Entrar é fácil, difícil é ficar

Entrar é fácil, difícil é ficar

Hoje, eles já são realidade na educação brasileira. Mas o reconhecimento dessa existência é um fato recente. Foi só a partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em 1996, que os portadores de necessidades especiais passaram a ser aceitos nas escolas de ensino regular.
O tempo passou e o reflexo da política de inclusão já pode ser visto nas faculdades, cujas vagas estão sendo, cada vez mais, preenchidas por esses estudantes. Com vestibulares mais flexíveis e acessíveis, as condições de ingresso melhoraram, mas as de permanência ainda deixam muito a desejar.
A aluna do 5° período de Pedagogia da Unifan (Faculdade Alfredo Nasser), Ligiana Souza de Araújo, por exemplo, é surda e foi obrigada a deixar o curso logo no primeiro semestre, pois a faculdade não disponibilizava intérpretes para auxiliá-la. Só no segundo período é que ela se juntou a outro aluno surdo e, assim, passaram a ser atendidos pelo único intérprete da instituição.
Já o aluno do 8° período de Psicologia da PUC de Goiás (Pontifícia Universidade Católica), Manoel Narcizo Figueira Neto, deficiente visual, se empenha para terminar sua graduação. A maior dificuldade, segundo ele, é que a universidade não possui computadores com softwares que possibilitam a leitura oral de textos.
De acordo com Figueira Neto, a PUC não disponibiliza nem mesmo os textos formatados para a leitura nesses softwares (pois o programa lê apenas arquivos específicos, livres de imagens) e não há livros na biblioteca adaptados em áudio ou braille.
O estudante é obrigado até a fazer as provas oralmente, depois de toda a turma. “Eles não colocam nem um monitor para fazer a leitura para mim”, desabafa. Para ler algum texto, ele precisa recorrer ou a biblioteca braille no Centro Cultural Marieta Telles Machado, na Praça Cívica, ou ao Centro Brasileiro de Reabilitação e Apoio do Deficiente Visual (Cebrav). Mas, apesar do esforço, Manoel acredita que seu desempenho foi afetado pela falta de apoio da instituição.
“Eu me senti prejudicado. Teve semestre que eu não li nenhum texto, fiquei apenas com as aulas expositivas. O que facilitou um pouco mais foi que eu tenho um gravador de fita e gravo todas as aulas”, revela.

Desencontros
Até a diretora de Administração e Finanças da Associação de Deficientes Visuais de Goiás (ADVEG), Maria Eunice Suares Barboza, denuncia a falta de acessibilidade da universidade. “A PUC não oferece nenhum recurso para os estudantes com necessidades especiais. Nós temos que fazer por conta própria, escanear e fazer a leitura nos computadores em casa ou na biblioteca”, esclarece.
Professora de Fonoaudiologia na PUC, Lillian Moura coordena um projeto de acessibilidade na instituição. De acordo com ela, as críticas feitas por Figueira Neto e Maria Eunice causam estranheza. “Eu ligo para os alunos, mas eles dizem que não precisam. Nós não nos isentamos da nossa responsabilidade em momento algum, o que deve ter acontecido é que, em um intervalo de tempo, o aluno não solicitou no lugar certo e o processo não deu encaminhamento. Estou aqui há um ano e nesse período não recebi nenhuma solicitação de aluno com deficiência visual”, garante.
Lillian afirma que a maioria dos alunos já possui computadores pessoais com leitores de tela instalados, o que reduz a necessidade de disponibilizá-los na instituição. Atualmente existe apenas um equipamento com esse software, mas ele encontra-se em manutenção.
A coordenadora destaca também que existem na universidade pessoas voluntárias que fazem a leitura para os estudantes cegos, mas, conforme ela, o serviço não está sendo solicitado. Além da falta de interesse dos alunos, muitos não se intitulam como portadores de necessidades especiais, o que dificulta a abordagem.
“Nós temos muitos casos em que a pessoa tem uma deficiência, mas ela não admite, principalmente os deficientes intelectuais e, inclusive, os surdos e cegos. Nós procuramos e eles dizem que não querem nada diferente em relação aos demais”, explica.

