Entrevista: Flávia Maria Cruvinel

 

Sancionada em 2008, a lei 11.769 prevê que as escolas da rede púbica incluam, até o final do ano que vem, o ensino de música em suas grades curriculares. Uma novidade que a mestre em Música e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Flávia Maria Cruvinel, diz ser altamente positiva. Entre outros aspectos porque a arte ajuda na formação humana. Mas para atingir esses e outros objetivos, inclusive de ordem técnica, ela acredita que os bacharéis que lecionam a disciplina precisam ter algumas características especiais. “O educador musical precisa ter aquele perfil do professor interventor, agitador cultural, que vai atrás para conseguir realizar seu trabalho porque as estruturas que estão postas aí nem sempre são as ideais”, destaca.

Para discutir essas e outras questões ligadas ao ensino da arte, Flávia ressalta que a UFG promover de 28 de setembro a 1º de outubro deste ano, o 19º Congresso Anual da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM). O evento terá como tema geral “Políticas Públicas em Educação Musical: Dimensões Culturais, Educacionais e Formativas”, e  a organização está a cargo da Escola de Música e Artes Cênicas (EMAC) da UFG. Para falar sobre alguns pontos do evento e a respeito dos principais desafios em torno do tema, a educadora, que também atua como coordenadora de Cultura da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) da UFG, concedeu esta entrevista ao ESCOLA.

Desde a sanção até agora, como a senhora percebe a movimentação em torno da nova lei?
Nós ainda estamos discutindo como esse ensino de música vai entrar na escola. Quais metodologias serão usadas. Também questões referentes ao quadro profissional, já que nós não temos professores licenciados em música para atuar em todas as escolas. Então essa é a discussão e o 19º Congresso da Associação Brasileira de Educação Musical trata do tema geral em políticas públicas em Educação Musical. E exatamente uma das mesas de discussão será sobre a implementação da lei 11.769, de 2008.  Nós vamos ter um fórum específico para tratar disso no congresso da ABEM porque é um tema que está efervescente entre nós. E sabemos que é um passo importante para a área.

Como educadora, a senhora observa que os graduandos de música estão motivados com essa nova possibilidade de inserção profissional?
Sim. Tanto que os cursos de licenciatura no Brasil estão tendo um aumento da procura. Mas eu vejo ainda que a realidade da escola pública assusta os licenciados e não só os de música: na questão do salário, estrutura, comportamento das crianças, uma série de questões. Porque o educador musical está muito habituado aquele ensino especializado onde o aluno, numa escola particular ou específica, está ali para aprender música. Então é um outro perfil de aluno. Já o do ensino regular está na escola para ver Matemática, Química, Geografia e Música. Então alguns vão estar interessados, outros não. E a música, por ter peculiaridades como a questão instrumental, do som, às vezes muitas escolas ainda resistem em ter a disciplina porque esse som atrapalha as demais aulas. Ocorre que se trata de uma aula diferenciada, onde o som e a movimentação são muito importantes. E, às vezes, a aula está acontecendo de uma forma mais favorável. Temos todas essas especificidades da área que a gente vem buscando compreender melhor para tentar chegar com uma força melhor na escola.

Inclusive as aulas de música também requerem um espaço físico diferenciado...
Sim. E isso incide em mais verbas e requer um professor atuante que vai reivindicar o seu espaço na escola. O educador musical vai precisar ter aquele perfil do professor interventor, agitador cultural. Aquela pessoa que vai atrás para conseguir realizar seu trabalho porque as estruturas que estão postas aí nem sempre são as ideais. Mas nós vamos começar com a nossa realidade presente e vamos, aos poucos, melhorando essa estrutura física e de ensino também.

O aluno de educação musical da UFG está sendo preparado para atuar dentro desse contexto?
Nós temos estágios supervisionados e desde 2006 turmas que atuam em projetos sociais. Então a UFG vem buscando cada vez mais dar uma formação múltipla para esse profissional mostrando os diversos contextos de atuação. Se antigamente se vislumbrava somente o ensino especializado, nas escolas particulares de música ou nos conservatórios, hoje nós temos uma gama de outras propostas, como a Educação Básica; os projetos sociais, os coros e as orquestras... São campos que estão aí postos e o educador musical tem que estar preparado para assumir esses espaços. Então a EMAC, ao longo dos anos, está muito atenta com a questão do nosso contexto regional, nacional, e a nossa escola tem sido muito atuante junto às secretarias estadual e municipal de Educação, com as escolas de ensino especializado de Goiânia, mas também buscando esse diálogo maior entre as figuras que compõe essa área musical. Tanto em Goiânia como no Brasil. E por isso a força de ter trazido esse evento de nível nacional para Goiás.

Com respeito ao ensino da música propriamente, como ele está sendo pensado e quais linhas serão discutidas no Congresso?
Inicialmente nós não trabalharíamos com o conceito de cultura clássica, que tem a música europeia como um modelo, digamos, oficial. A perspectiva nossa é trabalhar a partir da diversidade cultural, do multiculturalismo, aceitando também a bagagem cultural que o aluno traz, respeitando a sua história de vida. Então o professor tem que ter essa escuta sensível e observação junto aos alunos para que essa aproximação se estabeleça entre ele e o estudante. E, a partir desse vínculo, é possível propor essas músicas (clássicas) porque se eu chegar com um modelo e tentar impor na escola realmente não funciona.

O ideal é que a escola tenha mais de um educador musical em seu quadro docente?
Isso depende da política do Estado. Essas questões é que a gente vai discutir no congresso. Nesse momento efervescente em que nós vivemos, a partir daqui nós pensamos que temos que agir para que lei saia do papel. Porque a lei no papel é um indício de que algo vai acontecer, mas só vai concretizar se nós, como professores de música, como sociedade, cobrarmos e marcarmos presença nesse cenário. Então é papel do educador musical fazer com essa lei seja cumprida.