Nota de cotista avança, mas é baixa

EDUCAÇÃO –

O Popular 21/06/2010

 

 

Desempenho inferior  ao dos demais estudantes

 

 

Os alunos que ingressaram na Universidade Federal de Goiás (UFG) por meio do sistema de cotas conseguem diminuir em parte, durante a graduação, a defasagem da nota do vestibular com relação aos estudantes que ingressaram na faculdade por meio do sistema universal.

 

Um levantamento que a UFG está ainda realizando, e ao qual o POPULAR obteve com exclusividade, revela que os cotistas têm desempenho próximo ao dos outros estudantes, ainda que geralmente inferior. Em poucos casos, a média de notas chega a ser maior que daqueles que não precisaram das cotas para entrar na universidade.

 

Cada universidade no País tem autonomia para decidir se adota ou não algum sistema de cotas e a maneira como faz isso. Mesmo com a aprovação na semana passada do Estatuto da Igualdade Racial, as instituições de ensino superior continuam sendo soberanas. Isso porque, de tão polêmicas, as cotas foram excluídas do projeto de lei e a discussão sobre elas postergada.

 

Entre as ações estabelecidas pelo estatuto, estão a determinação de que o poder público trate de programas específicos para a redução da desigualdade racial e a criação de sistema para promover a igualdade racial.

 

Defasagem

O curso mais concorrido no primeiro vestibular do ano passado (base de comparação, já que os alunos avaliados pela pesquisa ingressaram em 2009) foi Medicina, cujo ponto de corte pelo sistema universal foi 195.

 

O ponto de corte médio para candidatos pelo sistema de cotas foi 146 - uma diferença de 15% da pontuação mínima para aprovação. Ao final do primeiro ano de graduação, a diferença das notas entre os estudantes cotistas e os ingressantes pelo sistema universal é de 2,1% (veja quadro). Uma redução da diferença das notas em 22,9 pontos porcentuais (p.p.).

 

O mesmo ocorreu em todos as outras graduações já avaliadas pela UFG, em menor ou maior escala, dependendo do curso. No curso de Administração, a defasagem aferida à época do processo seletivo praticamente não se modificou durante o curso. Enquanto no vestibular as médias das notas dos cotistas foram 21% menores em comparação ao restante, durante o curso essa diferença ficou em quase 19%. Ou seja, redução de pouco mais de 2 p.p.

 

Por outro lado, em Nutrição ocorreu a maior redução: 32,6 p.p. Já nos casos de Pedagogia e Física, o desempenho dos cotistas foi tão bom que superou a média de notas na graduação de quem ingressou sem precisar das cotas.

 

Por causa da restrição do universo de cursos onde foi feita a pesquisa, em alguns casos a comparação foi realizada somente com a nota dos cotistas negros de escolas públicas, já que os outros inscritos pelo sistema de cotas obtiveram nota acima da média dos que entraram pelo sistema universal. Ou seja, não precisaram efetivamente da reserva de vagas.

 

Mas, de maneira geral, o resultado do levantamento significa que os estudantes que ingressam na universidade por meio das cotas conseguem reduzir as deficiências de aprendizagem dos ensinos fundamental e médio públicos brasileiros e revertem a situação dentro da universidade. No entanto, mais que um suporte na parte acadêmica, é preciso dar apoio para garantir a permanência desses estudantes, avaliam pró-reitores ligados à universidade.

 

Avanços

A pesquisa ainda é preliminar, adverte a pró-reitora de graduação da UFG Sandramara Chaves, mas as primeiras análises que são possíveis de serem feitas só confirmam o que já vem ocorrendo em outras instituições, explica. Ou seja, universidades do País que já começaram a avaliar seus programas de cotas estão observando que o desempenho desses estudantes nos cursos é próximo dos estudantes que entraram pela concorrência universal.

 

Para Sandramara, a explicação é de que, quando dadas as condições, os estudantes cotistas conseguem um desempenho acadêmico semelhante aos demais. Ela evidencia que a diferença da média de notas nos cursos não é tão significativa e pondera que, por ser o primeiro ano da graduação, as novidades do ambiente universitário podem também refletir no desempenho pior.

 

Presidente-executivo do movimento Todos Pela Educação, Mozart Neves Ramos afirma que as cotas são o reconhecimento de que a educação de qualidade no Brasil é só para alguns e, de certa forma, reflete um apartheid social no País, provocado pelas diferenças no acesso à educação de qualidade. "As consequências da falta da reserva de vagas são de que duas pessoas com essas diferentes oportunidades de estudo terão diferentes oportunidades no mercado de trabalho e também no futuro. As cotas vêm para reduzir essas desigualdades", defende.

 

Situação semelhante em outras instituições

O desempenho dos cotistas de outras universidades públicas do País é semelhante ao apontado por meio de um levantamento feito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Ou seja, os estudantes que precisam das cotas para ingressar nessas instituições conseguem notas próximas aos do alunos que ingressaram pelo sistema universal, mas quase sempre são inferiores.

 

De acordo com a assessora de Diversidade e Apoio aos Cotistas da Universidade de Brasília (UnB), Déborah Santos, a diferença entre os alunos cotistas e não cotistas é mínima. No caso da UnB, primeira universidade federal a adotar as cotas, o sistema é só para negros e indígenas, independente da classe social.

 

Segundo Déborah, há um acompanhamento desses estudantes na universidade, mas uma reavaliação do programa só vai ser feita quando o programa completar 10 anos. Para ela, o sistema já tem cumprido seu principal papel que é o da inclusão da população negra. "Hoje, a população de negros corresponde a 69% do total de habitantes do Distrito Federal. Na UnB, os negros são 12,5% do total de estudantes. Ainda há uma discrepância muito grande", avalia a decana.

