Nascentes de Rio Verde sob perigo

 

Em Rio Verde, degradação das áreas onde brotam os principais mananciais do município gera riscos para a biodiversidade da região


 

arques tem percorrido por conta própria as nascentes dos principais córregos, ribeirões e rios do perímetro urbano de Rio Verde. O objetivo do trabalho, segundo ele, é produzir um farto material fotográfico para integrar um dossiê denunciando vários problemas encontrados nestes locais e que será entregue às autoridades responsáveis pela fiscalização ambiental – tanto do Ministério Público quanto da Prefeitura de Rio Verde e da Câmara Municipal. “A realidade que estou encontrando é assustadora: lixo jogado nas nascentes, casas construídas em Áreas de Preservação Permanente ou sem respeitar a distância mínima dos mananciais, erosões, assoreamento e diversas outras provas de desrespeito às leis ambientais”, relata Buarques.
Agrônomo com mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Hipólito Tadeu Ferreira da Silva endossa as palavras do fotógrafo e vai ainda além nas críticas ao modo como o problema vem sendo tratado pelas autoridades. “Ao longo da história da exploração do espaço e do ambiente do Cerrado, muito pouca atenção se deu à questão dos recursos hídricos, de uma maneira geral. Todas as ações foram desenvolvidas no plano da exploração dos recursos agrícolas, com a eliminação do Cerrado para dar lugar aos agroecossistemas, que são sistemas artificiais que hoje constituem importantes parcelas da formação da economia nacional. Enfim, sempre se negligenciou a questão das nascentes, das bacias e das microbacias”, lamenta o professor do Instituto Federal Goiano – Campus Rio Verde. O especialista explica que o fenômeno vem desde o tempo das grandes erosões, mas se intensificou com o fortalecimento do sistema de Plantio Direto em parcela significativa das culturas. Segundo ele, muitas das nascentes destas áreas foram drenadas e eliminadas em favor do cultivo dos grãos que hoje ilustram a maior parte das paisagens da nossa região.
Silva comenta que a concepção da necessidade de preservação de água é antiga, sob o ponto de vista legal, mas avalia que isso não tem sido posto em prática pelos detentores do poder público. “Isso ocorre na medida em que eles priorizam certas ações de proveito econômico e, consequentemente, de proveito político, no sentido de não se contraporem aos interesses imediatos dos produtores”, diz, citando a falta de respeito às Áreas de Preservação Permanente (APPs), espaços que, a seu ver, obrigatoriamente deveriam ser mantidos em todas as propriedades. “Isto é algo óbvio, haja vista que não existe nenhuma que não possua recursos hídricos – seja uma nascente, um rio, córrego ou ribeirão. Nestas áreas deveria ser garantida uma faixa de proteção a estas águas e que se ligaria às áreas de proteção das propriedades vizinhas, de maneira a constituir um corredor de proteção de águas bem como de biodiversidade”, propõe.
Outro grave problema citado pelo professor universitário é o fato de Rio Verde possuir atualmente menos do que 5% de cobertura vegetal original, ou seja, de mata nativa. “Um dos pontos nevrálgicos da questão da produção de água, em termos da quantidade e da qualidade, se dá principalmente na obrigatoriedade de recomposição destas APPs, como forma de proteger os cursos d´água e estas nascentes ante a ação e as pressões exercidas por diversas substâncias e diversos compostos provenientes da atividade agropastoril. Este trabalho de recuperação de nascentes tem sido feito de forma heróica e louvável, mas infelizmente quase que exclusivamente por pessoas baseadas no preceito das suas consciências”, declara. Conforme Silva, a pecuária também contribui com parte significativa na inclusão dos chamados xenobióticos, substâncias do tipo herbicidas que continuam sendo utilizadas, sendo que parte dos seus resíduos são carregados para os cursos d´água, comprometendo a sua qualidade.
Hipólito Tadeu Ferreira da Silva foi um dos alunos do Curso de Capacitação em Gestão dos Recursos Hídricos, iniciativa resultante de uma parceria entre IF Goiano, Universidade Federal de Goiás (UFG), Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Ambiental de Rio Verde, Ministério Público e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Coordenado pelo professor Raimundo Rodrigues Gomes Filho, da UFG, o curso já foi ministrado no município de Jataí e no Estado do Ceará. Em Rio Verde, ele teve duração de cinco semanas, sendo realizado entre os dias 23 de outubro e 11 de dezembro, o último sábado. “O objetivo central deste curso foi proporcionar a formação dentro de um contexto de mudança da lógica da exploração dos recursos hídricos, ou seja, preparar lideranças para atuarem na constituição dos comitês gestores de bacias hidrográficas, partindo do pressuposto adotado quando da constituição da Agência Nacional de Águas: o de que os rios possam ser gerenciados pela comunidade, isto é, por pessoas que estejam integradas às suas realidades locais e inclusive aos seus potenciais de uso”, ressalta.
Ainda sobre a importância desse tipo de trabalho, o especialista aponta que o foco é tanto quanto à qualidade, quanto à quantidade, à vazão, à proteção e ao controle de uso das águas superficiais. “Estes comitês ainda estão engatinhando porque há interesses enormes em torno deles. As hidrelétricas vão ter que pagar os serviços ambientais gerados pela bacia, porque elas não consomem o recurso, mas o utilizam intensamente, represando, controlando a vazão e alterando o ecossistema. Quando acontece o represamento, o crescimento da população de piranha é enorme e este é um peixe altamente carnívoro, que acaba suprimindo boa parte dos demais”, exemplifica.
Câmara
Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Rio Verde, o vereador José Henrique de Freitas (PMDB) também se diz muito preocupado com a atuação da Prefeitura na fiscalização quanto ao cumprimento das leis ambientais. Na opinião do parlamentar, o próprio Poder Público vem cometendo irregularidades. “Recebemos do Executivo um Projeto de Lei referente ao programa ‘Sonho Escriturado’, que visa regularizar a documentação de todos os imóveis irregulares do município. O problema é que muitos deles estão localizados em APPs. Como posso concordar com isso?”, pondera.
O peemedebista afirma que enviou ofício à Secretaria de Ação Urbana, bem como às superintendências de Meio Ambiente e de Assuntos Comunitários para saber como seriam tratados no programa os terrenos e imóveis localizados nas APPs, mas até o momento não recebeu nenhuma resposta dos órgãos. “Sabemos de casos de loteamentos clandestinos, como o Jardim Helena, onde estão ocorrendo invasões nos arredores do Córrego das Mangueiras. Fizemos fotos e enviamos uma representação denunciando o problema ao promotor Lúcio Cândido de Oliveira Júnior (titular da 6ª Promotoria de Justiça de Rio Verde, responsável pela atuação na área ambiental), mas está tudo caminhando muito lentamente, ao passo que a devastação ocorre de forma acelerada”, avalia.

