Jovens do campo buscam diploma e conquistam salários de até R$ 15 mil

Data: 21 de março de 2015

Fonte/Veículo: Globo Repórter 

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Em uma década, triplicou o número dos que vivem na zona rural e têm mais de 12 anos de estudo. Fazendas modernas dão oportunidades a diplomados.

Eles são jovens. E o que mais têm em comum? Formam uma geração de "doutores" do campo. Estão atrás ou já conquistaram o tão sonhado "canudo” da faculdade e querem prosseguir, agora em melhores condições, a vida que os pais começaram na roça.

 

Seu José acorda cedo. No trator ajuda a preparar a terra para o plantio. Também é o responsável por deixar a lavoura longe de pragas. Empregado em uma grande fazenda de Jataí, em Goiás, ele plantou e está colhendo sonhos - um deles está diretamente ligado ao filho: Walan Jone.

“Assim, pelo meu pai, a vida inteira foi trabalhando na fazenda, sempre teve essa vontade que a gente acompanhasse de uma certa forma a mesma trajetória né”, conta Walan Jone Ferreira Gameiro, universitário.

Walan logo se mostrou apaixonado pelo campo e deu ouvidos ao que os pais diziam.

“Ah, ele vai evoluir melhor, não vai? Assim sendo estudado, eu penso! Vai ser melhor para ele”, diz a mãe de Walan, Sônia Aparecida Gameiro.

 

Walan passou no vestibular da Universidade Federal de Goiás. Os números do IBGE mostram que mais jovens que estão fora dos grandes centros urbanos, estão conseguindo realizar o sonho de entrar na faculdade. Em apenas uma década triplicou o número de pessoas que vivem na zona rural e que tem mais de 12 anos de estudo.

Keila, Erick, Milena e Geraldo são amigos de Walan.

Globo Repórter: Todos têm a história mais ou menos parecida com a sua?

Walan Jone: Sim, todos eles já têm esse contato com o campo. Todos eles já vieram também do campo.

“Meu foco principal que eu entrei na faculdade é para ajudar na fazenda”, conta o universitário Erick Carvalho.

 

Globo Repórter: Quem de vocês faz parte da primeira geração da família com curso superior?

Milena Campos, universitária: No meu caso eu sou a primeira.

Na família de Walan também.

Globo Repórter: E vocês imaginavam ter um filho na faculdade?

Sônia Gameiro, mãe de Walan: Jamais! O jeito que nós era.

José Gameiro: Isso é um orgulho grande.

Seu José até passou anos sonhando com a profissão que o filho seguiria.

“Eu quero q ele seja agrônomo, engenheiro agrônomo”, afirma o operador de máquinas José Ferreira Gameiro Filho.

Mas Walan preferiu seguir o caminho da zootecnia, que ainda é uma novidade para Seu José e muitos moradores do campo. Mas nada que Walan não consiga explicar.

“A zootecnia hoje ela abrange muitas coisas. Tem um leque de profissões muito grande. Então eu posso trabalhar em diversas áreas hoje dentro da propriedade”, explica o universitário Walan Jone Gameiro.

O que Seu José não quer é que o filho passe pelas mesmas dificuldades que o casal teve nos tempos de vacas magras.

“Eu não tinha dinheiro para comprar um sorvete pros meus meninos. Sônia chegou a pegar sabonete para dar para o sorveteiro para dar sorvete para ele chupar”, relembra José.

Hoje, na fazenda, além de salário melhor, Seu José recebe sacas de grãos como bônus. Agora sobra até um dinheiro para o sorvete. Com o dinheiro que Seu José guardou praticamente a vida inteira, ele comprou uma casa. E com a casa a Walan pode vir para a cidade e estudar.

Globo Repórter: Aqui o senhor realizou um sonho?

José Gameiro, pai de Walan: Sonho, graças a Deus. A vida inteira guardando dinheirinho para comprar uma casa. Para ter um conforto melhor pro meu filho, pra família inteira.

Dona Sônia se divide entre a vida na fazenda e a casa na cidade para não deixa faltar nada para o filho mais novo do casal. O Walan deixou o emprego porque a faculdade é em tempo integral.

“Eu vivo 100% da ajuda do meu pai. Sem essa casa, meu pai teria que pagar aluguel e a gente não teria essa condição de me manter na faculdade”, diz Walan.

E pensar que o lugar foi o ponto de partida. O Walan Jone começou a estudar onde funcionou a primeira escolinha da região. É uma construção simples, com parede de placas de cimento, sem divisórias e a única professora tinha que se dividir para dar aula, ao mesmo tempo, para quatro turmas. Mas a escola dele cresceu. Hoje funciona em um prédio e oferece aulas para os jovens da região até o ensino médio.

Globo Repórter: Foi difícil concluir o terceiro ano do ensino médio aqui?

Walan Jone: Foi bem complicado, principalmente por ser escola de zona rural a gente tem dificuldade. É mais distante poder se deslocar, né. Acordar mais cedo, é uma dificuldade maior.

O prédio da escola mudou, mas muitos professores ainda estão ali ajudando quem quer ir mais longe.

“Quem mora na fazenda hoje tem todas as possiblidades de crescer assim como quem mora na cidade”, afirma a professora Rejane Giongo.

E Walan tem ótimas perspectivas de salário.

“De ganho salarial é a mesma média de um agrônomo, ou como um veterinário. Varia inicialmente de R$ 4,5 mil a R$ 7 mil. E no auge da carreira chega até R$ 15 mil. Se você for pensar, é um salário muito bom”, conta Walan Jone.

Agrônomo se torna apoio financeiro e fonte de inspiração para a família

Elias mal terminou a faculdade e já estava empregado.

