Bem-vindo à minha casa!

Bem-vindo à minha casa!

 

A escola é longe. Nágila Bianca Alves Mariano, 15, anda a pé um bom pedaço junto com seus irmãos gêmeos, de 7 anos, para chegar até lá. Nem por isso os alunos se sentem menos em casa quando estão nela.
Um dos motivos são as visitas que os professores do Educandário Espírita Eurípedes Barsanulfo, conveniado à rede municipal de Goiânia, fazem à residência de todos os alunos. Coordenadora da instituição, Raquel Lemos Martins explica que as visitas domiciliares fazem parte do programa da escola desde a sua fundação, há 27 anos.
Normalmente, elas acontecem uma vez por mês. Mas podem surgir de acordo com a necessidade dos alunos, como em casos de falecimento na família ou alteração no comportamento da criança, por exemplo. “Nosso objetivo lá é conhecer, nos aproximar mais dessa família, estabelecer esse vínculo de amizade, de coparticipação”, esclarece Raquel.
Assim, continua ela, a família passa a confiar mais na escola e o aluno se sente valorizado. Nágila confirma. “É bom ver que eles se interessam por como eu estou, pela minha vida e queiram participar dela.”
A prática antiga no educandário pode se tornar novidade em todas as escolas públicas do país. No início de fevereiro, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou que pretende implantar um projeto semelhante na rede pública.

Confusões à domicílio
Diretora da instituição espírita, Rita Ferreira afirma que acredita na relevância da iniciativa, caso venha a ser implantada. “Esta atividade ampliaria o olhar do educador sobre a problemática social na qual os alunos estão envolvidos, podendo facilitar o planejamento pedagógico com ações que repercutam de fato na vida familiar e comunitária de nossos alunos, além dos muros da escola”, avalia.
Entretanto, algumas ressalvas devem ser consideradas. Rita enfatiza que é preciso ter cuidado para que os papéis da família e da escola não se confundam. “Fortalecer a família não é assumir o seu papel, mas orientá-la e ouvir de mais perto as suas expectativas quanto à escolarização de seus filhos.” Há ainda um risco maior: a confusão sobre até onde vai a responsabilidade do professor.
Com pós-doutorado em Educação, o professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), João Ferreira de Oliveira lembra que os professores, normalmente, têm uma jornada de trabalho extenuante e já levam uma série de trabalhos para casa.
Nesse contexto, é complicado imaginar, mesmo com remuneração extra, que eles tenham condições de fazer visitas aos alunos. “Há muitos problemas sociais envolvidos que não são responsabilidade do professor. É preciso incluir assistentes sociais, psicólogos e agentes de saúde que atuem orientados pela escola”, considera Oliveira.

Proposta exigente
As visitas domiciliares seriam úteis como serviço feito por esses profissionais, sem atrapalhar os professores no exercício de sua atividade principal: o processo de ensino-aprendizagem. Rita concorda que é necessário o envolvimento de outras áreas.
Ela aponta que o projeto nacional deflagraria uma série de ações que exigiriam do poder público um real apoio à atividade educacional. “Inúmeras necessidades são descobertas nessas visitas, o que traz ao educador um sentimento de impotência”, resume a diretora.
Situação vivenciada no educandário. Raquel conta que a escola se sente sozinha, porque precisa do apoio de outras áreas e não tem, como nos casos em que a família precisa de atendimento psicológico ou mesmo passa fome. “Tem esse sentimento de impotência. Como eu vou conseguir fazer qualquer intervenção para mudar o quadro? Não é uma coisa fácil.”
Para Rita, tornar a proposta nacional forçaria as escolas a terem um planejamento educacional mais amplo e exigiria ações conjuntas constantes entre saúde, assistência social, segurança etc.. O funcionamento dessa proposta depende de muitas condições.
O alerta é da coordenadora técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Maria Amábile Mansutti. “Fazer o professor assumir esse trabalho de estreitar vínculos com a família implica recursos financeiros e organização do quadro docente da escola”, informa.
Segundo ela, essas garantias são necessárias porque, caso o projeto não esteja bem organizado, há o risco de sobrecarregar o professor. Amábile explica que, para dar certo, o ideal é que o professor que assuma essa função esteja vinculado a uma única escola.
Mas as visitas não podem ser confundidas com ações de assistência social. Ela enfatiza que a proposta precisa estar muito bem concretizada para não ser interpretada de forma equívoca e para que realmente sirva como facilitador do trabalho na escola.
A coordenadora aponta alguns objetivos possíveis para a prática. “O professor pode identificar possíveis causas de dificuldade de aprendizagem dos alunos, pode esclarecer os pais sobres as estratégias e metodologias que a escola adota. É importante que ele compreenda as condições de vida da família, para ajudar o aluno a melhorar seu desempenho”.


Deu certo em Taboão da Serra

O ministro Aloizio Mercadante anunciou que vai lançar projeto que leve os professores a visitarem a casa de seus alunos. Por enquanto, o MEC (Ministério da Educação) ainda não se pronuncia oficialmente sobre o assunto.
A base dessa proposta é uma iniciativa do município paulista Taboão da Serra, lançada em 2005, quando o atual secretário da Educação Básica do ministério, César Callegari, era secretário municipal.
Trata-se do Programa Interação Família-Escola, coordenado pela supervisora de ensino Roberta Bellinato.
Ela explica que os objetivos do projeto eram melhorar a qualidade da Educação, aproximar as famílias da escolas, integrar as instituições à comunidade, desenvolver redes de proteção social, além da formação continuada dos professores e metodologias de pesquisa.
Deu certo! Roberta conta que o programa serviu como instrumento de reflexão da prática pedagógica, aproximou as famílias da escola e os alunos dos professores.
Maria Amábile Mansutti, coordenadora técnica do Cenpec, lembra que o impacto da iniciativa foi conferido no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

Cautela
Para ela, os resultados foram bem positivos, porque houve organização da secretaria local. O programa foi considerado um dos mais estruturados enquanto política pública na questão de interação entre família e escola com sentido pedagógico pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Mesmo assim, a oficial de programas em Educação da entidade, Marilza Regattieri, admite que para ser replicada a proposta precisa ser ampla.
“A visita do professor é um instrumento que deve existir dentro de uma política mais articulada, ampliada. Só a visita, por si só, não vai apresentar resultados, não pode ser mais uma tarefa para o professor”, considera.
Para Marilza, uma ação como essa deve ser parte de uma política pública maior que envolva toda a rede de proteção social disponível no município.
Função da escola? Sim! “Drogas, depressão, violência familiar e outros problemas estão aí e afetam o aprendizado. Independente de se o professor vai até o contexto do aluno ou não vai, essa realidade vai estar presente na escola”, aponta a oficial da Unesco.
Marilza, Amábile e João de Oliveira concordam que é preciso aproximar a escola da realidade do aluno e de sua família, mas a forma como isso será proposto ainda deve ser muito discutida.
Para ele, os temas extraescolares devem ser resolvidos com a participação da escola, mas de maneira extraescolar, com profissionais aptos de outras áreas.
Marilza e Amábile acreditam que as visitas podem ser positivas, mas permanece a ressalva. “Para dar certo vai depender de uma série de condições: de ter proposta bem delineada e de convencer e formar os professores para que eles possam desenvolver essa função”, completa Amábile.