No balanço da lei

No balanço da lei

Mariana Lima acorda cedo todos os dias para ir à fa­culdade de Le­tras, no campus Samambaia, da Universidade Federal de Goiás, onde estuda. Junto com ela, Jú­lia, sua filha de três anos se­gue diariamente para a Creche da UFG, onde gasta suas pequenas manhãs sem se dar conta ainda das inúmeras regras e leis que os adultos precisam acatar.
Uma dessas normas é a do uso de cadeirinhas para crianças, obrigatório desde setembro de 2010, que visa uma segurança maior no trânsito, em caso de acidentes. A distância entre a casa da família e a Vila Ita­tia­ia, onde se localiza o campus, é longa, quase 30 quilômetros, vencidos de carro todos os dias.
Assim que se arruma, Ma­ria­na coloca Júlia na cadeirinha do carro e juntas saem para mais um dia de aulas. A Resolução n° 227, do Conselho Nacional de Trânsito (Cona­tran), conhecida como a Lei das Cadeirinhas, prevê o uso obrigatório do dispositivo de re­tenção no transporte de cri­anças de até sete anos e meio.
De acordo com a norma, cri­anças de até um ano de idade devem ser transportadas no bebê conforto, as que estão entre um e quatro anos, em ca­deirinhas, e as de quatro a sete anos, em assentos de elevação. O Código de Trânsito Brasileiro prevê ainda que apenas crianças acima de 10 anos podem se sentar no banco da frente.
Mariana respeita a lei, e leva sua filha na cadeirinha, pensando sempre na segurança da criança. “Quando a Júlia nasceu, em 2008, a fiscalização ain­da não vigorava, mas logo ad­quirimos a cadeirinha, para que ela pudesse trafegar com segurança e nós pudéssemos ficar mais tranquilos, em caso de al­gum acidente”, explica a estudante.

Desafiando a lei
Com um ano e meio de a­plicação, a medida tem sido respeitada pelos goianienses, mas sua abrangência ainda não é o desejado. Segundo a di­retora de Educação para o Trânsito da Agência Munici­pal de Trânsito, Transportes e Mo­­bilidade de Goiânia (AMT), Lúcia Helena Ribei­ro, muitos pais ainda transportam as crianças sem os dispositivos.
“Costumamos fazer campanhas no início do ano escolar e frequentemente vemos pais que levam seus filhos para a escola sem a cadeirinha. A maioria diz que mora perto do local ou pior, transferem a culpa para os filhos, dizendo que eles (crianças) não quiseram colocar o cinto ou sentar na cadeira”, diz  Lúcia Helena.
Apesar da multa no valor de R$191,54, e dos sete pontos na carteira, Lúcia Helena destaca que os motoristas goianienses acreditam na falta de fiscalização e por isso preferem desafiar a lei e não utilizar a cadeirinha. “As pessoas reclamam das multas quando lhes convém, mas não acham que levarão multa por levarem crianças fora dos dispositivos”, explica a diretora da AMT.
O chefe da Assessoria de Comunicação da Polícia Ro­doviária Federal, Newton Mo­rais Souza, afirmou que no início da fiscalização da lei muitos pais relutaram em comprar a cadeirinha, alegando que era um acessório muito caro e a eficácia não estava de fato comprovada. “Muitas pessoas ligaram e perguntaram se a lei realmente ia entrar em vigor e se era necessário comprar o tal dispositivo”, explica.
Mariana Lima acredita que, acima da multa, a preocupação com o bem estar e a segurança da criança deve ser o principal incentivador do uso das cadeirinhas. “Assim como eu, as pessoas do meu círculo social reconhecem a importância de transportar as crianças com segurança e utilizam a cadeirinha”, afirma a estudante.

Multas e acidentes
Segundo dados do Depar­ta­mento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran – GO), houve um aumento significativo de multas por transportar crianças em veículo automotor sem observância das normas de segurança especiais estabelecidas do ano de 2010 para 2011.
Para se ter uma ideia, no estado de Goiás foram registrados, em 2010, 510 multas por transporte indevido de crianças. Já em 2011, esse número subiu para 2.692. O mesmo ocorreu em Goiânia, quando em 2010 foram registradas 75 infrações e em 2011, 833 motoristas foram multados.
Um dos motivos para esse alto índice é o aumento da fiscalização na cidade, como explica o diretor técnico do De­tran, Horácio Mello Cu­nha dos Santos. “Consegui­mos isso não só nas fiscalizações próprias, mas em outros ocasiões, como na Balada Responsável [blitz que barra motoristas alcoolizados]”, afirma o diretor.
O coordenador do departamento de Registro de Acidentes e Estatísticas de Trânsito (Re­naest) do Detran, Edson José Gomes, destaca ainda a atuação da Polícia Militar, que, em convênio firmado com o De­tran, passou a autuar os motoristas infratores, influenciando no aumento das estatísticas das multas no ano de 2011.