Exemplo particular

Disponibilizar intérpretes, computadores com softwares de leitura de tela, além de ter toda a arquitetura física adaptada para os alunos com deficiência, não é tarefa fácil para nenhuma instituição. De aco­rdo com a diretora de Admini­stra­ção e Finanças da Associação de De­fi­cientes Visuais de Goiás (ADVEG), Maria Eunice Suares Barboza, em Goiás as universidades públicas saem na frente no quesito acessibilidade. “Nas particulares, a Alfa (Faculdade Alves Faria) é a única que oferece a estrutura necessária”, garante. Lá funciona o Núcleo de Educação Inclusiva, que atende alunos com necessidades especiais.
Também na Alfa, os alunos com deficiência auditiva parcial são tratados normalmente. Hoje o foco principal do trabalho são os 19 estudantes cegos que cursam graduação e pós-graduação. A assistente pedagógica, Lana Lydia Borges, explica que a faculdade possui cinco computadores com software de leitura de tela e o núcleo trabalha ainda na adaptação dos textos para a leitura no programa.
Ela conta que o material deixado pelo professor ou alunos no núcleo é escaneado, tem as imagens e ícones excluídos, e é transformado em documento. Depois de pronto é repassado aos alunos. “Aí é só o aluno passar o documento no leitor de tela que o software lê o texto”, explica Lana.
A assistente ressalta que o objetivo da instituição é garantir não só o acesso dos portadores de necessidades especiais, mas também assegurar sua permanência e até incentivar voos mais altos. Aluno da PUC, o jovem Manoel Narcizo Figueira Neto não tem expectativas em relação a um possível mestrado e doutorado.
Ele justifica: “Eu não encontro esses materiais disponíveis em áudio ou digitado. Até escanear o livro e fazer a leitura, gasto muito tempo e corro o risco de não terminar o curso”, comenta ele, desiludido.

Universidade pública: um direito de todos

A realidade dos portadores de necessidades especiais é outra nas instituições públicas de Ensino Superior. Por estarem vinculadas ao governo federal, que subsidia grande parte dos programas de acessibilidade, a cobrança em relação a elas são maiores e os resultados também.
No IFG (Instituto Federal de Goiás), há intérpretes para os surdos e acompanhamento psicológico para o estudante portador de esquizofrenia. A coordenadora acadêmica, Mara Rúbia de Souza Rodrigues, comenta que são oferecidos ainda cursos de Libras e de coral em Libras para os servidores, professores e a comunidade em geral.
Já na UFG (Universidade Federal de Goiás) foi criado, há dois anos, um Núcleo de Acessibilidade que atende não só estudantes, mas também os servidores e professores. O resultado foi o aperfeiçoamento do processo seletivo e o crescente ingresso de alunos especiais na instituição.
“Cerca de 20 alunos com deficiência participaram esse ano do processo seletivo. Historicamente, a UFG recebe pela primeira vez dois alunos com Síndrome de Down e isso deve ser comemorado como uma grande vitória”, analisa o assessor do núcleo, Ricardo Antônio Gonçalves Teixeira.
Além disso, a UFG foi a primeira instituição a criar um curso que destina 15 vagas a estudantes com deficiência auditiva (Letras/Libras) e hoje abriga quatro professores surdos em seu quadro funcional. A universidade também garante intérpretes para os alunos surdos e para os deficientes visuais são disponibilizados gravadores de voz e computadores com leitores de tela. Já os deficientes intelectuais recebem acompanhamento e, se necessário, monitoria.
Mesmo com os avanços, Teixeira é cauteloso. “As pessoas tem chegado de forma mais efetiva ao Ensino Superior, mas esse volume não chega ao percentual que gostaríamos. Nós vamos enxergar esse reflexo – da educação inclusiva – somente daqui uns cinco ou, no máximo, 10 anos”, avalia.