Superintendente diz que fiscalização tem sido atuante

À frente da Superintendência Municipal de Ambiente desde o início do governo do prefeito Juraci Martins, Lázaro José de Almeira, o Lazão, admite que ainda há muito a fazer para a melhoria desta área em Rio Verde. Por outro lado, o gestor contesta as acusações de que a fiscalização do Poder Público Municipal é falha e conivente. Entrevistado com exclusividade pela Tribuna, ele comentou as maiores dificuldades do dia a dia no seu trabalho e se defendeu das acusações feitas à reportagem pelo professor universitário Hipólito Tadeu Ferreira da Silva e pelo vereador José Henrique de Freitas. Confira a seguir os principais trechos das falas do superintendente:

Invasões
Temos alguns locais em áreas urbanas de Rio Verde que têm ocupações já há bastante tempo, principalmente nas margens dos córregos, nas chamadas de APPs. Em vários pontos do Córrego do Sapo e no Córrego Gameleira, que fica logo após o IF Goiano, por exemplo, temos Áreas de Preservação Permanente que foram invadidas. O Córrego Barrinha também tinha invasões, mas, com a canalização dele, todos os imóveis foram legalizados, com exceção dos da parte da cabeceira. O problema é que estamos lidando com pessoas que estão lá há 10, 15 ou até 20 anos e é claro que elas não vão querer sair de suas casas tão rapidamente. É preciso que façamos um trabalho conjunto com a Secretaria Promoção Social para tentarmos conseguir uma casa para aquelas famílias. Sabemos que o Poder Público precisa desocupar estas moradias, mas este é um serviço que tem que ser feito com todo cuidado e de acordo com a lei. A nossa Procuradoria e a Superintendência de Habitação e Desenvolvimento Urbano estão à frente deste processo para a regularização fundiária.”

