Quatro universidades brasileiras terão centros para testar vacina contra dengue em humanos

publicado em 07/08/2010 às 06h00:
Camila Neumam, do R7

Sanofi Pasteur vai patrocinar pesquisas em Goiânia, Fortaleza, Campo Grande e Vitória

O laboratório Sanofi Pasteur (divisão de vacinas da farmacêutica francesa Sanofi Aventis) vai patrocinar cinco centros de pesquisa de vacina contra dengue no país a partir deste ano. As pesquisas serão realizadas em duas etapas nas universidades federais de Goiás, Ceará, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul, cujas capitais sofrem constantemente com surtos da doença.

O laboratório confirmou ao R7 que a configuração do programa de estudo clínico no Brasil está em fase final de estruturação. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou a iniciativa da Sanofi em março deste ano.
A dengue é uma doença causada pela picada do mosquito Aedes aegypti, que sobrevive principalmente em regiões tropicais de clima quente e úmido, fatores que contribuem para a proliferação do criadouro do mosquito. A dengue acomete ao menos 230 milhões de pessoas no planeta por ano, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) e só no Brasil matou ao menos 435 pessoas neste ano.

Crianças são o alvo

Na primeira etapa das pesquisas, profissionais ligados às áreas de pediatria e epidemias dos hospitais universitários vão monitorar a ocorrência da dengue em crianças e jovens por um ano. Em seguida, começarão os testes da vacina tetravalente (composta pelos quatro sorotipos do vírus da dengue) produzida pelo laboratório para verificar a eficácia de sua imunização nesta faixa etária. Esse processo deve durar de dois a três anos.
Durante esse período, grupos de centenas de jovens vão tomar placebos (dose "de mentira", sem a substância) ou a vacina em si para depois serem monitorados com o objetivo de se detectar a queda ou manutenção do número de infecções pela dengue.

Segundo a chefe do pronto-socorro da pediatria do Hospital Universitário da Universidade Federal de Goiás, Maria Selma Neves da Costa, a perspectiva é que os trabalhos comecem em outubro, mas, antes, a instituição espera pela autorização do Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), que tem o poder de liberar pesquisas realizadas no país com verba internacional. Em seguida, o pedido será avaliado pela comissão de ética médica do hospital universitário.

Maria Selma vê o estudo como uma grande oportunidade para o Estado e para o país, já que, segundo ela, as crianças devem ser as grandes vítimas da dengue nos próximos anos.

- Pessoalmente fico muito feliz [com o projeto], porque Goiânia tem muitos casos de dengue grave. E infelizmente é uma tendência os casos ficarem mais graves nas crianças. Ter uma vacina que é a única proposta real para acabar com a doença, porque você não se acaba com vetores, é muito animador.

Os estudos clínicos na Universidade Federal de Ceará devem começar no mesmo período, segundo o epidemiologista José Carlos Rey, responsável pelo departamento de saúde materno infantil da instituição. A universidade aguarda apenas a aprovação das comissões de ética de pesquisa locais para começar.

- Faremos um estudo epidemiológico em Fortaleza com jovens de nove a 16 anos durante um ano, para saber a incidência de dengue nessa população. Depois faríamos um ensaio clínico controlado de vacina contra placebo.

As crianças e adolescentes participarão do estudo somente depois de assinarem um termo de consentimento junto aos pais. Após serem recrutadas, nem elas nem os pesquisadores saberão quem tomará a vacina e quem receberá o placebo, já que o processo é randomizado, ou seja, uma central telefônica localizada fora do local de pesquisa oferece um código selecionado aleatoriamente por um farmacêutico, que indica o tubo a ser usado como vacina. Nele pode ter o imunizante contra a dengue ou não.

A Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul também aguarda a autorização do Conep para começar os estudos clínicos, segundo o infectologista Rivaldo Venâncio da Cunha, professor da universidade. A reportagem não conseguiu contato com os especialistas da universidade de Vitória para confirmar a data do começo dos trabalhos. Segundo os especialistas consultados pelo R7, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, localizada em Natal, também terá um centro de pesquisa de testagem da vacina. Mas a informação não foi confirmada pela UFRN até o fim da publicação da reportagem.

Vacina eficaz e segura é um desafio

Há um consenso mundial sobre a necessidade de se fabricar uma vacina para erradicar a dengue, ou, pelo menos, eliminar sua expansão, que é maior a cada ano. No entanto, chegar a um produto final não é fácil, porque a dengue possui quatro vírus espalhados pelo planeta. Uma vacina realmente eficaz contra a doença deve ter capacidade de imunizar os humanos contra todos eles em uma só vacina – caso contrário, fica inviável para o mercado. Além disso, pessoas que já contraíram alguma forma do vírus ainda podem sofrer com a ação de outras “versões” da praga.

Neste contexto, a vacina tetravalente da Sanofi Aventis está à frente nas pesquisas mundiais. Criada em 2000, ela já passou pelas duas primeiras fases de pesquisa, que abrangem testes em animais e de eficácia e efeitos colaterais em humanos.

A vacina, chamada Chimerivax TM, é produzida com uma tecnologia de engenharia genética, chamada quimérica, que utiliza a base da vacina da febre amarela.

De acordo com Rey, o resultado das três doses indicadas para a imunização tem se mostrado seguro, com imunidade duradoura e poucos efeitos colaterais. Foram feitos experimentos em centros de pesquisa de países asiáticos como Filipinas e Cingapura e em várias nações latino-americanas, como Colômbia, México e Porto Rico. Essa vacina é a única, inclusive, que está apta a começar a fase três pelo mundo – isto é, o teste final em humanos, antes de chegar ao mercado.

Há, ao todo, cinco vacinas contra dengue sendo desenvolvidas mundialmente. Uma delas, produzida pela GSK (GlaxoSmithKline), em fase dois, também é considerada promissora. O R7 tentou contato com o laboratório por duas semanas, mas não obteve informações sobre suas ações no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, a GSK mantém um convênio, desde o ano passado, de transferência de tecnologia com a Fundação Oswaldo Cruz, que produz sua própria vacina. O governo financia o projeto, mas não divulga os valores.

Em nota, o Ministério da Saúde afirma que o país tem interesse pelo desenvolvimento da vacina, visto que a dengue é uma doença endêmica no Brasil e tem provocado epidemias ao longo da última década.

- A participação nestes dois projetos coloca o país em uma posição de prioridade junto a essas empresas na comercialização da vacina, caso os estudos sejam bem sucedidos.

O epidemiologista da Universidade do Ceará alerta, no entanto, que as duas vacinas mais avançadas devem ser colocadas no mercado somente daqui a quatro ou cinco anos.