Spenziere faria, nesse domingo, 15 de fevereiro, 87 anos. E mais uma vez dona Belkiss vai ouvir acordes feitos por mãos pueris em sua sala. Só que desta vez vai assistir ao recital sentada em uma estrela.

Na programação dos jovens pianistas, muitas peças que Belkiss ouviu várias e várias vezes de alunos que teve na Universidade Federal de Goiás (UFG). Villa Lobos, clássicos brasileiros como Tico Tico no Fubá, e, claro, Chopin, Schumman, Schubert, Mozart e outros gênios que nada têm a ver com carnaval – só para mostrar, claro, que nesse dia, não se toca apenas marchinhas.

É de Schubert a música A truta, que as crianças vão cantar no idioma alemão, exemplificando bem o método da professora Lílian, que tem como objetivo o despertar da inteligência infantil através de inúmeras técnicas e uma peculiar pedagogia musical.

A homenagem especial ficará por conta de dois luizes, Luiz Fernando Martins e Luiz Alberto Medeiros. Ao contrário da maioria, eles não são crianças, tampouco adolescentes. São homens adultos, porém alunos e, mais que isso, amigos de Belkiss. Luiz Fernando é neurologista e Luiz Alberto é professor aposentado da UFG, ambos tiveram a humildade – e amor à música – voltando a aprender. Assim como os mais jovens, eles são alunos da Lílian Centro de Música. E, por amor à música e amizade a pianista, prestar sua homenagem se apresentado no recital de aniversário.

Em 17 de novembro de 2015 a celebração será outra: os 10 anos de ausência. Um dos principais artistas plásticos de Goiás, Amaury Menezes, descreveu o significado da perda: “Na minha agenda, em 17 de novembro de 2005, registrei o mais doloroso acontecimento do ano para a cultura do nosso Estado. Perdi uma grande amiga. Mas a perda maior foi de Goiás, que ficou sem a mais importante pianista de sua história.”