O uniforme universal

Jeans será a atração principal de feira internacional que ocorre em Goiânia, no mês de agosto. Evento deve movimentar R$150 mi e integra ações para alavancar o segmento de confecção em Goiás, que registrou queda nos últimos anos

 Diene Batista

 

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DETALHES DE VENDA DE JEANS EM UMA DAS LOJAS DA MARCA JEANDARROT, EM CAMPINAS: GRIFE É UMA DAS MAIS RECONHECIDAS

 

De roupa usada pelos mineiros americanos a uniforme universal, adotado por pessoas de todas as idades, nacionalidades e classes sociais. Em mais de um século e meio, o jeans se tornou ícone de moda, ganhou novas texturas, lavagens, adornos e conquistou os mais diversos públicos, inclusive o goiano.
Pioneiro na fabricação de roupas com esse tipo de tecido, Goiânia recebe entre os dias 13 e 17 de agosto a 1ª Feira Internacional do Jeans, que será realizada no Centro de Cultura e Convenções da capital. Segundo o Sindicado das Indústrias de Confecções de Roupas em Geral de Goiânia (Sinroupas), um dos organizadores do evento, o jeans fabricado em Goiás é conhecido nacionalmente porque tem na criatividade seu principal diferencial.
“A indústria goiana da confecção investiu em novidades, como a lavagem especial e a customização, com a aplicação de bordados e pedrarias”, ressalta o presidente do Sinroupas e da Associação Goiana das Indústrias de Confecções do Estado de Goiás (Agicon), Edílson Borges de Sousa.
O público também poderá pa­rticipar da 1ª Feira Interna­cional do Jeans por meio do Projeto Semana da Moda, que promoverá desfiles em pontos tradicionais do comércio de roupas de Goiânia: a Avenida 85, a Bernardo Sayão e a Rua 44. “É uma oportunidade para o cidadão conhecer a moda produzida aqui”, ressalta. A Feira também marca o retorno, depois de quase 18 anos, do Goiás Vive Verão, direcionado aos atacadistas.
A 1ª Feira Internacional do Je­­ans, de acordo com o Sinro­u­pas, tem o objetivo de colocar os produtos goianos em evidência e ajudar o estado a retomar o espaço perdido nas últimas décadas. De acordo com ranking elaborado pela Asso­ciação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT),  nos 1990, Goiás era o terceiro maior polo confeccionista do Brasil. Atualmente, ocupa a nona colocação. 
Além da Agicon e do Sinro­upas, organizam o evento a Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg); o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae); o Serasa e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), com a parceria do Governo do Estado de Goiás, por meio da Secretaria de Indústria e Comércio (Sic).  

Negócios
Durante a Feira, haverá rodada de negócios promovida pela Fieg. Compradores de diversos estados do Brasil  e investidores da Colômbia, do Chile, da Argentina, do Uru­guai e de países da África, como Moçambique, devem movimentar, conforme expectativa do Sinroupas, R$ 150 milhões. Entre seis e oito milhões de peças devem ser comercializadas nos 180 estandes que serão montados durante o evento. 
Marcas goianas como a JeanDarrot, Cikatriz (CKZ), Pit Bull Jeans, BR Blue, Dom Pierre e Kadoshe, especializada em moda evangélica jeans, devem estar presentes na Feira. Fundador da Je­anDarrot, o empresário Jâ­nio Darrot destaca que a iniciativa pode ajudar na conquista de mais espaço no mercado. “Nossas vantagens são a qualidade e a criatividade, por isso temos mercado cativo”, analisa. 

Profissionalização
A Feira ocorre em um mo­mento de expansão das empresas que trabalham com o segmento do jeans em Goiás, conforme observa a professora do curso de Design de Moda da Uni­versidade Federal de Go­iás, Rita Andrade. “Hoje quando viajamos, e ligamos a TV em outros estados, vemos ma­rcas goianas sendo anunciandas em rede nacional, o que não ocorria há alguns anos”, exemplifica. 
Para Rita, o avanço é resultado da profissionalização dessas empresas, em geral familiares. De acordo com a professora,  havia resistência em contratar mão de obra especializada, mas alguns sinais, como o aumento de vagas de estágio para os alunos de Design de Moda, sinalizam mudanças nessa mentalidade.
Um exemplo é a Vizzon, indústria de confecção que produz roupas em jeans e outros tipos tecido. Responsável pela administração da empresa, Elon Cesário de Alencar diz que a marca tem cinco estilistas que atuam para manter a produção alinhada com as tendências do mercado. 

