162 mil jovens nem trabalham nem estudam

Deire Assis - O Popular

A atual geração de jovens brasileiros com idades entre 18 e 24 anos enfrenta uma realidade cruel ligada ao mundo do trabalho e da escola. Em Goiás, um contingente formado por aproximadamente 162,2 mil jovens nesta faixa etária não trabalha nem estuda. Considerando o total da população do Estado nessa faixa de idade - em torno de 714 mil - tem-se que, em média, dois, em cada dez jovens goianos estão fora da escola e sem emprego.
Especialistas ouvidos pelo Popular atribuem o quadro - quase sempre agravado pelas condições socioeconômicas desfavoráveis - às limitadas oportunidades de acesso desses jovens a um ensino de qualidade que alie educação formal de nível médio a uma formação técnico-profissional capaz de prepará-lo para os desafios não só de conseguir, mas de manter-se no emprego.
Esse cenário, que fere de morte as perspectivas da juventude, transforma-se em porta aberta para o subemprego, a exclusão e a marginalização dessa população. “Boa parte desse contingente de jovens foi obrigada a abandonar a escola mais cedo, mesmo sem concluir o ensino médio. Sem acesso a uma ocupação, eles seguem para o emprego informal. Estão nas ruas vendendo CDs piratas ou nas feiras. Outros são cooptados pelo tráfico de drogas ou se entregam à prostituição”, analisa o especialista em Juventude Lourival Rodrigues da Silva, coordenador do Programa de Pesquisas da Casa da Juventude (Caju) Padre Burnier, instituto de formação, assessoria e pesquisa sobre juventude de Goiânia. “Em época de campanha eleitoral, muitos deixam a escola para balançar bandeiras na rua”, completa a professora Maria Margarida Machado, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad/IBGE) sistematizados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), 22,7% dos jovens goianos com idades entre 18 e 24 anos estão fora da escola e fora do mercado de trabalho. Estratificando o dado por sexo, tem-se que esta é a uma realidade ainda mais presente na vida das jovens. Entre as mulheres, esse porcentual eleva-se para 31,8%. Entre os jovens do sexo masculino, 13,8% não trabalham nem estudam. “Isto reflete, ainda, a dedicação de muitas jovens aos cuidados domésticos e familiares”, avalia o pesquisador Roberto Gonzalez, no estudo Juventude e Políticas Sociais no Brasil, do Ipea. De acordo com o trabalho, os jovens brasileiros tendem a sair da escola por volta dos 18 anos, independentemente dos anos de estudo obtidos.
Lourival Rodrigues, da Casa da Juventude, ressalta que esta é uma realidade diretamente influenciada pela renda. “Os jovens mais empobrecidos, quando não abandonam o estudo antes mesmo de completar 18 anos, têm de dividir o tempo entre a escola e o trabalho. Afinal, a busca pela sobrevivência leva esse jovem a pensar: a escola poderá me dar outra oportunidade. Já o trabalho, não”, sintetiza o pesquisador. De acordo com o coordenador do Programa de Pesquisas da Casa da Juventude, o perfil dessa juventude é formado por garotos que não contam com o suporte financeiro da família, sendo, na maioria das vezes, parte indispensável no complemento da renda familiar.
De outro lado, cita Lourival Rodrigues, há uma significativa quantidade de jovens que permanece fora do mercado porque não atende os anseios dos empregadores. Pesquisa ainda em andamento na Caju realizada ouvindo jovens de sete grandes municípios goianos revela que 70% dos entrevistados entre 15 e 29 anos estão sem emprego. Trinta e cinco por cento desse contingente está sem trabalho porque lhes falta experiência. Mas falta-lhes, também, formação educacional. Pouco mais da metade dos entrevistados na pesquisa concluíram o ensino médio. “Sem dúvida que há um déficit histórico de políticas públicas voltadas para a juventude, o que contribuiu para cenário tão preocupante”, diz Lourival.
Especialista avalia que falta política adequada
A população jovem que hoje não encontra espaço nem na escola nem no trabalho é formada por uma geração de pessoas que recebe, agora, os efeitos de uma política adotada a partir de 1995, no Brasil, de indução da educação fundamental. O conhecido mote do “todos na escola” priorizou, até meados dos anos 2000, a educação básica dos 7 aos 14 anos, relegando, a segundo grau de importância a formação de nível médio. “Esta foi uma política que virou as costas para o jovem e hoje se questiona qual foi a qualidade do ensino oferecido a esta geração. O ‘todos na escola’ esconde o dado da permanência e da saída da escola”, critica a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal, Maria Margarida Machado.