Não usar a cadeirinha pode ser um equívoco mortal

O poder público está de olho nas irregularidades, neste caso, mas ainda tem dificuldades para explicar até que ponto a lei tem feito a diferença em Goiás. Isso porque não se tem notícia de estatísticas sobre o assunto. Ninguém sabe dizer qual foi índice de redução de mortes de crianças por falta do uso de cadeirinhas, em acidentes de carros, por exemplo.
A Polícia Rodoviário Fede­ral tem dados neste sentido, mas sua atuação é sobre as rodovias apenas. Segundo a PRF, o número de mortes de crian­ças em acidentes nas estradas caiu quase 42% no primeiro semestre de 2011, quando comparado com o mesmo período em 2010.
“Do começo do ano até agora, chegamos a observar uma redução de até 70% de crianças envolvidas em acidentes de trânsito. E as multas resultantes do transporte indevido de crianças não contabiliza nem um 1% das autuações, reflexo da conscientização dos pais em transportar as crianças em segurança”, diz o assessor  da PRF, Newton Morais Souza.
Em falta de números que demonstrem o equívoco de não se usarem as cadeirinhas, a estudante de Letras da UFG, Mariana Lima, vem comprovando na prática a eficácia delas. Sua filhinha, Júlia, estava no carro em duas colisões traseiras e nada sofreu. “A cadeirinha segurou bem minha filha que, apesar do susto, não teve nenhuma lesão.”
Com um ano e meio de aplicação da lei, órgãos fiscalizadores do trânsito fazem campanha constantemente para alertar pais e responsáveis do perigo de se transportar crianças fora dos dispositivos. Uma dessas campanhas será lançada pela PRF para o feriado da Semana Santa, com spots orientando sobre esse risco.

Segurança
Quando a notícia de que os dispositivos de retenção seriam itens obrigatórios no transporte de crianças, e que a fiscalização seria acirrada, a procura por esses itens aumentou. Em Goiânia, chegou a faltar cadeirinhas nas lojas às vésperas do início da fiscalização, atrasando as atividades fiscalizatórias.
Mas é preciso estar atento para a qualidade desses itens, pois, fora dos padrões, podem não fornecer a segurança ne­ces­sária à criança, e resultar em acidente. Segundo o Insti­tu­to Nacional de Metrologia, Qua­li­da­­de e Tecnologia (Inme­tro), e­xis­tem hoje no mercado cerca de 90 modelos de cadeirinhas, assento de elevação ou bebê con­forto, entre nacionais e im­portados certificados pelo órgão.
O chefe da divisão de programas de avaliação da conformidade do Inmetro, Gustavo Kuster, explicou que os dispositivos de retenção infantil sempre tiveram problemas para estabelecer os parâmetros, isso porque não se tinha um padrão antes, e era preciso recorrer a ór­gãos reguladores de outros países. “O que ouvíamos é que as cadeirinhas são dispositivos que oferecem risco se forem usa­dos incorretamente”, explica Kuster.
A coordenadora do programa Criança Segura, Alessandra Françoia, alerta que no Brasil só podem ser comercializados produtos que tenham o selo do Inmetro e deve ser o principal a ser observado quando for adquirido. “Cada cadeirinha foi testada para um peso mínimo e um peso máximo. A escolha deve ser feita com base no peso da criança e obedecida essa medida”, explica.
Mas a segurança dos produtos não depende apenas do Inmetro. Se não for usado corretamente, sua finalidade pode não ser cumprida, e a criança pode sofrer lesões num possível acidente.
Segundo Alessandra, apesar de a lei exigir que o assento de elevação seja utilizado por crianças até sete anos e meio, muitas não atingem a altura suficiente após essa idade para andar sem, e é um problema. “A criança tem de ter altura suficiente para que o cinto passe no meio do ombro, no cinto e no quadril, e não no pescoço e na barriga”, explica.
Mariana está atenta a essa regra do peso, e garante que a cadeirinha da sua filha está dentro dos padrões, e ainda servirá em mais alguns anos. “Uma das primeiras coisas que observamos quando adquirimos a cadeirinha da Júlia, foi o selo do Inmetro e as especificações de tamanho.”