Grito de socorro

Grito de socorro

As bibliotecas têm papel primordial na formação intelectual dos alunos. Apesar disso, são tratadas com extremo descaso e continuam esquecidas e relegadas

Raphaela Ferro

 

Todos os anos, no dia 12 de março deveria ser comemorado o dia do bibliotecário. Poucos se lembram da data; alguns nem sabem o que esse profissional realmente faz. Em Goiás, a comemoração se tornou protesto. Cerca de 100 pessoas se reuniram na Praça Cívica e promoveram um abraço simbólico em torno da Biblioteca Braile, que fica no Centro Cultural Marieta Teles Machado.

Ela é o único espaço em todo o Estado que oferece livros para deficientes visuais. Em outubro do ano passado, parte do teto da biblioteca cedeu e danificou seu acervo. De acordo com a bibliotecária Patrícia Martins, o local sobrevive por “obra e trabalho de seus membros” e por meio dos apoios que recebe.
Mas a má conservação não é exclusividade da biblioteca Braile. Segundo a tesoureira da Associação dos Bibliotecá­rios de Goiás, Morgana Guimarães, muitas bibliotecas públicas apresentam problemas de conservação. “Normal­men­te, o governo libera verba apenas para grandes reformas, mas não para pequenos reparos. Assim a situação problema cresce até o teto desabar”, conta. 
A questão dos livros também está longe do ideal. “Nem sempre há verba para atualização do acervo”, afirma Morgana. Quando há, o bibliotecário responsável ou as pessoas que visitam o espaço não podem escolher os novos títulos. 
Professora do curso de Bibliotec­onomia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Eliany Alavarenga afirma que a situação é de carência, porque não há políticas específicas para a área. “Existe um grande desconhecimento da importância das bibliotecas. Os gestores públicos não as colocam como questão importante”, afirma. 
Em resposta às perguntas enviadas pela reportagem do Escola sobre o assunto, a assessoria de Comunicação da Secretaria Estadual de Cultura (Secult) respondeu que têm sido desenvolvidas ações para garantir recursos para a manutenção das bibliotecas.  

Crédito suplementar
Existem 243 delas em Goiás, mas apenas quatro estão sob responsabilidade do governo estadual: a Biblioteca Estadual Pio Vargas, a Gibiteca Jorge Braga, o Arquivo Histórico Estadual e a Biblioteca Braile. Todas localizadas na Praça Cívica, em Goiânia. 
“No fim do ano passado, a Pio Vargas foi contemplada com R$92 mil do Ministério da Cultura (MinC) para a compra de novos livros”, acrescenta a nota da assessoria enviada por e-mail. Mas para a Biblioteca Braile, tudo indica que a espera será ainda maior. 
A assessoria de Comunicação informou que já foi solicitada a abertura de crédito suplementar, em regime de urgência, à Secretaria de Gestão e Planejamento (Segplan) para a recuperação do espaço.  Resta agora aguardar a liberação dos recursos. Eliany enfatiza que a preocupação maior é com a outra parte do prédio, que também pode desabar. 
O cenário das bibliotecas escolares não está muito distante da realidade encontrada nas públicas. “A lei federal e a resolução do Conselho Estadual de Educação (CEE) que exigem a presença da biblioteca escolar não são cumpridas”, afirma Eliany. 
Também por e-mail, a assessoria de Comunicação da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) afirmou que a rede estadual conta hoje com 855 bibliotecas, sendo que existem em todo o Estado 1.095 escolas estaduais. Isso significa que 204 unidades educacionais não possuem o espaço apropriado para os livros.

