A metrópole dos pedintes

Data: 26 de fevereiro de 2015

Fonte/Veículo: Diário da Manhã

Link direto para a notícia: http://www.dm.com.br/cidades/2015/02/a-metropole-dos-pedintes.html 

 

Centros urbanos concentram cada vez mais grande quantidade de pedintes. Universidade Federal de Goiás (UFG) prepara estudo sobre realidade

Deivid Souza Da editoria de Cidades

São dez horas da noite. Um casal janta em um bar do Setor Aeroporto, em Goiânia, quando um homem magro, alto, de cabelos brancos ralos, com aproximadamente 45 anos, pede para tomar um caldo. Logo o garçom se aproxima e diz: “O que o senhor quer? Um caldo? Nós vamos providenciar, mas o senhor está incomodando nossos clientes”.

Instantes depois o homem vai para a calçada ingerir o alimento que pediu. A cena é comum, se repete por várias partes da cidade, mas as pessoas que pedem dinheiro não estão só nestes locais.

Pelos semáforos de Goiânia, portas de hospitais e dentro de ônibus do transporte público é comum encontrar pessoas pedindo dinheiro. Os motivos apresentados são vários: ajudar a família, pagar um tratamento, compra de alimentos, entre outros.

Esta realidade, apesar de comum, ainda não foi amplamente pesquisada. No entanto, o Núcleo de Estudos Sobre Criminalidade e Violência da Universidade Federal de Goiás (UFG), ligado à Faculdade de Ciências Sociais (FCS), já deu início a levantamento sobre população de rua de Goiânia.

O estudo que deve ficar pronto até o meio do ano vai levantar a quantidade de pessoas em situação de rua e o perfil socioeconômico desta parcela da população. A iniciativa está sendo realizada por meio de uma parceria da universidade com a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) de Goiânia.

A reportagem do Diário da Manhã foi às ruas para entender quem são essas pessoas. Algumas se negaram a dar informações, mas um grupo que estava no cruzamento da Rua 44 com a Avenida Independência aceitou conversar. Quem contou sua história foi Nelson Júnior, 54, um ex-serralheiro, pai de três filhos, originados nos dois casamentos que teve.

HISTÓRIA

O homem esguio, calvo e com alguns cabelos brancos é soropositivo. Ele descobriu a doença há 18 anos e há dez mora na rua. Ainda em seu leito, na calçada onde passou a noite, Nelson conta que tem condições financeiras razoáveis. “Tenho profissão, tenho serralheria no Distrito Federal (DF), meu pai é que toma conta”, diz entre um gole e outro da cachaça acondicionada em uma garrafa de água mineral. Nelson conta que está na rua porque quer e pede dinheiro para tomar bebida alcoólica e comprar comida, mesmo tendo uma aposentadoria. Ele narra que vendeu há poucos dias um celular para comprar bebida. Era por meio do aparelho que falava semanalmente com a família, principalmente o pai. Ele diz que não é usuário de drogas, como os colegas que o cercavam. “Nêgo pega dinheiro e compra pedra (de crack), depois vem aqui tomar minha cachaça”, reclama.

O ex-serralheiro deixou o Distrito Federal e veio para a capital goiana há aproximadamente duas décadas. Durante a prosa, ele não demonstra nenhum arrependimento pelo rumo que tomou na vida, mas reclama do preconceito por causa da doença. “O que mata não é aids não, é o preconceito”, critica. Nelson afirma que toma o coquetel contra a doença fornecido pelo Hospital de Doenças Tropicais (HDT), mas diz que espera a morte.

Os colegas de Nelson participam da conversa, mas não se abrem. Um deles admite que pede dinheiro para se manter e comprar tóxico, mas tem residência. A todo o momento criticavam a discriminação que sofrem por parte da sociedade, que, segundo eles, generaliza como se todos fossem bandidos.

Brasil tem uma cidade de médio porte na ruas

Um levantamento do Ministério do Desenvolvimento Social, divulgado em 2008, apurou na Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua a quantidade e o perfil socioeconômico deste público em 71 cidades brasileiras. Descobriu-se que nestes municípios havia à época um contingente de 31.992 adultos em situação de rua, destes 563 viviam em Goiânia: a décima primeira maior população de rua do País.

Segundo o estudo, apenas 15,7% das pessoas que vivem nas ruas pedem dinheiro como principal meio de sobrevivência. A maioria deles tem profissão. Muitos atuam como flanelinhas e catadores de recicláveis. “Se a gente considerar o perfil nacional, o maior número de pessoas que está na rua tem dois motivos: a quebra de vínculo familiar e o alcoolismo”, acredita o coordenador do Núcleo de Estudos Sobre Criminalidade e Violência da UFG, Dione Santibanez.

O especialista explica que os estudos serão fundamentais para ajudar pessoas que estão em situação “de extrema pobreza”. “A pesquisa vai ajudar muito a modelar e coordenar ações públicas”, ressalta.