Arsenais que abastecem morros cariocas têm passagem por Goiás

Jornal O Popular – 28/11/2010

Arsenais que abastecem morros cariocas têm passagem por Goiás

Prisões de traficantes e apreensões de armas no estado revelam vínculo com ataques no Rio

 

Apontado como um dos oito mandantes que ordenaram a onda de ataques que se iniciou nesta semana no Rio de Janeiro, Antônio Jorge Gonçalves dos Santos, de 41 anos -conhecido como Tony, o Senhor das Armas - vivia até ser preso em um tranquilo flat na cidade de Caldas Novas, usada como rota de drogas e armamentos. O exemplo de Tony ilustra o vínculo de Goiás com armas e munições pesadas, usadas e exibidas por traficantes contra a investida policial no Rio de Janeiro - que conta com a participação de três agentes da Polícia Federal (PF) goiana.

Operações de combate ao crime organizado realizadas no Estado nos últimos anos comprovam que Goiás tornou-se rota de armas, local para lavagem de dinheiro e até moradia de alguns dos principais narcotraficantes envolvidos na atual guerra carioca.

Além de Tony, Goiás já abrigou conhecidos líderes do trafico no Brasil (hoje presos), como o carioca Luís Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e Leonardo Dias Mendonça, o Mandacaru, sendo este nascido em Goiás e envolvido com o tráfico internacional. Fazendas, carros, aeronaves (Learjet, Cesnas e helicópteros), postos de gasolina e casas compradas aqui eram a forma como eles lavavam o dinheiro do tráfico, movimentado em cartéis de criminosos espalhados pelo Paraguai, Colômbia, Suriname, vários estados do Brasil, além dos Estados Unidos e da Europa.

Muita gente ainda se lembra, em Varjão, do escândalo envolvendo os portugueses Antônio dos Santos Dâmaso e José Antônio de Palinhos Jorge Pereira, que lavavam dinheiro do narcotráfico por meio da enorme fazenda Quinta da Bicuda. Eles foram flagrados pela PF em 2005 exportando para Portugal, via Rio de Janeiro, 1,6 tonelada de cocaína em buchos de boi.

A polícia estima que só o esquema de Tony colocava cerca de 500 novas armas anualmente nas mãos de traficantes cariocas e não parou com a prisão dele. Tanto que, ao se tornar pública a origem da ordem dos ataques, ele e os outros sete mandantes foram transferidos para o presídio federal de Porto Velho (RO).

A prisão de Tony, feita em conjunto por policiais do Rio e de Goiás, foi no Mato Grosso do Sul, em julho do ano passado. O traficante partia para negócios na rota que iniciava na Bolívia, passando por Caldas Novas, cidades do Triângulo Mineiro até chegar ao Rio, relembra o titular da Delegacia de Repressão a Narcóticos (Denarc), Deusny Aparecido Silva Filho, que também chefia investigações contra o crime organizado em Goiás.

Na época da prisão, um dos artefatos negociados por ele, apreendido, demonstrou o poder bélico dos traficantes cariocas: era um míssil antitanque, de fabricação argentina, capaz de furar o blindado padrão que vinha sendo usado pela polícia do RJ.

Segundo têm enfatizado as autoridades policiais locais, as quadrilhas de tráfico de drogas que atuam em Goiás são diferentes das cariocas, usam rotas diferentes e exclusivas para consumo aqui, vindas mais do Paraguai e Bolívia, passando pelo Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Ainda assim, além do apetite pelas facilidades em lavar o dinheiro do narcotráfico em Goiás, o Estado é usado como rota de armas tanto para traficantes de drogas quanto para assaltantes de bancos e carros-fortes de outras regiões.

Arsenal

Foi, por exemplo, em uma casa na Rua Riviera, no Jardim Novo Mundo, em janeiro de 2010, que a Polícia Federal apresentou um dos maiores arsenais apreendidos este ano. Escondido em uma carreta, o carregamento continha até uma metralhadora antiaérea calibre ponto 50. Foram apreendidas mais 11 armas, entre submetralhadoras, fuzis de diferentes calibres, escopetas e revólveres, e bisnagas de explosivo em gel, granada, munição, entre outros equipamentos. Três pessoas foram presas.


Sociólogo alerta para despreparo

Pesquisador da violência, o sociólogo Dijaci David de Oliveira, professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), observa que ainda falta investimento em aparelhamento policial. Dijaci David considera preocupante a falta de policiamento comunitário pela Polícia Militar (PM), de equipamento e inteligência para a Polícia Civil, e cita exemplos. "Pessoas que desaparecem após serem abordadas por PMs, policiais que passam e assistem acidentes de trânsito sem interferir enquanto há fuga, como vi em Goiânia, são fatos que não inspiram confiança. A PM está distante da população. Já a Polícia Civil não teve capacidade ou instrumentos para localizar os corpos de todos os rapazes que sumiram em Luziânia", ilustrou.

No entanto, a posição geográfica de Goiás, com a maior parte do território plano, tem sido uma explicação comum entre as três polícias para afastar um provável interesse das facções cariocas de se instalarem por aqui. "Não havendo morros, facilita que forças policiais cheguem rapidamente", enfatiza o delegado regional de Combate ao Crime Organizado da PF, Deuselino Valadares. Assim também pensa o comandante da Polícia Militar, coronel Carlos Antônio Elias.

Pela Polícia Civil, a questão geográfica e social é igualmente enfatizada pelo titular da Denarc, Deusny Aparecido Silva Filho. "A situação é mais ordeira em Goiás, enquanto no Rio fizeram redutos sem a presença do estado", frisou. Para ele, os desafios são a punição de advogados que colaboram com o tráfico, um maior "endurecimento" da legislação, e a melhoria do sistema prisional. (MA)