Na vitrine mundial

Data: 27 de fevereiro de 2015

Fonte/Veículo: O Popular

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27/02/2015 05:05

Rogério Borges

Se o ano de 2014 terminou para a ilustradora e artista plástica Ciça Fittipaldi com a conquista do principal prêmio da literatura brasileira, o Jabuti, 2015 começa com uma outra consagração, agora de âmbito internacional. Ela, que há 22 anos é professora da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, acaba de ter seu nome indicado para concorrer ao Prêmio Hans Christian Andersen, concedido na Dinamarca e considerado o “Nobel” da literatura infantojuvenil. “Foi uma surpresa receber esta segunda indicação. Já havia tido essa honra em 1995, quando fui indicada juntamente com a escritora Ana Maria Machado”, diz Ciça em entrevista ao POPULAR.

Desta vez, Ciça vai disputar a premiação ao lado de outra das principais expoentes do segmento no Brasil, a escritora e ensaísta Marina Colasanti. A indicação foi feita pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), que representa no Brasil o International Board of Books for Young People (IBBY), órgão que existe desde a década de 1950.

“Este instituto, que concede o Hans Christian Andersen, é o maior julgador de qualidade de produtos para crianças na área editorial em todo o mundo. Ter seu trabalho reconhecido por uma instância dessas é muito gratificante. No prêmio, concorrem escritores e ilustradores de todos os continentes”, observa Ciça.

O Hans Christian Andersen, que leva o nome de um dos maiores escritores de obras infantojuvenis da história da literatura e que tem como madrinha a rainha da Dinamarca, não premia um trabalho apenas, mas o conjunto da obra dos autores. Ele é dado a cada dois anos e a indicação de Ciça Fittipaldi e Marina Colasanti refere-se à edição do ano que vem, cujos vencedores serão anunciados em 2016.

“Para isso, fazemos uma espécie de dossiê, em que incluímos os dez títulos mais relevantes de nossa carreira e mandamos traduzi-los. Quando aceitamos a indicação, concordamos também em nos dedicar a compor esse material. Estou nessa fase agora”, acrescenta Ciça, que confessa ter tido alguma dificuldade para escolher as produções que incluiria no dossiê. “Já coloquei tanto título e tirei que já quase estou fazendo confusão”, ri.

Prêmios

É compreensível a seleção ser tão difícil. Ela já publicou mais de 60 títulos e muitos deles foram premiados. Três, inclusive, faturaram o Prêmio Jabuti, como o livro Naninquiá – A Moça Bonita, escrito por Rogério Andrade Barbosa, que conquistou a premiação em 2014. “Interessante é que este é o único título premiado com o Jabuti que incluí no dossiê do Hans Christian Andersen”, revela ela. “Tentei contemplar as quatro décadas de minha produção.”

Para isso, Ciça enviará à Dinamarca, entre outros trabalhos, dois livros da série Morená, dos anos 1980, um da série Bichos da África, da transição entre os anos 1980 e 1990, e um outro trabalho praticamente inédito.“Este livro ainda não chegou por aqui, mas é o meu mais recente. Ele foi editado no primeiro semestre do ano passado”, relata. “Ele se chamaOlívia e Os Índios e nós o levamos à Feira do Livro de Bolonha, na Itália, em 2014.” Escrito pela antropóloga Betty Mindlin, o enredo aborda as experiências de uma criança em contato com outras culturas.

“Eu até gostaria de produzir ainda mais, mas no Brasil o autor tem pouco incentivo para isso. Ninguém, por exemplo, financia a pesquisa do artista. Eu, que me debruço sobre as culturas indígenas e africanas, sempre banquei minhas viagens, feitas nos intervalos das atividades que tenho que cumprir na universidade.”

Esse trabalho acadêmico também é muito valorizado por Ciça, que já ajudou a formar algumas gerações de ilustradores que fazem sucesso em Goiás e fora do Estado. “Tenho alunos muito talentosos que mostram trabalhos de altíssima qualidade. Eles, porém, como todos, têm de superar muitos obstáculos para isso. Quando vim para Goiás, em 1993, eu já estava no circuito editorial do eixo Rio-São Paulo. Essa dificuldade geográfica já melhorou bastante, mas ainda é verdadeira em alguma medida”, diz Ciça, que é paulista de nascimento.

A professora, porém, vê uma evolução na área. “Já existe uma demanda interna de produção infantojuvenil em Goiás, para texto e ilustração. Isso aconteceu porque os livros estão chegando mais às escolas, há editoras na área. Isso tudo é ótimo.”

Um imaginário multicultural

27/02/2015 05:00

“Eu adoro falar das influências e dos universos africano e indígena. Minha obra é muito voltada para esses imaginários.” Ciça Fittipaldi tornou-se, com uma produção que mergulha profundamente em caldos culturais que nos formaram, uma referência inescapável quando o assunto gira em torno de tais temas.

“Tenho uma afinidade muito grande com a área. Eu estudei bastante essas questões e acho que isso me deixou mais preparada para lidar com elas”, avalia. “Por outro lado, com tanta identificação, fica mais difícil eu me livrar desse rótulo no mercado. As pessoas têm alguma dificuldade em perceber que quero fazer outras coisas também, que penso em algo diferente.”

Professora de Ilustração e Design Editorial no curso de Design Gráfico na Universidade Federal de Goiás (UFG) e também pesquisadora das visualidades e das narrativas orais indígenas e afro-brasileiras, os projetos não param de surgir na mente e no estúdio de Ciça em um condomínio fechado de Goiânia. “Minha proposta principal sempre foi lançar sobre esses assuntos um olhar menos artificioso, menos folclórico. Quando viajo a aldeias indígenas – e já fiz isso várias vezes –, é uma espécie de estudo antropológico, só que com o olhar e a anotação da artista.” Ela também conta que mantém vários contatos com pesquisadores da área.

Um empenho que gerou bibliografia respeitável e premiada. “Eu gosto de ir às matrizes desse conhecimento”, alega a autora. Além de Naninquá – A Moça Bonita, que ganhou um Prêmio Jabuti no ano passado, Ciça Fittipaldi já havia conquistado a honraria com um dos títulos da série Bichos da África, em 1988 – ambos de Rogério Andrade Barbosa –, e com a obra O Tucunaré, em 1990, escrita por Luiz Gouvêa de Paula.

“Não tenho a perspectiva de ganhar o Hans Christian Andersen e para mim o fato de ter sido indicada já é uma glória enorme. Eu acredito que o trabalho, quando bem feito, traz bons frutos, não importa o tempo que leve. Esta indicação é um deles.”