Crédito 
O Sebrae em Goiás, em parceria com associações do segmento de confecção,  elabora desde o início do ano o Plano Estratégico do Setor de Confecção (2012/ 2015). O objetivo da iniciativa é incentivar o empresário a ter visão estratégica e a partir disso traçar planos para o seu negócio. O Plano também quer estreitar os laços entre os empresários, lideranças e as entidades públicas de interesse do setor. 
Desde 2011, a Goiás Fo­men­to disponibilizou aos feira­ntes crédito de até R$ 50 mil pa­ra que feirantes adquiram veículo utilitário. Esse serviço, entre­ta­nto, foi pouco utilizado, se­gundo a assessoria da agência.
Já a linha de crédito que possibilita a retirada de empréstimos para a ampliação do negócio e aquisição de máquinas foi bastante usada.  Em um ano, 200 confecções solicitaram esse tipo de crédito, e mais de R$ 5 milhões foram repassados aos empresários.

Investimento na criatividade

O jeans brasileiro é conhecido internacionalmente pela cintura baixa e pelo uso do tactel, fibra que deixa a calça 30% mais leve. O país é o maior produtor desse tipo de tecido: em média 25 milhões de metros são confeccionados por mês. Mas não é apenas a valorização do corpo, especialmente da mulher, propiciada pelo jeans brasileiro que incentiva a produção nacional, especialmente a goiana. 
A gerente comercial da JeanDarrot, Lorena Freire, destaca que o customização é o grande diferencial. “Para isso pesquisamos, viajamos e nos mantemos atualizados sobre as principais novidades”, explica.   
Elon Cesário de Alencar, da Vizzon, destaca que o investimento em peças criativas diferencia o jeans goiano dos demais outros produzidos no país. “Aqui priorizamos a qualidade, enquanto outros estados focam apenas na quantidade de peças confeccionadas”, define. 
Esses elementos, segundo a doente de Design de Moda na UFG, Mirian Costa Manso, são fundamentais para a “humanização” do tecido jeans, inicialmente adotado por causa da sua resistência. 
Para a professora do curso de Design de Moda da UFG, Rita Andrade, a lavagem do jeans realizada em Goiás – que vai do branco ao black - é outra característica que agrega valor ao produto goiano.

Moda em Goiás
Paulista radicada em Goiâ­nia, Rita coordenou o projeto de extensão “Moda em Go­iás”,  realizado desde 2006 pela UFG. Por meio da iniciativa, desenvolvida pelos próprios alunos da graduação, um site com os principais pontos da moda e do comércio de roupas em Goiânia. Encerrado neste ano, o projeto deve ter continuidade em 2013. 
A troca entre universidade e entidades da área de confecção é uma constante no cenário goiano, lembra a professora de Design de Moda, Mirian Costa Manso. “Nosso curso foi criado a pedido das associações”, destaca. 
Ela explica que os acadêmicos são  incentivados a produzir produtos com características próprias, e não apenas reproduzir modelos já consagrados. “É esse lado artístico da marca que fará ela ser lembrada”, sentencia. 
Se hoje há um investimento considerável em inovação e em peças exclusivas, no século XIX, o jeans atraia público consumidor pela beleza, mas pela resistência, conforme lembra Mirian, destacando que o tecido era usado pelos mineradores americanos.  “O jeans saiu do patamar de peça grosseira, usada para o trabalho braçal, para o ramo da sofisticação: é ao mesmo tempo confortável e resistente”, define. 
Algumas personalidades foram fundamentais para a disseminação do uso do tecido, como James Dean, que atuou no filme Juventude Transviada usando a combinação calça jeans e blusa branca, além de  Marlon Brando e Elvis Presley. Na década de 70, o visual jeans foi adotado pelo jovens hippies.

