Crescimento sem limites

Crescimento sem limites

Ocupação desordenada do espaço urbano pode trazer graves consequências para Goiânia, especialmente ambientais

 

Como coordenador do Programa de Mes­trado em Desenvolvi­mento e Planeja­men­to Territorial da Pontifícia Uni­versidade Católica de Goiás (PUC-GO), o professor Aris­tides Moysés tem observado o crescimento de Goiânia, e se preocupa com a ocupação do espaço urbano. “O desenvolvimento da construção civil está muito acelerado, mas seu ritmo não condiz com o ritmo natural do desenvolvimento da cidade”, explica o docente. 
Segundo Moysés, olhando para uma vista ampliada de Goiânia, o que se vê é uma cidade que cresce rapidamente, mas que não consegue fazer isso de maneira adequada. Quem pega uma foto da cidade há dez anos e compara com as de hoje se assusta com a quantidade de empreendimentos imobiliários que surgiram, especialmente em bairros como o Jardim Goiás, Goiânia II e na região Cascavel.
O problema é que a maioria dessas construções não foi planejada levando em consideração o fornecimento de água e tratamento de esgoto, por exemplo, e agrava a situação da metrópole.
Para o professor do Institu­to de Estudos Socioam­bientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás, Manoel Calaça, problemas como alagamentos e enchentes que estão ocorrendo frequentemente em algumas regiões de Goiânia já são consequências desses novos empreendimentos.
“Um dos casos mais famosos é o da construção dos prédios na região do Goiânia II. Aquela região não poderia ter construções que causassem tanto impacto como os prédios que ali estão sendo feitos, por se tratar de área de fundo de vale, que já foi brejo e abriga nascente de diversos rios”, explica Calaça. 
Do ponto de vista da construção civil, essas áreas poderiam ser facilmente transformadas em empreendimentos imobiliários, com o máximo de conforto para os novos proprietários. O problema é que isso pode alterar a dinâmica fluvial e trazer consequências graves no futuro. 
“Se hoje já nos deparamos com alagamentos na região do Goiânia II, imagina quando os novos prédios e casas estiverem prontos? A previsão é de 5 mil novos apartamentos entre a Perimetral e o Corpo de Bom­beiros. A região não tem declividade suficiente para escoar a água e com tanta impermeabilização do solo, não tem como drenar”, afirma Calaça.

Instrumentos 
Apesar da triste previsão de que a cidade caminha para uma situação caótica, Calaça destaca que Goiânia tem dois instrumentos jurídicos importantes para se prevenir de situações críticas a que já chegaram cidades como como São Paulo e Rio de Janeiro.
“Temos o Plano Diretor e a Carta de Risco, que apontam quais os riscos de determinada ocupação. Se esses instrumentos forem utilizados corretamente, muitos problemas poderão ser evitados. A prefeitura, que hoje tem autorizado muitos empreendimentos de risco ambiental, tem nas mãos a chave para prevenir problemas mais sérios”, aponta Calaça.
O professor teme por novas construções na cidade que estão sendo feitas nos moldes das ocupações do Goiânia II. As regiões do córrego Cascavel e do leito do córrego Botafogo são locais que apresentam obras embargadas por problemas ambientais como a erosão e que, caso sejam concluídas, poderão trazer consequências sérias para a cidade.
“A pressão sobre os recursos naturais em Goiânia é muito grande e isso tem que ser considerado no momento da construção de novos empreendimentos. Temo pela região do córrego Caveirinha (região noroeste), que não recebe a atenção necessária e receberá, em breve, um shopping center e condomínios de casas”, diz o professor.

Questão de mais políticas públicas

Goiânia sempre se destacou dentre as capitais brasileiras por diversos motivos: grandes áreas verdes, muitos parques e praças e criminalidade relativamente baixa, quando comparada com outras capitais do país.
As pesquisas realizadas nos últimos quatro anos, no entanto, colocam a capital de Goiás como uma das cidades mais violentas do país, com números impressionantes de homicídios.
Para se ter uma ideia, o Mapa da Violência divulgado em 2010 trazia dados que mostravam a taxa de homicídio na região metropolitana de Goiânia de  33,3 homicídios para cada 100 mil habitantes. Em Goiás, o índice cresceu quase 120% quando comparado aos índices de 1998, superando a média nacional. 
Para o professor da Facul­da­de de Ciências Sociais da UFG, Nildo Viana, vários fatores atuam no aumento da violência em Goiânia. “O crescimento da cidade, a falta de sa­neamento e urbanização nas pe­riferias e o aumento da população carente podem desencadear diversas formas de violência, como a doméstica, por exemplo”, explica o docente.
Professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da UFG, Manoel Calaça complementa o raciocínio de Viana. Segundo ele, o aumento no número de migrantes, vindos de diversas regiões do país, contribui com o crescimento desordenado da população. A dificuldade em arrumar emprego leva parte dessa massa de pessoas a atividades ilegais, como a prostituição e o tráfico de drogas.