Profissional habilitado
O acervo é atualizado por meio do Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE), do Ministério da Educação (MEC), por programas estaduais e também por doações da comunidade. Nas escola da rede estadual não há salas de leitura substituindo as bibliotecas, como ocorre nas escolas municipais de Goiânia. 
Coordenadora do Programa do Livro da Secretaria Municipal de Educação (SME) da Capital, Patrícia Raimundo Oliveira Vaz, afirma que a rede municipal conta com 118 salas de leitura em escolas e uma biblioteca no Centro de Formação dos Profissionais de Educa­ção. No total são 167 escolas. 
O investimento na aquisição de novos livros é feito por meio do PNBE e com recursos da própria secretaria. Patrícia destaca que a função da biblioteca escolar e da sala de leitura é a mesma: incentivar a leitura e orientar a pesquisa dos estudantes. 
A diferença é que quando o nome é biblioteca surge a obrigatoriedade de ter, no local, um profissional habilitado em Biblioteconomia, muito embora isso nem sempre aconteça. “Para mim, sala de leitura é a antessala de odontólogo, de médico”, critica a professora Eliany. 
A diferença é grande, na visão dela. “Biblioteca é uma instituição de informação, que tem diferentes formatos, acervo diferenciado e um profissional preparado para trabalhar com isso”, complementa. Ela enfatiza que a biblioteca escolar é fundamental por atuar no processo de ensino-aprendizagem.

Autonomia intelectual
Eliany acredita que esse espaço na escola é importante no sentido de promover a autonomia intelectual dos alunos. Secretária geral da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), Elizabeth Serra concorda que a cultura do uso da biblioteca tem que ser estimulada dentro da escola, o que está longe da realidade. 
“As escolas brasileiras não têm biblioteca, têm depósitos de livros”, aponta. Ela também critica as salas de leitura. Segundo ela, a expressão é usada em detrimento da palavra biblioteca e do conceito deste espaço dentro da escola. “Perde-se uma oportunidade de fortalecer a cultura de bibliotecas”, acrescenta. 
Oportunidade que, inclusive, foi ignorada pelo próprio Ministério da Educação ao criar nos anos 80 o Programa Salas de Leitura que, em 1997, foi transformado em Programa Nacional de Bibliotecas da Escola. “O que efetivamente ainda não é a biblioteca que nós queremos. Já existem pesquisas feitas pelo próprio MEC com esse diagnóstico”, frisa Elizabeth. 
Um passo positivo está em um decreto presidencial de 2010, que normatiza a biblioteca escolar. O texto prevê que todas as escolas brasileiras, públicas e privadas., devem ter espaço destinado à biblioteca escolar até 2020. E esse local deve ser coordenado obrigatoriamente por um bibliotecário. 
Sobre isso, Elizabeth avalia que qualquer lei depende de sua força, do entendimento de sua importância, mas que sozinha, não consegue nenhum avanço significativo.


Profissão sem espaço

Perdido entre bibliotecas públicas mal conservadas, bibliotecas escolares aquém do necessário e salas de leitura está o bibliotecário. Eliany Alvarenga, professora do curso de Biblioteco-nomia da UFG, afirma que não há mercado para este profissional no serviço público, nem no Estado nem nos municípios. 
Maria das Graças Monteiro Castro, professora do mesmo departamento e diretora da Editora UFG, completa que só existe cargo de bibliotecário no âmbito federal. 
E, para ela, os responsáveis por esse cenário são os próprios profissionais. “Não ocupamos os espaços, não nos organizamos para isso. Não há gestão junto ao poder público para que o bibliotecário seja um profissional de carreira da Educação”, afirma. 
Graça acredita que o primeiro passo deve ser dado pela própria categoria, visando criar o espaço da biblioteca na escola e findar com a “esquizofrenia” que é a sala de leitura. Por enquanto, o que permanece é realmente a ausência do responsável pelo espaço. 
Em nota, a assessoria de Comu­n­i­cação da Secretaria Estadual da Edu­cação (Seduc) reconheceu que não há bibliotecários no quadro do Magistério público de Goiás. E por isso quem cuida das bibliotecas escolares são os professores e coordenadores pedagógicos. 
Na rede municipal de Goiânia, o cargo é ocupado pelo auxiliar da sala de leitura. Patrícia Vaz, coordenadora do Programa do Livro da rede, explica que esse funcionário recebe formação específica antes de assumir a função. 
Essa qualificação, conforme ela, é de responsabilidade da única bibliotecária ligada à rede municipal de ensino da Capital. “Reco­nhecemos a importância deste profissional, mas no momento ainda não há previsão de realização de nenhum concurso público para a área”, completa Patrícia.