Arborização
Já cercamos toda a cabeceira em volta do Barrinha. Algumas áreas que foram compradas por terceiros no governo passado foram readquiridas pela nossa equipe de governo. Pagamos por mais de 30 lotes ali em volta ali. As pessoas pedem muito para que façamos a retirada de árvores. Tudo bem, podemos retirá-las, mas que sejam plantadas outras em outros lugares. O prefeito tem cobrado e vamos fazer campanhas para as pessoas plantarem árvores próprias para a área urbana.”

Comam
Iniciamos há pouco tempo, aproximadamente seis meses, os trabalhos do Conselho Municipal de Meio Ambiente, do qual sou presidente. Ainda estamos estruturando a sua diretoria e a parte de legalização, com CNPJ, estatuto e tudo mais que é necessário. Esta é uma luta que vem desde 1997 e sabemos que temos muitos trabalhos a serem realizados, que exigem muita responsabilidade e estudos. Temos, por exemplo, recursos de multas que foram aplicadas por infrações contra o meio ambiente e que o Comam precisa nos ajudar a destinar, porque quando a multa é ambiental ela só pode ser aplicada no meio ambiente. Não posso pegar este dinheiro para construir uma escola ou aplicar em outro setor. O Ministério Público nos orientou que este recurso só pode ser aplicado para melhoramento ambiental na nossa cidade. No mandato passado, não havia documentação e várias pessoas acabaram se apropriando daqueles recursos.”
Conduta
Antes de aplicar uma multa, nós fiscalizamos, orientamos, notificamos; enfim, tentamos fazer um trabalho de conscientização. A punição ocorre em último caso. Esta é a nossa palavra de ordem. A multa é o último recurso, quando a pessoa não quer nos atender. Sabemos que a multa não resolve para quem não quer cumprir a lei, mas mesmo assim o infrator vai ter que pagá-la. Se não pagar, ela não vai conseguir tirar as certidões de que precisa para obter crédito, o que inviabiliza totalmente a sua atividade, seja uma empresa ou um produtor rural. Também nos preocupamos com os loteamentos. Quando a lei obriga um afastamento maior para não contaminar um manancial, nós a cumprimos com rigor, pois não vamos deixar que a população seja prejudicada por uma omissão nossa. É o caso da região do Córrego Lage, que já está cercada.”

Qualidade da água
A Saneago está sempre tomando todas as medidas para garantir a qualidade da água consumida pelos rio-verdenses. Há pouco tempo, quase houve um desastre na região do São Tomaz, quando ocorreu um derramamento proveniente de uma empresa, mas esta água poluída não foi para os filtros da Saneago. Por sorte e coincidência, isso ocorreu em dia em que o sistema de captação não estava funcionando devido a serviços de manutenção. Quando detectamos aquele problema, eu e um fiscal da superintendência fomos lá, ficamos por volta de 5 da tarde até quase meia-noite, tentando resolver a situação juntamente com a Saneago para evitar um dano maior. Felizmente, foi tudo contornado sem qualquer problema para a nossa comunidade.”

Futuro
O trabalho que é feito hoje pela superintendência busca amenizar problemas que já vêm de longa data e preparar terreno para que o futuro seja mais tranquilo. Estamos com 50 mil exemplares da nossa segunda Cartilha de Conscientização Ambiental sendo espalhados por toda a cidade, repassando às crianças dos 6 aos 14 anos importantes ensinamentos sobre o meio ambiente, no intuito de que elas repassem estas orientações aos seus pais. É uma obra que mostra Rio Verde desde a sua fundação, fala sobre a coleta do lixo, sobre toda a utilização da água, além de apresentar o Hino Nacional e o Hino a Rio Verde. Temos também um trabalho de plantio de árvores nativas em meio alqueire de chão na área da Cabeceira Comprida, que está lindo. Fechamos toda a área de 5.550m da Água Santa. E também não posso deixar de citar a cabeceira do Barrinha, que hoje tem outro perfil, pois tomamos umas providências ali para que possamos cercá-la e arborizá-la, além da construção do Parque Agroecológico naquele local.”