O “basta” que mudou o mundo

O “basta” que mudou o mundo

Era a chamada juventude pós-guerra, com condições sociais diferentes dos pais e com imensa fome de prazer e conhecimento. É assim que o doutor em História Cultural pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor de História da Universidade Federal de Goiás (UFG), Roberto Abdala Júnior, caracteriza a juventude que marcou o ano de 1968 com manifestações em todo o mundo.
Foi um ano no qual se “reinventou a forma de pensar, refletir e entender o pensamento ocidental”, destaca o professor. E o mês de maio teve grande destaque por conta das manifestações promovidas pelos estudantes franceses. Na opinião de Abdala Júnior, o estopim da movimentação mundial.
O professor explica que esses jovens começaram a entrar nas universidades e se depararam com instituições conservadoras e sem liberdade de pensamento; e não gostaram daquilo. “Foi uma ação que começou com a modernização das instituições educacionais na França e acabou se transformando em mobilização social, com participação de assalariados, pensadores e estudantes”, conta.
O movimento francês teve início na Universidade de Nanterre, nos arredores de Paris, que foi cercada no final de abril por estudantes liderados por Daniel Cohn-Bendit. O protesto logo se dirigiu à Capital.
Abdala explica que o motivo do protesto era simples: os jovens eram contrários à proibição de homens e mulheres dormirem no mesmo ambiente. As manifestações rapidamente repercutiram em vários países da Europa e do mundo. E aqui no Brasil também não foi diferente.
De acordo com Abdala, 1968 foi o momento em que o país percebeu que vivia uma ditadura e precisava se livrar dela. “Tivemos importantes festivais de música e outros movimentos culturais que criaram embates com a ditadura. Era uma movimentação que já vinha acontecendo, mas que teve seu ápice neste ano.”

Pensamento coletivo
Músicas como Para não Dizer que não Falei das Flores, de Geraldo Vandré, se tornaram hinos da época e frases como “É proibido proibir” foram repetidas e reproduzidas mundo afora. Como “resposta” à intensa expressão do livre pensamento, em dezembro de 1968 foi decretado o AI5 (Ato Institucional), que definiu o momento mais duro do regime militar.
Mas o que causou toda essa ebulição entre os jovens e trabalhadores? Para o doutor em História Cultural, é difícil compreender como pessoas em diferentes realidades sociais e contextos históricos podem ter iniciado, ao mesmo tempo, tantas transformações.
Ele acredita que uma das explicações pode vir dos meios de comunicação. “Com a televisão, eles viam tudo que se passava no mundo e a informação circulava. Outro fator em comum é que esses jovens estavam finalmente entrando nas universidades, que são centros do pensamento coletivo”, analisa.
Abdala considera ainda que 1968 pode ser considerado como um dos grandes momentos revolucionários, se não o mais importante, de todo o século 20. “A possibilidade que temos hoje de cobrar, discutir, refletir os acontecimentos, foi resultado dessa luta, que redefiniu o pensamento que se tinha das relações sociais.”
Ele explica que questões como minorias étnicas, diferenças entre os sexos, direitos adquiridos e o modo de pensar a sociedade foram discutidos naquele momento. “Foram transformações lentas, mas que afetaram nossas relações sociais de uma forma que não podemos imaginar”, analisa.

Maio de 1968...


… na França
* 22/03 – Estudantes liderados por Daniel Cohn-Bendit invadem a Universidade de Nanterre
* 06/05 – Cerca de 10 mil estudantes entram em choque com policiais em protesto contra o fechamento da Universidade de Sorbonne
* 10/05 – Ocorre a Noite das Barricadas, quando 20 mil pessoas enfrentaram a polícia

… no Brasil
* 28/03 – O estudante Édson Luís de Lima Souto é morto em conflito com policiais durante invasão do restaurante Calabouço, no Rio
* 26/06 – É realizada no Rio a passeata dos 100 mil, que reuniu estudantes, intelectuais, artistas, mães e padres

… nos Estados Unidos
* 04/04 – É assassinado o líder negro Martin Luther King. No dia seguinte, ocorrem vários conflitos sociais no país
* 28/04 – Cerca de 60 mil pessoas protestam no Central Park, em Nova York, exigindo o fim da Guerra do Vietnã.