 

Uerj
Um estudo divulgado há duas semanas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), a primeira a adotar a política de cotas no Brasil, apontou que, em várias graduações, as notas máximas alcançadas por estudantes cotistas é sempre menor às notas mais altas dos não cotistas.

 

Assim como na UFG, em cursos extremamente concorridos no vestibular, como medicina, a diferença é menor. Já em cursos da área de exatas essa discrepância tende a ser maior. Na Uerj também há grande diferença quando o curso tem como base o português. Já os índices de abandono e reprovação são menores entre os cotistas do que entre os não cotistas na instituição.

 

UFG mantém aluna reprovada em disciplinas

Uma aluna que ingressou este ano por meio do sistema de cotas na Universidade Federal de Goiás (UFG) não foi jubilada, mesmo depois de ter sido reprovada em todas as disciplinas que cursou no primeiro semestre letivo. O fato provocaria a exclusão da jovem do quadro de estudantes da instituição, conforme regulamenta o regimento interno da UFG.

 

A decisão foi tomada pela Câmara de Graduação, com embasamento em uma mudança no Regulamento Geral dos Cursos de Graduação (RGCG) que ainda nem foi aprovada por todas as instâncias da UFG. De acordo com a nova norma, o estudante só será jubilado quando reprovar por falta em todas as disciplinas no primeiro semestre e não por notas, como é o caso da aluna cotista. De acordo com a pró-reitora de graduação, Sandramara Chaves, as mudanças foram propostas porque alguns alunos precisam de mais tempo para se adaptarem ao ritmo da universidade. "Um impacto que pode provocar baixo rendimento", diz.

 

Segundo professores que participaram da reunião, o pai da garota fez uma defesa pela permanência da filha, alegando defasagem de aprendizado durante os ensino fundamental e médio em escola pública, além de outros problemas familiares. Sandramara lembrou que a câmara tem total autonomia para decidir sobre a exclusão ou não do estudante, com base em análise do contexto em que se deu o processo de jubilamento.

 

Especialistas divergem sobre cotas

De tão polêmico, o tema das cotas ficou de fora do recém-aprovado Estatuto da Igualdade Racial, que deverá ser sancionado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva nos próximos 20 dias. Especialistas em educação também têm opiniões divergentes sobre a política de cotas nas universidades brasileiras, mas são unânimes em um ponto: tão logo se promova a inclusão de negros e pobres no ensino público, as cotas devem acabar e isso só poderá ser feito após a melhoria da qualidade da educação básica pública no País.

 

Sociólogo e doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Pulo (USP), Demétrio Magnoli afirma que o sistema de cotas raciais é moral e eticamente condenável, uma vez que viola o princípio da igualdade perante a lei, instaura a "raça" no ordenamento legal brasileiro e discrimina jovens pela cor da pele. Contudo, o especialista acredita que cotas por renda podem ser justificadas como um recurso provisório.

 

Ainda de acordo com Demétrio, estudantes de escolas públicas de periferia, de qualquer cor de pele, estão praticamente excluídos de antemão, com ou sem cotas. "O resultado do sistema de cotas raciais é mascarar a falência do sistema de ensino público, adiando as reformas estruturais indispensáveis", explica.

 

Senador da República por Goiás, Demóstenes Torres foi relator do estatuto da igualdade e tem opinião semelhante e é completamente contra a cotas por raça. "Por que dar cota a um negro rico?", questiona. Para o senador, é evidente que existe um histórico de exclusão dos negros no Brasil, mas não se pode corrigir uma injustiça com outra - no caso as cotas por raça.

 

Em universidades pioneiras na instituição do sistema (a federal de Brasília, UnB, e Estadual do Rio de Janeiro, Uerj) as cotas são por raça e chegam a beneficiar até filhos de militares mortos, no caso carioca. Na Universidade Federal de Goiás, as cotas beneficiam negros e não negros que cursaram os ensinos médio e fundamental na rede pública.

 

Presidente executivo do Todos Pela Educação, Mozart Neves Ramos é a favor das cotas, mas lembra que seria necessária uma meta para que elas deixem de ser utilizadas enquanto instrumento de promoção da igualdade racial e social. Ou seja, uma meta para que seja cumprido um direito de todo cidadão brasileiro: o acesso à educação básica de qualidade. Para Mozart, estamos a caminho da universalização do acesso à educação, mas ainda falta avançarmos no campo da qualidade.

Pró-reitor de Assuntos da Comunidade da UFG, Ernando Melo Filizzola lembra que além das cotas, a UFG criou programas de permanência dos cotistas e de outros estudantes na universidade, caso precisem de acompanhamento acadêmico específico ou ainda ajuda financeira para custear a graduação.

 

Medicina

Estudante do terceiro período do curso de Medicina da UFG, Fagner de Souza Pereira, de 18 anos, ingressou pelo sistema de cotas, assim que foi implantado na instituição. Hoje, completamente integrado à realidade acadêmica do curso, o aluno diz que as cotas são importantes porque acabam selecionando quem tem grande potencial para estudar. "É uma oportunidade para aqueles que não tiveram tantas oportunidades assim", conclui.

 

Para Fagner, no ambiente da faculdade não há espaço para discussões sobre o sistema de cotas, já que o curso demanda muito tempo de estudo. "O curso é puxado e temos que ficar concentrados por causa do estudo", explica o estudante, que mora em Trindade e vem todos os dias para Goiânia para assistir às aulas. "É preciso ficar focado e a integração da turma ajuda bastante", completa.