História de embates

 

Pessoas que ajudaram a fundar a UFG relembram, 50 anos depois, as lutas para a criação da universidade

Rogério Borges

 

O ex-diretor da Faculdade de Engenharia da UFG Orlando de Castro ainda era um estudante, mas traz vivos na memória os acontecimentos daqueles anos de 1959 e 1960. "A situação financeira da então Escola de Engenharia do Brasil Central era muito grave e a única saída que existia era a sua federalização", recorda-se.

Foi assim mesmo, com iniciativas inicialmente isoladas, que a ideia da Universidade Federal de Goiás foi tomando corpo num processo bastante penoso e vítima de inúmeros reveses. "Os estudantes tomaram a frente. Procuraram os deputados para apresentar o projeto de fundação da UFG, foram fazer comício nas salas de aula, fazer pichação para pedir a criação da instituição", relata Orlando.

Ele aponta como decisiva a participação dos estudantes das faculdades de Direito e de Farmácia e Odontologia, que assim como a Engenharia, eram instituições independentes que se uniram para formar a UFG. "Precisava haver quatro cursos e o Conservatório de Música foi o que faltava." Quem também ingressou no movimento pró-UFG foi Francisco Ludovico, filho do governador José Ludovico de Almeida, que seria diretor da Faculdade de Medicina, fundada em 1960. Projetos como o do deputado Emival Caiado, que propunham a criação da universidade, não vingaram.

Minas Gerais, Estado de JK, estaria disputando a condição de criar uma universidade no Brasil Central. "Tanto é que Mário Palmério, que era assessor do presidente, fundou uma em Uberaba", aponta Orlando. O pioneiro diz que a entrada na briga de Colemar Natal e Silva, que viria a ser o primeiro reitor da UFG, foi fundamental. Ele era diretor da Faculdade de Direito e foi convencido pelos estudantes a ingressar na luta. "Ele até titubeou no início, mas depois se convenceu da importância da causa e conseguiu muitos avanços."

O jurista Alfredo Nasser, que era ministro, e o professor Altamiro de Moura Pacheco, próximo ao presidente Juscelino, também trabalharam pelo projeto da universidade em Goiás. Em 1960, uma comissão conseguiu agendar encontro com JK em Brasília no dia 6 de setembro, véspera do primeiro desfile da Pátria na nova capital. Um ônibus com 40 pessoas viajou até lá. João Neder, estudante de Direito e orador da Frente Pró-Universidade Federal, esteve na reunião. "Nós jantamos com o presidente no Palácio da Alvorada e depois fomos para a biblioteca debater as estratégias para a criação da UFG."

Ele conta que JK ficou receoso em melindrar o clero goiano, que acabara de fundar a Universidade Católica, com a decisão de criar outra instituição de ensino superior de grande porte no Estado, já que isso iria diluir as verbas para o setor. O presidente, porém, acabou convencido e enviou em poucos dias a mensagem ao Congresso determinando a criação da UFG. "Eu queria que JK fosse o paraninfo da nossa turma de Direito, que foi a última da Faculdade da Rua 20 e que colou grau no dia da fundação da universidade. Mas havia grupos que propuseram outros nomes e aquele que acabou escolhido foi o de Fidel Castro."

Essa foi uma das poucas cisões que ocorreram naquele grupo histórico de estudantes. Só os formandos de Direito somavam 120 pessoas. Ainda que não tenha sido o homenageado da turma, JK esteve em Goiânia na ocasião, recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Faculdade de Direito e paraninfou uma turma de merendeiras. A data também foi marcada por um episódio triste. Manoel Tolentino, estudante de Farmácia que foi um dos mais destacados defensores da criação da UFG, participou da festa de sua fundação, mas, ao retornar a Inhumas no dia seguinte, capotou seu jipe na estrada e morreu antes de se formar pela nova universidade.

Amargura
Meio século depois de todo o trabalho de convencimento nas ruas, nas salas de aula e nos gabinetes em prol da UFG, João Neder não esconde um pouco de amargura. "Eu paguei um preço muito alto por tudo aquilo. Fui vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) para poder lutar pela UFG e por conta disso fui marcado pelo golpe de 64. Respondi a três inquéritos policiais militares e fiquei seis anos sem poder trabalhar. Perdi tudo o que tinha. A UFG nunca me disse sequer “muito obrigado", queixa-se.

Na opinião desse promotor aposentado de 76 anos, a universidade tem de buscar sempre se abrir ao povo. "Tem que acabar com os academicismos e parar de produzir só para si."