À margem
Viana explica que o aumento da população e das cidades, de forma desordenada, coloca muitos cidadãos à margem da sociedade, sem opção de trabalho e propensos a desenvolver vícios, como o alcoolismo e drogas.
Para Viana, o que move o aumento do tráfico e consumo de drogas são, além da expansão do crime organizado, visto como um comércio que busca novos clientes, a falta de perspectiva dos jovens com relação ao futuro.
“Antigamente, os jovens buscavam formas de mudar o governo, mudar a maneira como o país caminhava. Hoje em dia, com a baixa credibilidade nas mudanças, derivadas de condutas como a corrupção, e a sensação de que nada funciona, não há engajamento por parte da juventude e acabam sujeitos às drogas”, comenta o docente da UFG.
O professor da PUC Aristides Moysés acredita que para melhorar esses índices de violência em Goiânia políticas públicas mais incisivas devem ser adotadas.
Segundo ele, por mais que observemos uma crescente preocupação das autoridades com relação a esse problema, e uma maior eficácia nas medidas, ainda fica a desejar. “E isso deve ser aplicado não só com relação às medidas punitivas para os traficantes, mas também com a questão do tratamento para os dependentes”, defende.

O risco da saúde do goianiense

Problema crítico em quase todo o país, o atendimento público à saúde tem sido motivo constante de reclamação por parte dos usuários. Assim co­mo em outras cidades, Goiânia também sofre com esse problema, que é um dos apontados pelo professor da PUC, Aristi­des Moysés.
Segundo ele, os equipamentos são precários, faltam profissionais para atendimento e a população não tem opção. “Fal­ta investimento por parte do Poder Público”, explica Moysés.
A manicure Márcia Gonçal­ves vivenciou essa realidade quando tentava ser atendida em um posto de saúde na re­gião sudoeste de Goiânia. Com sintomas parecidos com a da dengue, a manicure esperava sentada há, pelo menos uma hora, algum médico para examiná-la.
“Já não basta o mal-estar da doença, ainda temos que esperar alguém aparecer para fazer um exame rápido e receitar um remédio, sem nem observar direito nossa situação”, reclama Márcia.
Apesar de a dificuldade de atendimento e marcação de consultas ser uma das mais frequentes, a diretora de Atenção à Saúde da Secretaria Muni­cipal de Saúde, Cristina Laval, afirma que existem 17 unidades de pronto atendimento para demandas de emergência espalhadas pela cidade.
Para algumas especialidades, no entanto, como neurologia/neurocirurgia, faltam profissionais que atendam aos pacientes do Sistema Único de Saúde. 
De acordo com o superintendente de Gerenciamento das Unidades Assistenciais de Saúde da Secretaria Estadual de Saúde, Flávio Augusto Cu­ra­do, um dos maiores empecilhos para melhorar atendimento nos hospitais regionais é o excesso de burocracia para contratação de médicos e a fal­ta de interesse dos profissionais em trabalhar na rede pública.
“Abrimos concursos públicos e até processos de seleção simplificados. Mas o salário que podemos oferecer nem sempre é mais atrativo que da iniciativa privada. Por isso, sobram vagas e faltam médicos”, explica Curado.

Plano de carreira
Cristina afirmou que, para corrigir o problema da falta de profissionais, entrou em vigor o Plano de Cargos, Carreira e Salário da Secretaria Municipal de Saúde em junho de 2010 para que a carreira deste servidor da saúde seja mais atrativa.
Um dos principais hospitais da região metropolitana de Goiânia, o Hospital de Urgên­cias de Goiânia (HUGO), tem sido motivo de reclamações dos pacientes. A falta de médicos e de materiais afeta o atendimento de quem procura esse hospital para se tratar.
Segundo Curado, o HUGO tem passado por dificuldades na aquisição de insumos, principalmente pelos demorados processos a que tem que submeter os pedidos. “São, em mé­dia, 500 dias para finalizar cada processo que iniciamos, não há hospital que aguente tanto tempo”, explica o superintendente.  
Já Cristina explica que a SMS, para minimizar o problema dos insumos, tem investido na descentralização deste planejamento para as Unidades de Saúde, para que os gestores possam exercer um controle mais efetivo das necessidades de insumos e medicamentos de cada unidade.
“Outra medida adotada foi há 10 meses, a criação da Co­mis­são de Licitação própria da Secretaria de Saúde, para dar maior agilidade aos processos de compra”, completa a di­re­to­ra de Atenção à Saúde da SMS.
No caso do estado, Cu­rado afirma que apesar de problemas, há engajamento dos funcionários para que o atendimento público nos hospitais estaduais melhore. Ele garante que todos os pacientes encaminhados recebem o tratamento adequado.