Segundo a professora e pesquisadora de temas que envolvem políticas educacionais para a juventude, essa lacuna em investimentos na qualidade da formação de nível médio do jovem brasileiro passou a ser alvo da política nacional em educação, sobretudo a partir de 2006, com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) associado a programas como o Pró-Jovem, de incentivo à permanência na escola. Com esse novo olhar, a prioridade passou a ser a educação oferecida dos 4 aos 17 anos e não mais dos 7 aos 14, valorizando, desse modo, a formação de nível médio. “É claro que a dívida com esses jovens não poderá ser revertida de um ano para o outro, mas haverá de impactar positivamente nos próximos anos”, estima a professora da UFG.
Maria Margarida Machado considera ainda a escola pouco atrativa para o jovem. “A escola atual precisa dialogar com os anseios da juventude”, destaca. Segundo avalia, o acesso a novas ferramentas tecnológicas, por exemplo, não comprova acesso a formação de qualidade. “O papel formador da escola é muito maior que isso e cabe ao governo estadual, induzido pelas políticas do governo federal, assumir esse papel”, acentua.
Foco do ensino médio se limita à preparação para o vestibular
A mudança do paradigma na educação brasileira pode ser exemplificada pela ampliação da oferta de vagas no ensino profissional-técnico de nível médio nos últimos anos, um cenário vislumbrado também em Goiás. No entanto, considera-se necessário mais investimento no setor para que se possa atender à demanda de jovens que, por qualquer razão, não têm acesso à formação de nível superior.
Segundo estimativas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, do Ministério da Educação (Inep/MEC), apenas 11,4% da potencial demanda por vagas no ensino profissional-técnico de nível médio foi atendida no Brasil em 2006. O estudo Juventude e Políticas Sociais no Brasil, do Instituto Nacional de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), menciona que “a oferta de educação profissional técnica não só é reduzida, mas também bastante concentrada e desigual.” E, de acordo com o trabalho, a “oferta de oportunidades de formação profissional pode, sob certas condições, facilitar a entrada do jovem no mercado de trabalho ao minimizar alguns aspectos que o desfavorecem frente aos demais trabalhadores”.
Especialistas em Juventude consideram que esse novo olhar para a educação de nível médio deve associar a este grau de ensino o incentivo à conclusão dos estudos e programas públicos, gratuitos e de qualidade de aprendizagem profissional visando a formação técnica e a preparação para o trabalho. “O ensino médio formal prepara o jovem para o vestibular. Isso é não enxergar a realidade e as necessidades de grande parte da juventude brasileira”, sustenta Lourival Rodrigues.
Estado pretende implantar 58 escolas com ensino profissionalizante
Em Goiás, a imensa maioria das vagas disponíveis na educação técnica-profissional de nível médio é de responsabilidade dos Institutos Federais (IFG e IF Goiano) e dos Serviços Nacionais de Aprendizagem da Indústria e do Comércio (Senai e Senac) enquanto as vagas oferecidas pelo governo estadual são reduzidas.
De acordo com o coordenador do Ensino Médio da Secretaria Estadual de Educação, professor Marcos Elias Moreira, o Estado prepara-se para instalar 58 escolas - das quais 5 em Goiânia - com cerca de 3,6 mil vagas em 90 cursos de ensino médio integrado à educação profissional, que é uma das três modalidades da educação profissional de nível técnico no Brasil.
Atualmente, o Estado só oferece vagas, por meio de rede coordenada pela Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, nos cursos de ensino médio articulados com a educação profissional e cursos técnicos pós-ensino médio.
Segundo Marcos Elias, o Estado aguarda o fim do processo eleitoral para assinar convênio com o Ministério da Educação para instalação dessas escolas em diferentes regiões de Goiás. A atividade produtiva fim dos municípios integrados a esta rede conduzirá o processo de escolha dos cursos a serem implantados, esclarece o professor.
Na análise dele, a educação pública precisa ampliar muito o acesso ao ensino médio articulado com a educação profissional. “Esta lacuna precisa ser preenchida com ofertas diversificadas e maiores possibilidades para a juventude prosseguir seus estudos e obter êxito em sua entrada no mercado de trabalho”, frisa Marcos Elias.