“Eu tive a oportunidade de formar em um ano em que a agricultura estava numa ascensão muito boa e o mercado absorveu grandes profissionais”, diz o agrônomo Elias Brod.

Uma realidade cada vez mais comum entre os filhos de trabalhadores rurais. Eles crescem e decidem continuar no campo. Aproveitar as oportunidades que o campo oferece e para isso vão em busca de um diploma.

Ele é uma espécie de médico das lavouras. Passa o dia visitando fazenda por fazenda. E, para que Elias chegasse à faculdade, a família dele deixou a zona rural e se mudou para cidade mais próxima.

Globo Repórter: Quando o Elias conseguiu o diploma como vocês se sentiram?

Marlene Brod, diarista: Ah, eu estava muito feliz, muito orgulhosa de ver um filho formado.

Dona Marlene já estava preparada para a formatura, que veio mais cedo que o previsto.

“O curso de agronomia é cinco anos, mas ele foi fazendo estágio dezembro, janeiro e fevereiro, na época das férias, conseguiu fazer o estágio certinho. E com quatro anos e meio estava formado”, conta Marlene.

Dona Marlene e Seu Eugênio sempre viveram no campo. No interior do Brasil, campo e cidade não são mundos tão distantes. Da lavoura já se avista a cidade e vice-versa. Por isso não foi tão complicado para Dona Marlene e Seu Eugênio enxergar um futuro melhor para o filho mais velho.

“Compramos a casinha aqui, que estamos morando até hoje. É pequena e simples, mas é nossa. E o Eugênio daí comprou um caminhão, depois trocou por uma carreta. Tá trabalhando, puxando frete nas lavouras. Eu comecei a trabalhar como diarista e até hoje estou”, conta Dona Marlene.

“Deu tudo certo graças a Deus, tá formado”, diz Eugênio Brod.

Formado, empregado, e com muitos planos para a vida.

“Talvez trazer para a família os âmbitos e os sonhos que eles teriam, que meu pai e minha mãe não tiveram por falta de oportunidade. Trazer para eles, questão de moradia, de locomoção. Minha irmã que vai partir para os estudos agora também para uma universidade, ajudar ela nesse ponto”, diz o agrônomo Elias Brod.

Elisa já está terminando um curso técnico e encontra no irmão, além do apoio financeiro, uma fonte de inspiração.

“Ele serve de espelho para mim. De concluir uma universidade em um curso que eu goste e ser uma boa profissional futuramente”, ressalta a estudante Elisa Brod.

Sucessão é caminho natural na família de Seu Tarcísio e Dona Isolde

                  

No campo, a sucessão parece um caminho natural para os jovens.

“A gente brincava em cima das pilhas de soja, de milho, de calcário. A mãe brigava com a gente. Mas não tinha jeito, nós sempre estávamos enfiados no meio andando nas máquinas”, relembra a agrônoma Solange Neis Bottega.

“Eu desde pequeno, sempre tive vontade de continuar o que meu pai começou”, afirma Felipe Neis, universitário.  

Os pais de Solange, Felipe e Marcos deixaram para trás Santa Catarina. Vieram para o Centro-Oeste do Brasil em busca de terras promissoras.

Globo Repórter: Foi em um fusca que vocês vieram para cá?

Isoldi Sehn Neis: Foi com esse mesmo

Globo Repórter: E aqui o que que aconteceu com ele, estava atolado?  

Isoldi Sehn Neis: Atolado na areia. Uai, nós no caminho quase morremos, né?

Globo Repórter: A mudança inteira veio nesse carro?

Isoldi Sehn Neis: Tinha só um pouco de roupa. Nós era pobre, saímos pobrezinho de lá do Sul, então não tinha nada, tinha só umas roupinhas. Aí no final ainda enfiamos um peão junto com a mala dele e viemos embora.

A mudança dividiu opiniões entre os que ficaram. Os parentes acharam tudo muito arriscado. Seu Tarcísio e Dona Isolde não precisaram voltar, mas isso não quer dizer que foi fácil.

A família ergueu uma casa de madeira assim que chegou a Goiás. Um lugar provisório para começar uma nova vida em um novo estado. Mas com todos os cômodos: quarto, sala cozinha e foi construída em um lugar estratégico: bem em frente passa a lavoura do Seu Tarcísio. Tudo visto da janela de casa. Com as vendas, o casal juntou dinheiro para aumentar as terras e começar a modernizar a lavoura. Hoje são empresários do agronegócio, com fazendas que tem estrutura para dar conta do plantio até a armazenagem dos grãos.

“E fomos progredindo, colhendo, plantando, colhendo, plantando os filhinhos também, logo veio uma filha, veio outra, né”, diz Isoldi.

São cinco irmãos. E todos tomaram gosto pela agricultura - não precisou insistir, acabou acontecendo naturalmente.

“Os três aqui fizeram agronomia. E a Lucimeire, que mora em Goiânia, ela está ajudando também aqui nas fazendas. E tem a Aline que fez administração, ela fica mais no escritório, ajudando lá”, explica Dona Isoldi.

Fazenda moderna hoje em dia tem escritório. Ali planejam tudo que será feito lá no campo.  Quando plantar, quando colher e a que preço vender. Mas não basta só ter "tino para os negócios". Tem que ter amor às raízes. Jovens, não deixam de ter as inseguranças comuns entre quem começa a assumir tantas responsabilidades. Mas o paizão está sempre por perto. Sabe que os filhos chegam com sangue novo.

A vida levou Seu Tarcísio e Dona Isolde à separação. Mas continuam amigos e cheios de orgulho do passado que construíram e do futuro que estão deixando para os filhos.