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LOJISTAS DA RUA 44 DISPUTAM MERCADO COM O PESSOAL DA FEIRA HIPPIE E FEIRANTES QUE VENDEM NAS CALÇADAS DA PRÓPRIA 44

 

Concorrência entre formais e informais e a falta de fiscalização são as principais reclamações de quem atua no setor em Goiânia

Quando o confeccionista Fausto José, 46 anos, resolveu trocar o ramo de vendas pela produção e comercialização de roupas,  há oito anos, não imaginou que novas metas profissionais teriam que ser traçadas tão cedo. Inicialmente atraído pela lucratividade do negócio, ele viu a renda minguar.
Segundo José, o que era negócio dos sonhos começou a virar pesadelo por causa de feirantes e ambulantes, que, em geral, trabalham de maneira informal, e surgem no mercado como “concorrência desleal”.
O lojista, que tem comércio na Rua 44, no Setor Norte Ferroviário, já procura novos ramos de trabalho e reclama da falta de fiscalização nas imediações da Feira Hippie, na Praça do Trabalhador. O protesto não é isolado e parece ser um dos únicos pontos comuns em um setor marcado pelas querelas entre ambulantes, feirantes e lojistas. 
A concorrência acirrada entre esses segmentos, entretanto, não é sinônimo de profissionalização. Aliás, esse é um dos principais gargalos da indústria confeccionista de Goiás, segundo o presidente do Sindicado das Indústrias de Confecções de Roupas em Geral de Goiânia (Sinroupas), Edílson Borges de Sousa. 
Além da carência de mão de obra especializada, há dificuldades para elaborar projetos para participar de linhas de crédito, o que dificulta a renovação das máquinas usadas para a fabricação de roupas e calçados. “Com maquinário novo, o custo de produção cairia e a produtividade aumentariam”, ressalta Sousa. 
Para o presidente da  da Associação Comercial e Industrial dos Confeccionis­tas do Estado de Goiás (Aciceg), Carlos Alan de Moraes, a qualificação nem sempre vai gerar melhorias no setor de confecção, ao contrário, pode estimular o nascimento de novos ambulantes. 
Segundo Moraes, a mão de obra especializada é, muitas vezes, incorporada pela informalidade. “Uma costureira, por exemplo, percebe que é mais lucrativo  comprar malha, produzir a própria roupa e vender nas ruas da cidade do que trabalhar em uma confecção”, exemplifica.

Queda 
De acordo com o Sinro­upas, existem 3 mil indústrias de vestuário trabalhando legalmente na capital e outras 1,7 mil no interior do estado. Segundo a entidade, cinco mil estabelecimentos atuam sem registro. O setor gera mais de 100 mil empregos diretos  e entre 50 e 100 mil indiretos, em outros ramos da cadeia de produção de roupas, como lavanderias e acabamento. 
De acordo com ranking ela­borado pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), nos 1990, Goiás era o terceiro maior polo confeccionista do Brasil. Atualmente, o estado ocupa a nona colocação, depois de perder espaço para outros polos, como o de Caruaru, em  Pernambuco, e de Cianorte, no Paraná. 

Desunião
Para o presidente da Asso­ci­ação Associação Comercial e Industrial da Avenida 85 (Aciaa 85), Leonardo  Silvério os próprios empresários goianos são ineficientes na organização do setor. Ele destaca que outros polos, como o Pa­raná, tem conseguido se estru­turar  para receber compradores de várias regiões. 
Para Silvério, a união entre os vários segmentos de confecção é necessária. “Temos bons produtos, mas falta organização. Nosso concorrente não está aqui, mas no restante do país. Temos que trazer o cliente para a Goiânia.” 
Além da disputa com ambulantes e lojistas de outras regiões, quem trabalha na Avenida 85 vê o número de  clientes cair por causa da proibição de estacionar ao longo da via, que vale desde agosto do ano passado. De acordo com ele, os comerciantes da região contabilizam no final de 2011 de até 25% nas vendas no atacado e 35% no varejo.
“Na Feira Hippie, a falta de segurança tem afugentado clientes daqui e de outros estados”, diz o presidente da Associação de Feirantes da Feira Hippie (Asfehippie), Manoel D'Abadia. Segundo ele, a Praça do Trabalhador, que abriga a Feira há 16 anos, precisa de reformas estruturais, como banheiros químicos, por exemplo.

Fonte: Tribuna do Planalto