Poética corporal

Poética corporal

Ator e professor, Newton Murce lança livro em que discute o trabalho de criação no teatro tendo como fundamentação a psicanálise

Valbene Bezerra

Professor, ator e escritor, Newton Murce tem uma inquietude que o leva a questionar tudo, saber o porquê das coisas e se aprofundar nos temas de seu interesse. Sente necessidade de teorizar, para depois pôr em prática aquilo que pesquisou. Murce confessa não conseguir apenas atuar no palco sem mergulhar na essência da obra. Essa necessidade de investigar como o ator prepara o próprio corpo para a cena e como a psicanálise pode contribuir no processo de criação levou-o a um amplo e pormenorizado trabalho de pesquisa, sob a orientação da professora Nina Virgínia de Araújo Leite, que culminou na sua tese de doutoramento Corpoiesis: Um Ator, Uma Escrita, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem, na Unicamp (SP), em 2006.

No período de estudo, Newton Murce deu um tempo no palco, mergulhando de cabeça na pesquisa que resultou no livro Corpoiesis: A Criação do Ator, publicada pela Editora da UFG, em dezembro de 2009. Trata-se de um texto essencial para profissionais das artes cênicas, professores e pesquisadores.

Para Newton Murce, um ator nunca sai de uma produção do mesmo jeito que entrou. Daí a necessidade de entender como se dá esse processo. “O que mais interessa ao artista é entender o ato da criação, como ocorre, quais efeitos produz no próprio corpo, na vida. Não há como não mudar depois de um trabalho”, afirma. Ele ressalta que sua pesquisa diz respeito somente ao ator, ao seu processo de criação, fundamentado em estudos da psicanálise. “Considero que o corpo do ator não é um corpo qualquer, do sujeito falante, sujeito do cotidiano, mas um corpo outro, novo, criado para a cena, corpo criado como poesia (corpoiesis)”, argumenta.

Autores e teóricos ligados às artes cênicas e à psicanálise como Antonin Artaud, Grotowski, Peter Brook, Lacan, Freud, Deleuze e muitos outros serviram de suporte para a pesquisa. Murce também conversou com atores para saber como se dava o processo de criação do personagem e os efeitos produzidos no corpo com a experiência. Entre os seus entrevistados, gente como Cacá Carvalho, Miriam Muniz, Ana Lúcia Torre, Ricardo Blat, Simone Spoladore, Luiz Peäetow , Eduardo Moskovis e integrantes dos grupos Lume e Galpão, em busca de subsídios para entender a composição poética para a cena.

A leitura do livro Água Viva, de Clarice Lispector, associada à pesquisa resultou no monólogo Atrás do Pensamento, que estreou em 2007, premiado em algumas categorias no Festival de Teatro de Teresina, no Piauí. Para dirigi-lo convidou Luiz Peäetow, de Campinas (SP). “A obra de Clarice teve grandes efeitos em mim. Com o espetáculo pude praticar um pouco da teoria de como seria o processo de criação do corpo do ator dentro da cena a partir da teoria psicanalítica”, afirma.

Mesmo se tratando de uma obra científica e específica para o segmento artes cênicas, Corpoiesis: a Criação do Ator aborda um assunto interessante para quem pretende entender melhor o processo que se dá quando o ator “veste” o personagem na cena. Caprichada, a edição ganhou capa ilustrada com desenho do artista Clóvis Graciano e apresentação do ator/diretor Marcos Fayad.
“Sou testemunha de que o seu corpo foi submetido a mudanças radicais nos espetáculos tão diferenciados que encenamos. Ele tomou minhas ideias incipientes e as levou muito mais longe do que um ator comum o faria, tomou-as para si e elevou-as à categoria de obra de arte pessoal, sem se espelhar em ninguém. O ator é sua própria obra de arte e Newton Murce percebeu muito cedo em que isso consiste”, escreveu o diretor da Cia. Teatral Martim Cererê, com quem Newton trabalha há 20 anos.

Trajetória
Há 15 anos, professor de inglês do Cepae-UFG, Newton Murce estreou como ator aos 16 anos, atuando com Hugo Zorzetti, do Grupo Exercício e fundador do curso de Artes Cênicas na UFG. A estreia em Lições de Anonimato, em 1987, foi o primeiro passo em direção à carreira e à busca de novas oportunidades no palco. Em 1988, integrou o elenco da Cia. Teatral Martim Cererê, recém-criada pelo ator e diretor Marcos Fayad, participando da primeira versão da peça Martim Cererê, considerada um marco do teatro em Goiás.

Murce tem participado de praticamente todas as peças do grupo como Cabaré Goiano, Cara-de-Bronze, Na Carreira do Divino, Puro Brasileiro, Café Cantante Punhal Reluzente e Theatro Muzycal Profano, a mais recente produção do Martim Cererê. Este ano, deve participar de mais um musical de Marcos Fayad. Ator competente, Newton Murce surpreende também como cantor. Segundo ele, a preparação vocal com a professora e maestrina Joana Christina Azevedo tem sido muito importante para dar segurança no palco.

Nascido em Goiânia, Newton Murce, 40 anos, não dispensa nenhuma atividade que contribua para sua formação como profissional, seja na escola ou no palco. Ex-integrante do Grupo Gwaya Contadores de Histórias, o ator adora escrever para crianças. Para este segmento especial, publicou Diferente Igual a Todo Mundo, Viagens e Haja Fôlego!.

“Sempre gostei de escrever e representar”, conta o ator, qu, com a crítica teatral e professora Carmelinda Guimarães, também assinou uma biografia de Marcos Fayad. Tímido e reservado, revela ter dificuldade em se expor. “Tenho uma relação complicada com a exposição. Acho difícil, apesar de ser uma necessidade que se instalou em mim desde a infância, assim como o hábito de escrever. Sinto prazer com o que faço”, explica.

Sempre atento ao movimento cultural da cidade, o ator acredita que a criação da Escola de Artes Cênicas da UFG contribuiu muito para melhorar o nível das produções locais e da formação dos atores. “Não temos uma tradição teatral. É importante formar público, e para isso é preciso oferecer um bom trabalho”, argumenta.

Livro: Corpoiesis: a Criação do Ator
Autor: Newton Murce
Editora: UFG
Páginas: 207
Preço: R$ 15