Do popular ao erudito

Cena cultural de Goiânia esta semana começa com dois espetáculos de peso e estilos musicais diferentes

ADALTO ALVES


Acabou essa história de não ter o que fazer no começo da semana. As opções de lazer não estão resumidas a cinema, bares e restaurantes. Hoje, por exemplo, tem Chico César no Centro de Cultura e Eventos da Universidade Federal de Goiás (UFG), no Campus Samambaia, dentro do projeto Música no Campus, promovido pelo Serviço Social do Comércio (Sesc-Goiás) e UFG. No Teatro Sesi do Centro Cultural Paulo Afonso Ferreira, no Santa Genoveva, a Orquestra de Sopros e Percussão do Cerrado Ciranda de Arte apresenta um repertório sui generis sob regência do maestro Cláudio Antunes.

Os cabelos de Chico César não são mais os mesmos. Quem se acostumou a vê-lo com o moicano estufado do início de carreira, que aparece na ilustração do cartaz do show, vai apreciá-lo com uma versão contemporânea do black eriçado que fez a cabeça dos negros que lutavam pela igualdade de direitos na América de 1970. Ele tripudia, inclusive, sobre a resistência aos movimentos de emancipação, em Cuzcuz-Clã, de 1996. O segundo disco de sua carreira detona uma ironia sobre a Ku Klux Klã, organização racista de memória nefasta.

Aos Vivos, a estreia de Chico César em 1995, traz a canção que se transformou em sua marca registrada ao longo do tempo, Mama África. A história divaga sobre as dificuldades da mãe solteira que trabalha e cuida dos filhos, que, insensíveis, se “olonduzam” e caem no jazz quando ela sai de casa. O sucesso nacional projetou o desconhecido paraibano que achava legal ser negão no Senegal e desenvolvia uma trajetória nos meandros alternativos de São Paulo.

Cuzcuz-Clã, o primeiro de estúdio, já que Aos Vivos foi gravado, sim, ao vivo, com participações de Lenine e Lanny Gordin (guitarra), potencializou o sacolejo da Mama. Chico César gravou regularmente até 2002 e, mesmo sem repetir a façanha do hit exaustivamente executado nas paradas de rádio, manteve a relevância em misturas de estilos arranjadas com poesia e conceitos bem talhados. Ele volta a gravar somente em 2006, com os cabelos tosados, em De Uns Tempos pra Cá, junto de um quinteto de cordas. O trabalho migrou para o formato DVD um ano depois.

O show de hoje privilegia as canções do disco mais recente, Francisco Forró y Frevo, produzido por Bid e mixado por Mário Caldato Jr., que chega num momento em que a imagem de Chico César se encontra esmaecida por uma ausência prolongada dos meios de comunicação. O projeto, de certa forma, reata os nós com os primeiros passos ao capturar a atenção do ouvinte mais pelo corpo do que pela cabeça, mais pela dança do que pelo pensamento. Frevos, forrós e assemelhados para levantar a plateia.

A primeira parte do concerto promovido pela Orquestra de Sopros e Percussão do Cerrado é dedicada à música popular de extração sofisticada. Maria, Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant, e Lígia, de Tom Jobim e Chico Buarque, com arranjos adaptados por Dico, antecedem Concertpiece, de James Cournow, que conta com o trompete solo de Tonico Cardoso. Depois de um intervalo, a orquestra retorna para interpretar A Divina Comédia, baseada em livro homônimo de Dante Alighieri, de autoria de Robert W. Smith, em quatro movimentos (Inferno, Purgatório, Ascensão e Paraíso). O trompete de Tonico faz par com o piano de Sérgio de Paiva.

O primeiro DVD da orquestra foi gravado, em maio, no mesmo Teatro Sesi, com a presença de convidados ilustres. O produto, cujo lançamento é aguardado para setembro, se não abriu, contribuiu para que as portas da Europa fossem abertas para a formação do Cerrado. Há três visitas marcadas em diferentes endereços de Portugal, em outubro. A contar com o apoio da Secretaria Estadual de Cultura, a agenda pode ganhar o acréscimo de novas salas em países vizinhos.

Os mais de 60 músicos da orquestra, entre estudantes avançados e professores da rede estadual, participam do Grupo de Estudo e Pesquisa em Banda do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte, da Secretaria de Educação do Estado de Goiás. A orquestra foi criada em 2008. Apesar de carioca, o maestro Cláudio Antunes veio do Rio Grande do Sul para auxiliar no polimento musical do grupo.