Com que roupa eu vou?

Com que roupa eu vou?

Caso da estudante hostilizada na universidade por usar um vestido curto levanta entre jovens questão sobre vestuário adequado para o ambiente da faculdade

Rodrigo Alves

Entre polêmicas e reviravoltas, o caso da estudante de turismo Geisy Arruda, 20, a moça de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo) hostilizada por colegas por trajar um vestido curto no universidade, lançou a discussão: até onde vai a liberdade para os jovens no ambiente universitário quando o assunto é vestuário? Celebridade instantânea, notícia até fora do Brasil graças à repercussão iniciada na internet, Geisy também virou alvo de um assunto que dominou rodinhas em diversos câmpus por todo o País: há roupa certa para ir à faculdade?

Na opinião da maioria de jovens consultados pelo POPULAR, a ideia pode soar estranha, mas não é estapafúrdia. Boa parte dos entrevistados concorda que houve excesso no caso ocorrido no ABC paulista por parte da universidade, que chegou a expulsar Geisy e acabou recuando, mas houve quem também recriminasse a estudante.

Uma parcela considerável deles está de acordo também sobre o fato de que a direção da Uniban deu eco, mesmo voltando atrás depois, a uma mentalidade ainda forte quando o assunto é roupa e exposição do corpo, especialmente o feminino. “Por mais que o tempo passe, a tecnologia avance, haja mais divulgação de informações, parece que isso não muda”, comenta a universitária Mariana Albuquerque, 26, que experimentou quatro cursos e agora está matriculada no curso de Ciências Sociais da UFG.

A estudante, que frequentou turmas de outras áreas, observa que nunca viu nenhum caso com tamanha repercussão como o de Geisy, mas que em qualquer lugar é possível notar resistência quando o outro se veste de maneira diferente. Ela reconhece que há limites e que é preciso atentar a certos padrões, mas defende a liberdade de escolha. “As pessoas são diferentes e têm comportamentos diferentes, que devem ser respeitados.”

Punição
Na visão do estudante de engenharia elétrica Heitor Gomes, 20, da UFG, um comportamento como o de Geisy pode sim dar margem à punição. “Nada justifica a reação extremada de revolta dos colegas, mas pelo que acompanhei pelos jornais a moça também teve parte na culpa”, analisa. Heitor acredita que as universidades não têm o direito de exigir determinada maneira de se vestir dos alunos, mas pondera que estes últimos devem ter bom senso na hora de escolher o que vão vestir no ambiente acadêmico.

“Não sou defensor do uniforme – o que seria demais –, mas há trajes que são realmente inadequados em certos ambientes”, afirma. Para ele, as universidades têm direito de punir alguém quando os limites são extrapolados como, diz ele, parece ter sido o caso da universitária paulista. “É difícil analisar de longe, mas talvez no lugar dos diretores dessa universidade eu também pensaria na possibilidade da expulsão se ficasse comprovado o abuso”, opina.

A acadêmica do curso de psicologia da PUC-GO, Nágila Mesquita, 22, por sua vez, vê exagero em qualquer tipo de controle neste sentido. Ela qualifica de absurda a ideia de impor determinado jeito de se vestir em ambientes como universidades. “Felizmente nunca vi situação extrema como essa perto de mim.” Mas mesmo não tendo presenciado casos emblemáticos, ela também lembra que é fácil notar um policiamento velado até entre os próprios colegas.

“Faço um curso dominado por mulheres e percebo olhares de reprovação quando há um decote maior. Mas não pode existir ‘roupa certa’ para a faculdade”, argumenta ela, que, contudo, defende o bom senso. Na opinião dela, no caso em São Paulo houve erro dos dois lados. “Pelas imagens a gente pode ver que a moça beirou à vulgaridade – dizem até que estava mostrando as partes íntimas. Mas nada justifica a reação exagerada dos colegas e ainda mais a da universidade que quis a expulsão”, diz.

‘Decisão drástica’

Professora do Mestrado em Cultura Visual e Design de Moda da UFG, Míriam da Costa Manso acredita que a decisão inicial da Uniban pela expulsão de Geisy Arruda, revogada posteriormente, foi drástica por interferir no direito de expressão da estudante. Ela explica que aquilo que se veste tem significado forte. “Aquilo que você coloca sobre seu corpo é como um texto. Mesmo que pareça que se veste para você, na verdade se veste para o outro”, explica.

Segundo a professora, o vestido era usável e não difere muito de outros tipos de roupa comumente vistos em universidades pelo País, como calças de cós baixo. “O que pode ter acontecido – e aí não podemos ir mais a fundo, porque não estávamos lá – é que a moça adotou uma atitude de provocação que desencadeou tudo aquilo”, relativiza. Ela afirma, entretanto, que as reações dos colegas e principalmente da faculdade soaram intolerantes demais. “Estranhei muito”, diz.

Etiqueta
A consultora de moda e etiqueta social Adelair Batista concorda que houve reação exagerada da direção da instituição de ensino e dos colegas, mas ressalta que a situação poderia ter sido evitada. A especialista afirma que a roupa deve estar adequada ao ambiente e à ocasião. Ela alega ainda que Geisy estava vestida para uma ocasião festiva e descontraída, num ambiente de uma boate ou bar, mas não para uma situação um pouco mais formal como na universidade. “Na vida agitada de hoje, às vezes não temos tempo de trocar de roupa. Como a própria moça alegou, depois da aula ela iria a uma festa. Mas isso poderia ser resolvido se estivesse com um sobretudo por cima ou uma calça legging por baixo”, sugere.

Forma de expressão

O caso da estudante hostilizada na faculdade por causa da roupa curta toca em uma questão mais profunda para a estudante de sociologia da UFG Mariana Capela, 19. “Roupa também é maneira de expressão. Vão me proibir de me vestir como hippie, por exemplo, porque sou hippie?”, questiona.

Mariana afirma ainda que é complicado querer determinar o que é certo ou errado na hora de se vestir. “É um absurdo uma universidade expulsar uma aluna por causa de um vestido”, critica. Para o estudante de jornalismo da UFG João Emerson Vasconcelos, 27, a liberdade de expressão por meio das roupas deve ser respeitada, mas para tudo há limites. “Eu não me surpreenderia encontrar alguém daquela maneira no câmpus, mas cada um é cada um. Quando estudei à noite na Católica (PUC) era comum ver aquilo, já que muito gente sai para a balada depois da aula. Mas não concordo que se possa usar qualquer roupa em qualquer lugar”, pondera.

O futuro psicólogo Renato de Castro, 22, aluno da Unip, também é contra o cerceamento do direito dos alunos de se expressarem, mesmo por meio de roupas. Ele reclama da proporção que o caso de São Bernardo do Campo ganhou e ainda lembra que já presenciou assuntos muito mais problemáticos no ambiente acadêmico. “Nunca vi ninguém implicar com ninguém por causa de roupa, mas em compensação já vi casos de alunos bêbados, brigas e até discussões séries entre alunos e até professores”, pontua.