Estado aumenta gastos, mas não reduz violência

Conter a criminalidade no Estado – e isso está diretamente ligado a reduzir o número de homicídios principalmente na grande Goiânia e no Entorno de Brasília – será uma das principais missões do próximo governador do Estado na área de segurança pública. O desafio exige prioritariamente uma solução para a estrutura física caótica das delegacias em todo o Estado, aparelhar as regionais da Polícia Técnico Científica para que o trabalho não acumule em Goiânia e encarar o déficit de estrutura e de pessoal do sistema prisional – considerado um depósito de pessoas que incomodam a sociedade.

Os gargalos da segurança pública em Goiás é o assunto da sétima reportagem da série Agenda Goiás – 2011 a 2014, que está sendo desenvolvida pelo POPULAR para subsidiar o leitor a participar do Face a Face Especial com os principais candidatos a governador de Goiás, no próximo dia 31. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e com estudiosos da área, houve avanços com a realização de concursos públicos e aparelhamento das Polícias Civil, Militar e técnico científica.

Entretanto, o crescente número de homicídios indica que os investimentos são insuficientes. Embora os dados da SSP mostrem uma sensível redução de homicídios no Estado (leia o quadro), especialistas explicam que o número geral esconde o problema nas regiões mais populosas e a própria secretaria admite que esse é o problema “que mais preocupa”.

Segundo estudo realizado pela socióloga e professora da UFG, Dalva Borges de Souza, em 1998 aconteciam 21 homicídios para cada 100 mil habitantes em Goiânia. Dez anos depois, em 2008, esse número cresceu para 36. Na cidade de São Paulo, acontecem 12 homicídios para cada 100 mil habitantes. A Organização Mundial de Saúde usa esse cálculo para medir a taxa de violência em diversas localidades e aponta como aceitável o número de 10 homicídios por 100 mil habitantes.

A SSP diz que os homicídios estão diretamente relacionados ao uso e tráfico de drogas. Informação contestada por Dalva: “O delegado recebe a notícia de que alguém foi morto a tiros. Sem pista do autor, começa a investigar a vítima, descobre que ela algum dia usou droga e associa o crime ao tráfico”, critica a professora, dizendo que essa avaliação prematura decorre da falta de estrutura da Polícia Civil para trabalhar.

Mais grave do que o déficit que ainda é apontado no efetivo de delegados, agentes e escrivães, o grande problema enfrentado pela Polícia Civil está na sua estrutura física. Em boa parte do Estado, as delegacias estão em prédios alugados e em condições precárias. “É um caos. A maioria dos prédios não admitem nem reforma porque a documentação é irregular, não suportam a demanda”, afirma o promotor José Carlos Nery, chefe do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público de Goiás.

O promotor estima que de cada 100 ocorrências registradas, apenas 20 geram algum tipo de investigação. “O número de investigações que vão chegar à autoria do crime é ainda menor”, reforça Nery.
O promotor cita o município de Novo Gama, no entorno de Brasília, que conta com dois delegados. “A demanda lá é enorme, só dois não dão conta do serviço”, afirma.

Além da estrutura física caótica, as delegacias se tornaram também depósito de materiais apreendidos. Levantamento feito pelo promotor criminal contou 2.250 máquinas caça-níqueis em delegacias de Goiânia.
Nery critica a prática de transformar delegacias em depósito e diz que isso provoca sensação de insegurança para os próprios policiais civis. A SSP reconhece o problema e diz que está em busca de uma solução.

Outro problema apontado pelo promotor é o número de presos em delegacias. “Antes da greve dos delegados (no primeiro semestre deste ano), eram 220 presos abrigados em delegacias em situação irregular. Tiraram 100, mas a situação já está voltando ao que era”, calcula Nery.

O aparelhamento da polícia técnico científica é outro gargalo no combate à criminalidade. O trabalho em Goiânia está bem aparelhado, entretanto nas regionais do interior a situação é precária, segundo Nery. O resultado é a concentração de laudos para serem concluídos na capital.

“Existem laudos esperando há dois, três anos para serem concluídos. Uma pessoa que é presa por tráfico acaba sendo solta, porque a lei proíbe que ela fique presa aguardando o trabalho da perícia”, lamenta o promotor.

Sistema prisional preocupa especialistas

O sistema prisional em Goiás é apontado por especialistas como outra estrutura caótica da Secretaria de Segurança Pública. Déficit de celas, de administração, de efetivo e de qualificação é apontado como urgência para os presídios em Goiás.

“É uma bomba relógio prestes a explodir a qualquer hora”, é a definição do promotor José Carlos Nery para o sistema prisional. O caos começa pela superlotação – o déficit de vagas é mais da metade das vagas existentes.
“Os presos revezam para dormir, para ocupar espaço, o corredor fica lotado. Nessa de não ter onde colocar preso, uma pessoa que é pega furtando em flagrante é liberada imediatamente porque ocuparia o lugar de um traficante ou de um homicida”, aponta Nery, ponderando que essa prática é percebida em delegacias goianas do Entorno de Brasília.

A situação é precária também para os agentes prisionais. Eles trabalham sobrecarregados – faltam cerca de 650 para suprir o déficit – e em regime temporário, o que dificulta a formação daqueles que lidam diretamente com os presos. A consequência está na forma como essas pessoas voltam para a sociedade, em fugas ou no final da pena, sem a tão sonhada ressocialização.

“Além de não ressocializar, a prisão favorece o desenvolvimento de carreiras criminosas pelo próprio contato que os presos têm uns com os outros e pelas condições subumanas em que vivem nos presídios”, avalia a socióloga Dalva Borges Souza, professora da UFG.

Ela ressalta: “Os presídios viraram depósito de pessoas que incomodam a sociedade. Não se faz investimento porque a crença na ressocialização, desde a década de 80, não existe mais”. (Núbia Lôbo)

Fonte: Jornal O Popular