Entorno de reserva de Cerrado sofre com devastação

Ambiente

Entorno de reserva de Cerrado sofre com devastação

Desmatamento ocorre em desrespeito à legislação e muitas vezes chega até o interior de parques

Vinicius Jorge Sassine

A comprovação do histórico descaso e da recorrência dos crimes ambientais em diferentes Estados aparece num levantamento inédito sobre a situação das mais importantes áreas para a preservação do Cerrado, as chamadas unidades de conservação. O desmatamento avançou sem controle sobre o entorno de dez quilômetros dessas unidades, praticamente os últimos redutos de biodiversidade do bioma mais devastado e – ainda – mais ameaçado do País. Um terço das áreas que circundam parques municipais, estaduais e federais, reservas ecológicas, áreas de preservação ambiental (APAs) e corredores de biodiversidade já foi devastado em mais de 70%, uma perda que transforma essas unidades em pequenas ilhas de vegetação, sem conexão com outros fragmentos de Cerrado.

Imagens de satélite analisadas pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG) mostram que a devastação consumiu dez quilômetros do entorno das principais unidades de conservação do Cerrado e, em muitos casos, chegou à própria área delimitada pelo Município, Estado ou União.

O Cerrado tem apenas 2,9% de sua área preservada em unidades de conservação e outros 6,5% em áreas de uso sustentável, como APAs, que não representam certeza de preservação. O estudo desenvolvido pelo geógrafo Fanuel Nogueira Garcia, dentro do Lapig, mostra que esses últimos redutos de Cerrado estão amplamente devastados e continuam sendo pressionados pela agropecuária, pela mineração e pela expansão imobiliária.

Fanuel analisou os alertas de desmatamento do Cerrado produzidos pelo Lapig entre 2002 e 2009, com foco específico nas imagens atualizadas das unidades de conservação. Em todo o bioma, são 336 unidades e, após um agrupamento de boa parte delas (em razão da proximidade geográfica), o pesquisador chegou a 137 unidades de conservação, em praticamente todos os Estados por onde se estende o bioma.

Boa parte dessas reservas foi criada justamente em razão dos desmatamentos contínuos, como forma de garantir a preservação do que restou de Cerrado. Mas o que os satélites captaram foi uma contínua devastação, apesar da existência de um parque ou de uma APA. Nos dez quilômetros circundantes de cada unidade, 4,6 mil quilômetros quadrados foram desmatados nos últimos oito anos, o que representa quase 13% de todos os desmatamentos registrados no Cerrado no período.

Essa devastação do entorno das unidades de conservação é um evidente desrespeito à lei. Dentro de parques, reservas e APAs, é proibido qualquer tipo de desmatamento. Uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estende essa proibição para os dez quilômetros em torno das unidades, nos casos em que ainda não tenham sido desenvolvidos planos de manejo. São esses planos que dizem quais áreas poderão ser desmatadas. Em Goiás, portaria da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) proíbe atividades econômicas ao longo desses dez quilômetros, com apenas uma exceção: extração de areia, cascalho e argila para uso exclusivo pelas prefeituras.

“Não há respeito nem aos planos de manejo nem à resolução do Conama”, afirma Roberto Zanin, analista ambiental da Coordenação de Criação de Unidades de Conservação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão federal responsável pela criação e gestão dos parques. Ele lembra que a criação de planos de manejo é obrigatória num prazo de cinco anos, mas muitas reservas não fazem o plano. Por isso, ficam submetidas à obrigação de preservação ao longo dos dez quilômetros circundantes. “Os desmatamentos detectados já existiam e, se ainda ocorrem, são feitos sem autorização”, diz o gerente de Áreas Protegidas da Semarh, Cláudio Adriano Costa.